quinta-feira, 6 de março de 2025

CONTO: UMA VIDA AO LADO - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 Conto: Uma vida ao lado

            Marina Colasanti

        Fina, a parede. E, além dela, a vida do vizinho.

        Irritante a princípio.  Ruídos, pancadas, tosse, tudo interferindo, infiltrando-se. Depois, aos poucos, familiar.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8coP0d1CrwGPHvnqb15gP-J3H4qCTE0GEB3KSzzMGpnVtJWWZXHpkIsoCnhTcDpu9SOaU6_sw0fn5TZVLUzUBy0TQDdgWFYS0g0v8vImCb75Vu5YGuKDu4XXws_2vYlh_Uav1r_fVJlERERFvhgvSIguPLP4Rg6YMh-WEicydEbEhQlq1eMqr9vYUM18/s320/VIZINHOS.png


        Sabia-lhe o banho, as refeições, as horas de repouso. A cada gesto, um som. E no som, recriado, o via mover-se em geometrias idênticas às suas. A sala, o quarto, o corredor.

        Cada vez mais ligava-se ao vizinho, absorvendo seus hábitos. Ouvia bater de louças e se apressava à cozinha, vinham vozes moduladas e ligava a televisão. À noite só conseguia dormir depois do baque dos sapatos do outro, o ranger da cama assinalando que se metera entre lençóis.

        Perdia-o, porém, quando saía porta afora. Passos, tinir de chaves, lá se ia o vizinho. Sem ele, vazios a sala e o quarto, a parede emudecia, separando silêncios.

        Voltava ao fim do dia, pontual. Passos, tinir de chaves. Ele então acendia a luz ao estalar do interruptor do outro, e juntos punham a casa em andamento.

        Tentava, às vezes, seguir-lhe as andanças. Espiava pelo olho mágico estudando a paciência com que esperava o elevador, postava-se à janela para ver que direção tomava, em que ônibus subia.

        E, justamente numa tarde em que espreitava, viu o outro atravessar em má hora a rua movimentada, hesitar, correr e ser atropelado por um furgão.

        Percebeu que precisava trabalhar rápido. Sem hesitar, arrancou as portas dos armários, as cortinas, pegou a caixa de ferramentas, e começou a serrar, lixar, bater, colar.

        Tudo estava pronto quando ouviu o caixão do outro chegar para o velório. Sobre a mesa da sala, na exata posição em que o do vizinho deveria estar, colocou seu próprio caixão. Depois abriu a porta de par em par e, vestido no terno azul-marinho, deitou-se cruzando as mãos sobre o peito.

        Ainda teve tempo de pensar que tinha esquecido de engraxar os sapatos. E já os primeiros visitantes começavam a chegar, entrando com a mesma tristeza nos dois apartamentos, para prantear defuntos tão iguais.

Marina Colasanti. Contos de amor rasgado. Rio de Janeiro: Rocco. © by Marina Colasanti.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 557-558.

Entendendo o conto:

01 – Qual a relação do narrador com o vizinho?

      A relação é de uma profunda observação e imitação. O narrador absorve os hábitos do vizinho, sincronizando suas ações com as dele.

02 – Como o narrador se sente quando o vizinho sai de casa?

      O narrador sente um vazio e um silêncio incômodo, como se uma parte de sua própria vida estivesse ausente.

03 – O que o narrador faz para tentar acompanhar a vida do vizinho fora de casa?

      O narrador espia o vizinho pelo olho mágico, observa-o pela janela e tenta descobrir para onde ele vai.

04 – Qual o evento trágico que ocorre com o vizinho?

      O vizinho é atropelado por um furgão ao atravessar uma rua movimentada.

05 – Qual a ação surpreendente que o narrador toma após a morte do vizinho?

      O narrador constrói seu próprio caixão e se deita nele, imitando a cena do velório do vizinho.

06 – Por que o narrador decide fazer o que faz?

      A decisão do narrador demonstra uma obsessão em replicar a vida do vizinho, até mesmo na morte, demonstrando uma perda da própria identidade.

07 – Qual o detalhe que o narrador percebe no final da história?

      O narrador percebe que esqueceu de engraxar os sapatos, demonstrando uma preocupação com os detalhes, mesmo em um momento extremo.

 

 

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