Conto: O Cururu – Fragmento
Jorge de Lima
Tudo quieto, o primeiro cururu surgiu
na margem, molhado, reluzente na semiescuridão. Engoliu um mosquito; baixou a
cabeçorra; tragou um cascudinho; mergulhou de novo, e bum-bum! Soou uma nota
soturna do concerto interrompido. Em poucos instantes, o barreiro ficou sonoro,
como um convento de frades. Vozes roucas, foi-não-foi, tãs-tãs, bum-buns,
choros, esguelamentos finos de rãs, acompanhamentos profundos de sapos,
respondiam-se.

Os bichos apareciam, mergulhavam,
arrastavam-se nas margens, abriam grandes círculos na flor d’água. (…) Daí a
pouco, da bruta escuridão, surgiram dois olhos luminosos,
fosforescentes, como dois vagalumes. Um sapo cururu grelou-os e ficou
deslumbrado, com os dois olhos esbugalhados, presos naquela boniteza luminosa.
Os dois olhos fosforescentes aproximavam-se mais e mais, como dois pequenos
holofotes na cabeça triangular da serpente. O sapo não se movia, fascinado. Sem
dúvida queria fugir; previa o perigo, porque emudecera; mas já não podia andar,
imobilizado; os olhos feiíssimos, agarrados aos olhos luminosos e bonitos como
um pecado. Num bote a cabeça triangular abocanhou a boca imunda do batráquio.
Ele não podia fugir àquele beijo. A boca fina do réptil arreganhou-se
desmesuradamente; envolveu o sapo até os olhos. Ele se baixava dócil
entregando-se à morte tentadora, apenas agitando as patas sem provocar nenhuma
reação ao sacrifício. A barriga disforme e negra desapareceu na goela dilatada
da cobra. E, num minuto, as perninhas do cururu lá se foram, ainda vivas, para
as entranhas famélicas. O coro imenso continuava sem dar fé do que acontecia a
um de seus cantores.
Jorge de Lima. Calunga; O anjo. 3. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1959. p.
160-161.
Fonte: Lições de texto.
Leitura e redação. José Luiz Fiorin / Francisco Platão Savioli. Editora Ática –
4ª edição – 3ª impressão – 2001 – São Paulo. p. 93.
Entendendo o conto:
01 – Qual é a atmosfera
inicial do conto?
O conto começa
com uma atmosfera de quietude e semiescuridão, quebrada pelo surgimento do
primeiro cururu na margem do barreiro. A descrição detalhada do ambiente e dos
sons cria uma sensação de imersão na natureza.
02 – Como o autor descreve o
som produzido pelos animais no barreiro?
O autor utiliza
uma linguagem rica em onomatopeias para descrever os sons dos animais:
"bum-bum", "tãs-tãs", "choros",
"esguelamentos finos de rãs", "acompanhamentos profundos de
sapos". Esses sons criam um "concerto interrompido" e
transformam o barreiro em um "convento de frades", sugerindo uma
atmosfera ritualística.
03 – Qual é a reação do sapo
cururu ao avistar os olhos luminosos na escuridão?
O sapo cururu
fica deslumbrado e fascinado pelos olhos luminosos, que o hipnotizam e o
imobilizam. Ele é incapaz de fugir, mesmo pressentindo o perigo iminente.
04 – Como a serpente ataca o
sapo cururu?
A serpente se
aproxima lentamente, como "dois pequenos holofotes", e abocanha o
sapo cururu com um bote rápido. A boca da serpente se dilata para engolir o
sapo por inteiro, em um ato de violência e voracidade.
05 – Qual é o significado da
frase "Ele não podia fugir àquele beijo"?
Essa frase
utiliza uma metáfora para descrever a morte do sapo cururu. O "beijo"
representa o ataque fatal da serpente, que é irresistível e inevitável.
06 – Como o autor descreve a
morte do sapo cururu?
A morte do sapo
cururu é descrita de forma crua e brutal. Ele é engolido vivo pela serpente,
com suas perninhas ainda se debatendo nas entranhas do predador.
07 – Qual é o contraste entre
a morte do sapo cururu e o coro dos outros animais?
Enquanto o sapo
cururu é devorado pela serpente, o "coro imenso" dos outros animais
continua cantando, alheio ao que aconteceu. Esse contraste destaca a
indiferença da natureza diante da morte individual e a continuidade do ciclo da
vida.
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