domingo, 23 de junho de 2024

CRÔNICA: CEM DIAS ENTRE O CÉU E MAR - FRAGMENTO - AMYR KLINK - COM GABARITO

 Crônica: Cem dias entre o céu e mar – Fragmento

              Amyr Klink

        [...]

        Trinta de agosto. Embora não fosse sábado, o calor do final de tarde me inspirou a fazer a barba, que já resistia há algum tempo. As roupas secavam na antena. Os remos já estavam prontos pra ir dormir. Mas, ao reconhecer o que ainda estava solto sobre o barco, um susto!

        -- Navio! Navio! – berrei.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjqvjWgQ6fVAgfbSKta-NEYb5WXyLg9RoTjuEyAYyNIhXHU2IyQrfQsXHGygblwajKaYZbBX87NWeiw9XBNSvjtfaqNDrKSCk5B3HMxGhRQLCyclPfZK0zVfC9KyGhfMjjXYV2nssHqTO87qWNRF0Y7O1TeRGKvCuxEHH7elT7LQ4rNIMlJItc2ZuaYdQ/s320/AMIYR.jpg


        Quase caí na água. Um enorme navio cinzento cruzava minha proa a menos de meia milha de distância no rumo verdadeiro de 310º. [...]

        Os navios são cegos no mar, e quem navega sozinho deve assumir por sua conta e risco este fato. Especialmente durante o dia. À noite, as luzes de um pequeno barco são visíveis a uma razoável distância, e neste caso o vigia pode tomar alguma atitude. Se houver vigia. Mas quando o mar se apresenta levemente formado e, sobretudo, à luz do dia, um barco pequeno só é visível nos poucos segundos em que não está escondido entre duas ondas, o que representa menos de 20% do tempo. Isto, se naquele exato instante houver alguém olhando precisamente na mesma direção. Soma-se ainda o problema do reflexo dos raios na água, o que inutiliza metade do campo visual de um navio quando o sol está baixo, e o dos dias de vento mais forte, quando os carneirinhos, deixados pelas ondas que arrebatam, se confundem com qualquer embarcação. Quanto mais perto se está do nível do mar, pior o problema, pois, em decorrência da curvatura da Terra, o horizonte se torna próximo e um enorme navio pode surgir da invisibilidade absoluta, até o nariz da vítima, em rápidos minutos.

        A única solução é manter uma vigília permanente e nunca esperar que um monstro de aço saia da frente primeiro. Na prática, isto é impossível para um solitário, e o jeito é dormir em intervalos regulares tanto menores quanto mais próximo se estiver de rotas conhecidas de navegação. Existem também alguns recursos técnicos para evitar colisões no mar: os refletores-radar e o detector de radares. a utilidade de ambos, em rotas transoceânicas, é muito relativa. Para auxílio e localização de um barco são muito interessantes, mas nem tanto para evitar acidentes, pois, na prática, raras vezes os navios acionam o radar em alto mar.

        Inanimado, o navio seguia em frente enquanto eu barrava de alegria. A distância não permitia distinguir pessoas, mas ao menos sabia que, peça primeira vez em mais de oitenta dias, havia gente nas proximidades, gente trabalhando, comendo em mesas, com versando, ali a minha frente, dentro do vulto de aço que soltava fumaça pela chaminé. Que saudades, meu Deus! Chamei pelo VHF, no canal 16: “Grande navio cinza. Grande navio cinza. Aqui embarcação IAT chamando. Responda, Câmbio.”

        E que surpresa ao ouvir a resposta num inglês bem napolitano: “Prossiga IAT. Aqui é o Mount Cabrite. Câmbio.”

        Era um cargueiro de bandeira liberiana e tripulação italiana que seguia para os Estados Unidos. A comunicação VHF é de curto alcance, e, portanto, eles imaginavam que deveriam avistar outro barco próximo, um veleiro talvez. Mas não conseguiram. Sem trair a emoção que eu sentia, pedi uma confirmação de posição para checar a precisão dos meus cálculos. E o diálogo que se seguiu foi um pouco lacônico:

        -- Não o avistamos. Você perdeu o mastro? – perguntou o operador.

        -- Não tenho mastro! – respondi.

        -- Você está com pane nas máquinas?

        -- Não tenho máquinas. Estou remando!

        Houve um silêncio no rádio.

        -- Há outros sobreviventes? – voltou ele novamente.

        -- Não! Não! – respondi. – Sou o único tripulante a bordo. Vou para Salvador. Está tudo bem. Por favor, confirme e comunique minha posição ao Concontramar no Rio de Janeiro.

        -- Morreram todos os outros?

        -- Não, não. Eu parti só, da África, de Luderitz.

        Novo silêncio. O oficial de rádio custou a acreditar e, enquanto pedia a posição à ponte de comando, não escondeu que duvidava do que ouvia.

KLINK, Amyr. Cem dias entre céu e mar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 102-103.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 2. Língua Portuguesa – 6º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 36-37.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, o que significa a palavra lacônico?

      Em poucas palavras, sucinto, resumido.

02 – Explique a afirmação feita no texto, de acordo com o relato do navegador.

        “Os navios são cegos no mar, e quem navega sozinho deve assumir por sua conta e risco este fato.”

      Pela afirmação, que os navios não conseguem ver as embarcações menores no mar, por isso, são “cegos”. Ciente desse fato, o navegador que assume enfrentar uma viagem sozinho deve ter consciência desse fato, o que pode representar um risco.

03 – De acordo com o texto, há quantos dias Klink estava navegando quando encontrou o navio?

      Há oitenta dias quando encontrou o navio.

04 – Qual foi o motivo da alegria do navegador ao se deparar com  um navio?

      O fato de ter tido um contato humano depois de oitenta dias de navegação solitária.

05 – Como o autor navegante descreve o navio que encontrou no caminho?

      O navio era um cargueiro de bandeira liberiana e tripulação italiana que estava seguindo para os estados Unidos.

06 – Por que a tripulação do cargueiro pensou que Klink era um sobrevivente?

      Pelo fato de ele estar sozinho, imaginando que ele teria escapado, provavelmente, de um naufrágio.

07 – Como você justifica o fato de o oficial de rádio ter duvidado sobre o que o navegante contava?

      O oficial de rádio poderia ter duvidado sobre o que o navegante dizia, pois o fato de haver um navegante sozinho em alto mar parecia ser algo estranho e improvável, a menos que fosse, por exemplo, um sobrevivente.

08 – Com base no texto que você leu, indique qual foi o fato que mais lhe chamou a atenção. Justifique sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno.

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