segunda-feira, 17 de junho de 2024

CRÔNICA: GALINHA AO MOLHO PARDO - (FRAGMENTO) - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: Galinha ao molho pardo – Fragmento

              Fernando Sabino

        Ao chegar da escola, dei com a novidade: uma galinha no quintal. O quintal de nossa casa era grande, mas não tinha galinheiro, como quase toda casa de Belo Horizonte naquele tempo. Tinha era uma porção de árvores: um pé de manga sapatinho, outro de manga coração-de-boi, um pé de gabiroba, um pé de goiaba branca, outro de goiaba vermelha, um pé de abacate e até um pé de fruta-do-conde. No fundo, junto do muro, um bambuzal. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjR5wNe17ZA7TS0XUobwCO1u9MlRX2cOefsSctkC2EYn6neKlYqnH7oxaVRDF7pMuszY_SCbGy2SDdCXp16g_Ny9ywP58-yczfgKSzViCw8Ivt52B9G9y_7CAzIXAS8e2BPjnwrDR9D4nKcL768vOOUKvLIeue8jf0-ehypxfLnnqYZiuNtTuCFpB4eo3U/s320/GALINHA.jpg


De um lado, o barracão com o quarto da Alzira cozinheira e um quartinho de despejo. Do outro lado, uma caixa de madeira grande como um canteiro, cheia de areia que papai botou lá para nós brincarmos. Eu brincava de fazer túnel, de guerra com soldadinhos de chumbo, trincheira e tudo. Deixei de brincar ali quando começaram a aparecer na areia uns montinhos fedorentos de cocô de gato. Os gatos quase nunca apareciam, a não ser de noite, quando a gente estava dormindo. De dia se escondiam pelos telhados. Tinham medo de Hindemburgo, que era mesmo de meter medo, um pastor alemão deste tamanho. Não sabiam que Hindemburgo é que tinha medo deles. cachorro com medo de gato: coisa que nunca se viu. Quando via um gato, Hindemburgo metia o rabo entre as pernas e fugia correndo.

        Pois foi no fundo do quintal que eu vi a galinha, toda folgada, ciscando na caixa de areia. Havia sido comprada por minha mãe para o almoço de domingo: Dr. Junqueira ia almoçar em casa e ela resolveu fazer galinha ao molho pardo.

        Eu já tinha visto a Alzira matar galinha, uma coisa terrível. […]

        Como se fosse a coisa mais natural deste mundo, a Alzira me contou o que ia acontecer com a nova galinha.

        Revoltado, resolvi salvá-la.

        Eu sabia que o Dr. Junqueira era importante, meu pai dependia dele para uns negócios. Pois no que dependesse de mim, no domingo ele ia poder comer tudo, menos galinha ao molho pardo.

        Era uma galinha branca e gorda, que não me deu muito trabalho para pegar. Foi só correr atrás dela um pouco, ficou logo cansada. Agachou-se no canto do muro, me olhou de lado como as galinhas olham e se deixou apanhar.

        Não sei se percebeu que eu não ia lhe fazer mal. Pelo contrário, eu pretendia salvar a sua vida. O certo é que em poucos minutos ficou minha amiga, não fugiu mais de mim.

        – O seu nome é Fernanda – falei então. e joguei um pouquinho de água na cabecinha dela: – Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.

        Assim que escureceu, Ela se empoleirou muito fagueira num galho da goiabeira, enfiou a cabeça debaixo da asa e dormiu. Então eu entendi por que dizem que quem vai para a cama cedo dorme com as galinhas.

        No dia seguinte era sábado, não tinha aula. Passei o tempo inteiro brincando com ela. levei horas lhe ensinando a responder sim e não com a cabeça.

        -- Você sabe o que eles estão querendo fazer com você, Fernanda?

        Ela mexia a cabecinha para os lados, dizendo que não.

        -- Pois nem queira saber. Cuidado com a Alzira, aquela magrela de pernas compridas. É a nossa cozinheira. Ruim que só ela. Não deixa a Alzira nem chegar perto de você.

        Ela mexia com a cabecinha para cima e para baixo, dizendo que sim.

        -- Estão querendo matar você para comer. Com molho pardo.

        Os olhinhos dela piscaram de susto. O corpo estremeceu e ali mesmo, na hora, ela botou um ovo. De puro medo.

        -- Mas eu  não vou deixar – procurei tranquilizá-la, apanhando o ovo com cuidado, para enterrar na areia depois e ver se nascia pinto.

        E acrescentei:

        -- Hoje não precisa de ter medo, que o perigo todo vai ser amanhã.

        Eu sabia que para fazer a galinha ao molho pardo tinham de matar quase na hora, por causa do sangue, que era aproveitado para preparar o molho.

        -- Vou esconder você num lugar que ninguém é capaz de descobrir.

        Junto do tanque de lavar roupa costumava ficar uma bacia grande de enxaguar. A Maria lavadeira só ia voltar na segunda-feira. Antes disso ninguém ia mexer naquela bacia. Assim que escureceu, escondi a Fernanda debaixo dela. Fiquei com pena de deixar a coitada ali sozinha:

        -- Você se importa de ficar ai debaixo até passar o perigo?

        Ela fez com a cabeça que não.

        -- Então fica bem quietinha e não canta nem cacareja nem nada. Principalmente se ouvir alguém andando aqui fora.

        Ela fez com a cabeça que sim.

        -- Amanhã, assim que puder eu volto. Dorme bem, Fernanda.

        Naquela noite, para que ninguém desconfiasse, jantei mais cedo e fui dormir com as galinhas.

        […]

SABINO, Fernando. O menino no espelho. Rio De janeiro: Record, 2003, p. 14-19.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 2. Língua Portuguesa – 6º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 88-90.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a razão da presença da galinha no quintal da casa do narrador?

      A galinha tinha sido comprada para o almoço de domingo, cujo prato seria “galinha ao molho pardo”, no qual haveria a presença do Dr. Junqueira.

02 – O narrador descreve o quintal de sua casa de infância. O que você destacaria dessa descrição, que lhe parece muito diferente dos quintais de hoje?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – Já inteirado com a galinha, o narrador resolveu batizá-la, dando-lhe um nome. Qual é a relação entre o nome dado à galinha e o narrador?

      O nome dado à galinha foi Fernanda. A relação existente entre os dois fatos é que o narrador se chama Fernando (versão masculina do nome da galinha).

04 – Como o menino descreve a cozinheira Alzira?

      Ele a descreve como magrela de pernas compridas e ruim.

05 – O que fez o narrador para esconder a galinha da família?

      Ele a escondeu debaixo de uma grande bacia.

06 – O narrador revela que foi capaz de estabelecer uma comunicação com a galinha. Como se percebe essa comunicação no texto?

      O narrador afirma que a galinha respondia ao que ele falava, movimentando a cabeça de modo afirmativo ou negativo.

07 – Explique o significado da expressão “dormir com as galinhas” de acordo com o texto.

      A expressão significa dormir mais cedo, isso porque as galinhas dormem muito cedo também.

 

 

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