Fábula: Pode Acontecer
Luís Fernando Veríssimo
Pode acontecer o seguinte. As
revelações sobre o envolvimento de figuras do governo passado em crimes e
escândalos chegam a ponto crítico. Civis e militares de graduação inimaginável
veem-se na iminência não de ir para a cadeia, o que contraria os hábitos brasileiros,
mas de serem expostos como corruptos, torturadores, etc. O que, sei lá, seria
chato. Os protestos contra "revanchismo" não adiantam. É preciso agir
para deter a torrente de denúncias que ameaça destruir, na sua fúria
persecutória, tudo o que o regime passado deixou de bom. Como, por exemplo, o,
a... hm. Bem, é preciso agir. O golpe é decidido num telefonema no meio da
noite. Falam em código.
- Alô, Mão em Cumbuca? Boca na
Botija.
- Fala, Boca.
- Tudo certo para amanhã?
- Tudo.
- Tem certeza?
- Tenho. Houve resistência,
mas o argumento de que até o Antônio Carlos está nas mãos dos comunistas foi
decisivo. A maioria aderiu.
- Quer dizer que...
- Lá vamos nós outra vez.
- Será que não há mesmo outro
jeito?
- Bem, se você quer ver nos
jornais a história de como você roubava material do seu gabinete para vender...
- Ssssh!
- Nunca entendi. Você não se
contentava com seu salário de... - Sssshh!
- Tinha que vender os clipes
de papel?!
- E você? E você?
- O que que tem eu?
- E o cabaré no porão do - Ssshhh!
- Bom, agora não adianta ficar
lamentando. O importante é que ninguém descubra. Como está o plano?
- Não pode falhar. Cercaremos
o Congresso. Os congressistas se renderão. Usando os congressistas como reféns,
exigiremos a capitulação do governo e das forças leais a Sarney.
- Uma vez no poder,
censuraremos a imprensa. De novo.
- Exato.
- Boa sorte, Mão!
- Certo, Boca. No dia
seguinte.
- Alô, Mão em Cumbuca?
- Não tem ninguém aqui com
esse codinome.
- Já vi que não deu certo...
- É.
- O que houve?
- Atacamos o Congresso. Fomos
direto ao cerne da democracia. Cercamos o prédio. Entramos para render os
congressistas.
- E?
- E não encontramos ninguém!
- O quê?!
- Bom, para não dizer que não
tinha ninguém, tinha uma taquígrafa. Pensamos em usá-la como refém mas acabamos
desistindo.
- Assim não dá!
- É. É impossível golpear as
instituições se elas não estão onde deviam estar!
- O que vamos fazer agora,
Mão?
- Eu se fosse você dava o fora
do país, Boca.
- E de onde você pensa que eu
estou falando, Mão?
Entendendo o texto
01. Quando se passa a fábula
"Pode Acontecer"?
a) Durante uma Ditadura Militar.
b) No século XIX.
c) Nos dias
atuais.
d) Em um futuro distópico.
02. O que ameaça as figuras do
governo passado na fábula?
a) Uma invasão estrangeira.
b) Uma epidemia.
c) Revelações de envolvimento em crimes e
escândalos.
d) Um golpe militar.
03. Qual é a ocorrência dos
protestos contra o “revanchismo”?
a) São bem-sucedidos.
b) Não adianta.
c) São ignorantes.
d) Resultam em mais denúncias.
04. Como foi decidido o golpe na
fábula?
a) Em uma assembleia pública.
b) Em uma reunião secreta.
c) Por meio de um referendo.
d)
Por votação popular.
05. Qual é o código usado
durante o telefonema entre Mão em Cumbuca e Boca na Botija?
a) Código Morse.
b) Código binário.
c) Código de barras.
d) Código verbal.
06. O que motivou a maioria da
adesão ao golpe?
a) A ameaça de intervenção estrangeira.
b) O argumento de
que Antônio Carlos estava nas mãos dos comunistas.
c) A promessa de aumento salarial.
d) A ideia de preservar a democracia.
07. O que acontece durante o
ataque ao Congresso?
a) Os congressistas serão entregues
imediatamente.
b) Encontram os congressistas e os
rendem.
c) Descobrem que
o Congresso está vazio.
d) A taquígrafa se torna refém.
08. Qual é o plano após o golpe
ser bem sucedido?
a) Estabelecer um governo democrático.
b) Censurar a imprensa novamente.
c) Promover eleições livres.
d) Iniciar reformas econômicas.
09. Qual é a ocorrência de Mão
ao perceber que o plano falhou?
a) Lamenta e busca outra estratégia.
b) Desiste da ideia de golpe.
c) Atribuir a culpa ao Boca.
d) Propõe um diálogo com a oposição.
10. Qual é a moral da história
conforme revelada no final?
a) A
impossibilidade de golpear as instituições.
b) A importância de manter segredos.
c) A necessidade de resistir a regimes
autoritários.
d) A fragilidade dos planos conspiratórios.
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