sexta-feira, 17 de novembro de 2023

CONTO: CEGO E AMIGO GEDEÃO À BEIRA DA ESTRADA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Conto: Cego e amigo Gedeão à beira da estrada

            Moacyr Scliar

        — Este que passou agora foi um Volkswagen 1962, não é, amigo Gedeão?

        — Não, Cego. Foi um Simca Tufão.

        — Um Simca Tufão? … Ah, sim, é verdade. Um Simca potente. E muito econômico. Conheço o Simca Tufão de longe. Conheço qualquer carro pelo barulho da máquina.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi11tmmjxlfQFOaOmdVyWPdkHs1Qh8Irp5unQdnpJbyXFUo3Lr3NvHKt6aohIfdfsVFbvI0k0Yuahy9KV9ncw3XBtuQ22hJ3OtNI00s6QUY0tNOHBvTeJQTYcKOEph9rptDEmyDigCHlEGEgYMOnz_HFCOX0UCjkxy1p3xiSso0octc4yxvDYF1-ulVno0/s1600/SIMCA.jpg


        Este que passou agora não foi um Ford?

        — Não, Cego. Foi um caminhão Mercedinho.

        — Um caminhão Mercedinho! Quem diria! Faz tempo que não passa por aqui um caminhão Mercedinho. Grande caminhão. Forte. Estável nas curvas. Conheço o Mercedinho de longe… Conheço qualquer carro. Sabe há quanto tempo sento à beira desta estrada ouvindo os motores, amigo Gedeão? Doze anos, amigo Gedeão. Doze anos.

        É um bocado de tempo, não é, amigo Gedeão? Deu para aprender muita coisa. A respeito de carros, digo. Este que passou não foi um Gordini Teimoso?

        — Não, Cego. Foi uma lambreta.

        — Uma lambreta… Enganam a gente, estas lambretas. Principalmente quando eles deixam a descarga aberta.

        Mas como eu ia dizendo, se há coisa que eu sei fazer é reconhecer automóvel pelo barulho do motor. Também, não é para menos: anos e anos ouvindo!

        Esta habilidade de muito me valeu, em certa ocasião… Este que passou não foi um Mercedinho?

        — Não, Cego. Foi o ônibus.

        — Eu sabia: nunca passam dois Mercedinhos seguidos. Disse só pra chatear. Mas onde é que eu estava? Ah, sim.

        Minha habilidade já me foi útil. Quer que eu conte, amigo Gedeão? Pois então conto. Ajuda a matar o tempo, não é? Assim o dia termina mais ligeiro. Gosto mais da noite: é fresquinha, nesta época. Mas como eu ia dizendo: há uns anos atrás mataram um homem a uns dois quilômetros daqui. Um fazendeiro muito rico. Mataram com quinze balaços. Este que passou não foi um Galaxie?

        — Não. Foi um Volkswagen 1964.

        — Ah, um Volkswagen… Bom carro. Muito econômico. E a caixa de mudanças muito boa. Mas, então, mataram o fazendeiro. Não ouviu falar? Foi um caso muito rumoroso. Quinze balaços! E levaram todo o dinheiro do fazendeiro. Eu, que naquela época j á costumava ficar sentado aqui à beira da estrada, ouvi falar no crime, que tinha sido cometido num domingo. Na sexta-feira, o rádio dizia que a polícia nem sabia por onde começar. Este que passou não foi um Candango?

        — Não, Cego, não foi um Candango.

        — Eu estava certo que era um Candango… Como eu ia contando: na sexta, nem sabiam por onde começar.

        Eu ficava sentado aqui, nesta mesma cadeira, pensando, pensando… A gente pensa muito. De modos que fui formando um raciocínio. E achei que devia ajudar a polícia. Pedi ao meu vizinho para avisar ao delegado que eu tinha uma comunicação a fazer. Mas este agora foi um Candango!

        — Não, Cego. Foi um Gordini Teimoso.

        — Eu seria capaz de jurar que era um Candango. O delegado demorou a falar comigo. De certo pensou: “Um cego? O que pode ter visto um cego?” Estas bobagens, sabe como é, amigo Gedeão. Mesmo assim, apareceu, porque estavam tão atrapalhados que iriam até falar com uma pedra. Veio o delegado e sentou bem aí onde estás, amigo Gedeão. Este agora foi o ônibus?

        — Não, Cego. Foi uma camioneta Chevrolet Pavão.

        — Boa, esta camioneta, antiga, mas boa. Onde é que eu estava? Ah, sim. Veio o delegado. Perguntei:

        “Senhor delegado, a que horas foi cometido o crime?”

        — “Mais ou menos às três da tarde, Cego” — respondeu ele. “Então” — disse eu. — “O senhor terá de procurar um Oldsmobile 1927. Este carro tem a surdina furada.

        Uma vela de ignição funciona mal. Na frente, viajava um homem muito gordo. Atrás, tenho certeza, mas iam talvez duas ou três pessoas.” O delegado estava assombrado. “Como sabe de tudo isto, amigo?” — era só o que ele perguntava. Este que passou não foi um DKW?

        — Não, Cego. Foi um Volkswagen.

        — Sim. O delegado estava assombrado. “Como sabe de tudo isto?” — “Ora, delegado” — respondi. — “Há anos que sento aqui à beira da estrada ouvindo automóveis passar. Conheço qualquer carro. Sem mais: quando o motor está mal, quando há muito peso na frente, quando há gente no banco de trás. Este carro passou para lá às quinze para as três; e voltou para a cidade às três e quinze.” — “Como é que tu sabias das horas?” — perguntou o delegado. — “Ora, delegado” — respondi. — “Se há coisa que eu sei — além de reconhecer os carros pelo barulho do motor — é calcular as horas pela altura do sol.” Mesmo duvidando, o delegado foi… Passou um Aero Willys?

        — Não, Cego. Foi um Chevrolet.

        — O delegado acabou achando o Oldsmobile 1927 com toda a turma dentro. Ficaram tão assombrados que se entregaram sem resistir. O delegado recuperou todo o dinheiro do fazendeiro, e a família me deu uma boa bolada de gratificação. Este que passou foi um Toyota?

        — Não, Cego. Foi um Ford 1956.

O texto acima foi publicado no livro “Para Gostar de Ler — Volume 9 — Contos”, Editora Ática — São Paulo, 1984, pág. 26.

Entendendo o conto:

01 – Quem são os personagens principais no conto?

      Cego e seu amigo Gedeão são os protagonistas.

02 – Qual é a habilidade peculiar do Cego no conto?

      Ele consegue identificar os carros que passam pela estrada apenas pelo som dos motores.

03 – Quantos anos o Cego passou sentado à beira da estrada?

      O Cego passou doze anos sentado à beira da estrada.

04 – O que aconteceu nas proximidades da estrada há alguns anos, conforme mencionado no conto?

      Um fazendeiro muito rico foi assassinado com quinze tiros e roubaram todo o seu dinheiro.

05 – Como o Cego ajudou a resolver o crime do assassinato do fazendeiro?

      Ele usou sua habilidade de reconhecer carros pelo som do motor e calcular horas pela posição do sol para identificar o veículo envolvido no crime, um Oldsmobile 1927.

06 – Qual foi a reação do delegado ao ouvir as informações precisas do Cego sobre o crime?

      Ele ficou surpreso e assombrado, duvidando das habilidades do Cego.

07 – Como o Cego explicou sua capacidade de saber a hora do crime?

      Além de reconhecer carros pelo som do motor, ele afirmou que sabia calcular as horas pela posição do sol.

08 – Qual foi o desfecho do conto após a resolução do crime?

      O delegado encontrou o veículo envolvido e recuperou o dinheiro roubado, e o Cego recebeu uma gratificação da família do fazendeiro.

09 – O que o Cego pensava sobre a noite e o dia?

      Ele preferia a noite por ser fresca, mas acreditava que contar histórias ajudava a passar o tempo mais rapidamente.

10 – O que o Cego dizia sobre sua habilidade de reconhecer carros e o que isso lhe valeu?

      Ele afirmava conhecer qualquer carro pelo barulho do motor, e essa habilidade lhe foi útil para resolver o crime do fazendeiro.

 

 

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