quarta-feira, 8 de novembro de 2023

CONTO: A ARMADILHA - MURILO RUBIÃO - COM GABARITO

 Conto: A armadilha

           Murilo Rubião

        Alexandre Saldanha Ribeiro. Desprezou o elevador e seguiu pela escada, apesar da volumosa mala que carregava e do número de andares a serem vencidos. Dez.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjucrdK7QgNZke9VLHZpiBrPcv0eny8w6TEOvt7VCEUhWqJdaUSRz1DdoozIAup1NQPU9h2l4tqZmrN2sKK7sOmVMNW6-Y0tcCo2B0hK4rSHSw9_uq5Mo-RT8rrFCUp-WkTwmQWw3om0wIqRsVFz9OGdCxl5AIY012tGrjP_4obmsvkBgG8ate5Fm5P-Ag/s1600/ESCADA.jpg


        Não demonstrava pressa, porém o seu rosto denunciava a segurança de uma resolução irrevogável. Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor, onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos ladrilhos. Todas as salas encontravam-se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que indicasse presença humana.

        Parou diante do último escritório e perdeu algum tempo lendo uma frase, escrita a lápis, na parede. Em seguida passou a mala para a mão esquerda e com a direita experimentou a maçaneta, que custou a girar, como se há muito não fosse utilizada. Mesmo assim não conseguiu franquear a porta, cujo madeiramento empenara. Teve que usar o ombro para forçá-la. E o fez com tamanha violência que ela veio abaixo ruidosamente. Não se impressionou. Estava muito seguro de si para dar importância ao barulho que antecedera a sua entrada numa saleta escura, recendendo a mofo. Percorreu com os olhos os móveis, as paredes. Contrariado, deixou escapar uma praga. Quis voltar ao corredor, a fim de recomeçar a busca, quando deu com um biombo. Afastou-o para o lado e encontrou uma porta semicerrada. Empurrou-a. Ia colocar a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de uma mesa empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno, apontava-lhe um revólver. Conservando a arma na direção do intruso, ordenou-lhe que não se afastasse.

        Também a Alexandre não interessava fugir, porque jamais perderia a oportunidade daquele encontro. A sensação de medo fora passageira e logo substituída por outra mais intensa, ao fitar os olhos do velho. Deles emergia uma penosa tonalidade azul.

        Naquela sala tudo respirava bolor, denotava extremo desmazelo, inclusive as esgarçadas roupas do seu solitário ocupante:

        — Estava à sua espera — disse, com uma voz macia. Alexandre não deu mostras de ter ouvido, fascinado com o olhar do seu interlocutor. Lembrava-lhe a viagem que fizera pelo mar, algumas palavras duras, num vão de escada.

        O outro teve que insistir:

        — Afinal, você veio.

        Subtraído bruscamente às recordações, ele fez um esforço violento para não demonstrar espanto:

        — Ah, esperava-me? — Não aguardou resposta e prosseguiu exaltado, como se de repente viesse à tona uma irritação antiga: — Impossível! Nunca você poderia calcular que eu chegaria hoje, se acabo de desembarcar e ninguém está informado da minha presença na cidade! Você é um farsante, mau farsante. Certamente aplicou sua velha técnica e pôs espias no meu encalço. De outro modo seria difícil descobrir, pois vivo viajando, mudando de lugar e nome.

        — Não sabia das suas viagens nem dos seus disfarces.

        — Então, como fez para adivinhar a data da minha chegada?

        — Nada adivinhei. Apenas esperava a sua vinda. Há dois anos, desta cadeira, na mesma posição em que me encontro, aguardava-o certo de que você viria.

        Por instantes, calaram-se. Preparavam-se para golpes mais fundos ou para desvendar o jogo em que se empenhavam.

        Alexandre pensou em tomar a iniciativa do ataque, convencido de que somente assim poderia desfazer a placidez do adversário. Este, entretanto, percebeu-lhe a intenção e antecipou-se:

        — Antes que me dirija outras perguntas — e sei que tem muitas a fazer-me — quero saber o que aconteceu com Ema.

        — Nada — respondeu, procurando dar à voz um tom despreocupado.

        — Nada?

        Alexandre percebeu a ironia e seus olhos encheram-se de ódio e humilhação. Tentou revidar com um palavrão. Todavia, a firmeza e a tranquilidade que iam no rosto do outro venceram-no.

        — Abandonou-me — deixou escapar, constrangido pela vergonha. E numa tentativa inútil de demonstrar um resto de altivez, acrescentou: — Disso você não sabia!

        Um leve clarão passou pelo olhar do homem idoso:

        — Calculava, porem desejava ter certeza.

        Começava a escurecer. Um silêncio pesado separava-os e ambos volveram para certas reminiscências que, mesmo contra a vontade deles, sempre os ligariam.

        O velho guardou a arma. Dos seus lábios desaparecera o sorriso irônico que conservara durante todo o diálogo. Acendeu um cigarro e pensou em formular uma pergunta que, depois, ele julgaria desnecessária. Alexandre impediu que a fizesse. Gesticulando, nervoso, aproximara-se da mesa:

        — Seu caduco, não tem medo que eu aproveite a ocasião para matá-lo? Quero ver sua coragem, agora, sem o revólver.

        — Não, além de desarmado, você não veio aqui para matar-me.

        — O que está esperando, então?! — gritou Alexandre. — Mate-me logo!

        — Não posso.

        — Não pode ou não quer?

        — Estou impedido de fazê-lo. Para evitar essa tentação, após tão longa espera, descarreguei toda a carga da arma no teto da sala.

        Alexandre olhou para cima e viu o forro crivado de balas. Ficou confuso. Aos poucos, refazendo-se da surpresa, abandonou-se ao desespero. Correu para uma das janelas e tentou atirar-se através dela. Não a atravessou. Bateu com a cabeça numa fina malha metálica e caiu desmaiado no chão.

        Ao levantar-se, viu que o velho acabara de fechar a porta e, por baixo dela, iria jogar a chave.

        Lançou-se na direção dele, disposto a impedi-lo. Era tarde. O outro já concluíra seu intento e divertia-se com o pânico que se apossara do adversário:

        — Eu esperava que você tentaria o suicídio e tomei a precaução de colocar telas de aço nas janelas.

        A fúria de Alexandre chegara ao auge:

        — Arrombarei a porta. Jamais me prenderão aqui!

        — Inútil. Se tivesse reparado nela, saberia que também é de aço. Troquei a antiga por esta.

        — Gritarei, berrarei!

        — Não lhe acudirão. Ninguém mais vem a este prédio. Despedi os empregados, despejei os inquilinos.

        E concluiu, a voz baixa, como se falasse apenas para si mesmo:

        — Aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos.

Murilo Rubião.

Entendendo o conto:

01 – Quem é o protagonista do conto "A Armadilha" de Murilo Rubião?

      O protagonista é Alexandre Saldanha Ribeiro.

02 – Por que Alexandre Saldanha Ribeiro escolheu subir as escadas em vez de usar o elevador?

      Alexandre Saldanha Ribeiro escolheu subir as escadas porque estava determinado a chegar a um destino específico e estava seguro de sua resolução.

03 – O que Alexandre encontra ao entrar no último escritório?

      Ao entrar no último escritório, Alexandre encontra um homem idoso com cabelos grisalhos sentado diante de uma mesa, apontando-lhe um revólver.

04 – Como o homem idoso reage quando Alexandre o acusa de ser um farsante?

      O homem idoso mantém a calma e afirma que estava à espera de Alexandre por dois anos, esperando sua chegada.

05 – Qual é o estado da sala em que os dois personagens se encontram?

      A sala em que os personagens se encontram está em péssimas condições, cheia de poeira, detritos e cheiro de mofo.

06 – Por que Alexandre não pode matar o homem idoso?

      Alexandre não pode matar o homem idoso porque este descarregou toda a carga de sua arma no teto da sala para evitar essa tentação.

07 – O que Alexandre tenta fazer quando percebe que está preso na sala?

      Alexandre tenta atirar-se através de uma janela, mas percebe que ela possui uma fina malha metálica que o impede de escapar.

08 – Qual é a reação do homem idoso ao perceber que Alexandre tentou o suicídio?

      O homem idoso se diverte com o pânico de Alexandre e revela que colocou telas de aço nas janelas para evitar o suicídio.

09 – O que o homem idoso faz para garantir que Alexandre não possa sair do prédio?

      O homem idoso fecha a porta e joga a chave por baixo dela, garantindo que Alexandre não possa sair.

10 – Por que o homem idoso afirma que ficarão naquele local por um tempo indeterminado?

      O homem idoso afirma que ficarão naquele local por um tempo indeterminado porque ele despediu os empregados, despejou os inquilinos do prédio e fez várias modificações para tornar o local inacessível. Eles estão agora presos juntos, sem possibilidade de escapar.

 

 

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