Fábula: Hábito Nacional
Luís Fernando Veríssimo
Por uma destas coincidências fatais, várias
personalidades brasileiras, entre civis e militares, estão no avião que começa
a cair. Não há possibilidade de se salvarem. O avião se espatifará - e,
levando-se em consideração o caráter dos seus passageiros,
"espatifar" é o termo apropriado - no chão. Nos poucos instantes que
lhes restam de vida, todos rezam, confessam seus pecados, em versões resumidas,
e entregam sua alma à providência divina. O avião se espatifa no chão. São
Pedro os recebe de cara amarrada. O porta-voz do grupo se adianta e, já
esperando o pior, começa a explicar quem são e de onde vêm. São Pedro
interrompe com um gesto irritado.
- Eu sei, eu sei. Aponta para uns formulários em
cima de sua mesa e diz:- Recebemos suas confissões e seus pedidos de clemência
e entrada no céu. O porta-voz engole em seco e pergunta:
- E... então? São Pedro não responde. Olha em
torno, examinando a cara dos suplicantes. Aponta para cada um e pede que se
identifiquem pelo crime.
- Torturador.
- Minha financeira estourou.
- Enganei milhares.
- Corrupto. Menti para o povo.
- Sabe a bomba, aquela? Fui o responsável.
- Roubei.
- Me locupletei.
- Matei. Etcétera. São Pedro sacode a cabeça. Diz:
- Seus requerimentos passaram pela Comissão de
Perdão rejeitados por unanimidade. Passaram pelo Painel de Admissões, mera
formalidade, e foram rejeitados por unanimidade. Mas como nós, mais que
ninguém, temos que ser justos, para dar o exemplo, examinamos os requerimentos
também na Câmara Alta, da qual eu faço parte. Uma maioria esmagadora votou
contra. Houve só um voto a favor. Infelizmente, era o voto mais importante.
- Você quer dizer...
- É. Ele. Neste caso, anulam-se todos os pareceres
em contrário e prevalece a vontade soberana d'Ele. Isto aqui ainda é o Reino
dos Céus.
- E nós podemos entrar? São Pedro suspira.
- Podem. Se dependesse de mim, iam direto para o
Inferno. Mas... Todos entram pelo Portão do Paraíso, dando risadas e se
congratulando. Um querubim que assistia à cena vem pedir explicações a São
Pedro.
- Mas como é que o Todo-Poderoso não castiga essa
gente? E São Pedro, desanimado:
- Sabe como é, Brasileiro...
Entendendo o texto
01.Quando se passa a fábula
"Hábito Nacional"?
a) Durante a Segunda Guerra Mundial.
b) No século XIX.
c) Em tempos
contemporâneos.
d) Sem futuro distante.
02. Quem são os passageiros do
avião que estão prestes a cair na fábula?
a) Estrangeiros.
b) Personalidades brasileiras.
c) Crianças.
d) Políticos.
03. Qual é o termo usado para
descrever o destino do avião ao cair?
a) Afundar.
b) Explodir.
c) Espatífar.
d) Desmoronar.
04. Quem recebe os passageiros
após o acidente?
a) Ó Diabo.
b) São Pedro.
c) Deus.
e) Anjos.
05. O que os passageiros fazem
nos instantes finais antes da queda do avião?
a) Cantam.
b) Dançam.
c) Rezam e confessam os pecados.
d) Dormem.
06. Como São Pedro reage ao
receber os pedidos dos passageiros?
a) Aceitamos todos os pedidos.
b) Ignorar os pedidos.
c) Rejeita os pedidos por unanimidade.
d) Pede mais informações.
07. Por que a entrada no céu é
negada pela Comissão de Perdão e pelo Painel de Admissões?
a) Falta de espaço no céu.
b) Por unanimidade, os pedidos são
rejeitados.
c) Porque os passageiros não confessaram
os seus pecados.
d) Porque São Pedro não concorda.
08. Quem vota a favor dos pedidos
na Câmara Alta?
a) Todos os membros.
b) Uma maioria esmagadora.
c) Ninguém.
e) São Pedro.
09. O que acontece quando o voto
mais importante é a favor dos passageiros?
a) Os passageiros partem diretamente para
o Inferno.
b) Os pareceres contrários são anulados, e prevalecem a
vontade divina.
c) São Pedro revoga a decisão.
d) Os passageiros são enviados de volta à
Terra.
10. Qual é a explicação dada por
São Pedro quando questionado sobre a decisão divina?
a) "Não sei, sou apenas um guardião
do portão."
b) “São escolhas divinas,
inquestionáveis.”
c) "Sabe como
é, brasileiro..."
d) “A justiça divina é imprevisível.”
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