Notícia: Criadora da Feira Preta, Adriana Barbosa está entre os 51 negros mais influentes do mundo
A paulista conta a
trajetória para valorizar sua cultura e realizar anualmente o maior evento de
empreendedorismo negro da América Latina
Por Depoimento à Fernanda
Frozza
27/02/2019 05h51.
Atualizado há 4 anos
Adriana usa macacão Beira.
Colar de concha, Lool x Pinga; colar de cordas, MEudoxia — Foto: Glamour
Como pode ter demorado tanto para mais
da metade da população ganhar voz? Quando era adolescente, andava pelo mercado
e só encontrava xampu “para cabelos rebeldes”, não se falava em
representatividade e eram os homens brancos que contavam dinheiro no fim da
noite em uma casa noturna de black music. Foi um longo processo, mas hoje
finalmente vivemos em um País diferente, e me orgulho de ter contribuído para
essa mudança de desenvolvimento e consumo. Meu nome é Adriana Barbosa,
tenho 41 anos, e sou idealizadora da FEIRA PRETA, plataforma
responsável por criar projetos para valorizar nossa cultura e realizar
anualmente o maior evento de empreendedorismo negro da América Latina.
Não imaginava que chegaria aqui. Até
porque meus pais sempre trabalharam em produção de rádio e TV, então sem querer
a vida me levou para o mesmo caminho. Aos 18, arrumei meu primeiro emprego como
recepcionista em uma rádio, depois fui parar na área de promoção em uma
produtora de TV e cheguei a fazer divulgação de artistas em uma gravadora.
Segui na área de comunicação até 2002, quando fui demitida e tive que me
reinventar. Nessa época, já frequentava as baladas da Vila Madalena, zona oeste
de São Paulo, com uma amiga. E como as duas estavam desempregadas, tivemos a
ideia de transformar nosso espaço de diversão em dinheiro. Ela começou a vender
pastel nas feiras e decidi fazer um brechó em mercados alternativos com minhas
roupas e acessórios. Sabe a ideia de ganhar hoje para comer amanhã? Era isso.
Um dia, rolou um arrastão e perdemos
parte da nossa mercadoria. Voltamos para casa lamentando e decidimos que não
dava para viver mais naquele esquema. Até que veio a ideia: por que a gente não
cria uma feira com a nossa identidade e cultura?
Dona da própria história
Já existia uma cena negra muito forte
na Vila Madalena, principalmente entre produtores e técnicos de som das festas.
O
problema é que as baladas eram feitas por negros, frequentadas por negros, mas
estavam nas mãos de homens brancos. Não fazia sentido, né? Tiramos o plano do
papel. Como já tínhamos os contatos, fomos atrás de expositores nas feiras de
São Paulo, desde a República até o Embu das Artes. A ideia era que
empreendedores e artistas negros divulgassem seus trabalhos e pudessem viver a
partir dele. Dito e feito: pela primeira vez, éramos proprietárias da nossa história!
No mesmo ano, demos vida à Feira Preta, na praça Benedito Calixto, em
Pinheiros, SP. Conseguimos reunir 40 expositores e um público de 5 mil pessoas.
Foi um sucesso! Os números mostravam a demanda reprimida, o que não queria
dizer que o caminho seria fácil. Pelo contrário.
No começo, foi muito suado conversar
sobre patrocínio e consumo negro no meio corporativo. Eu tinha 22 anos e fazia
parte da população que não era vista com perspectiva econômica. Acredite, uma
das coisas que eu mais ouvi é que não queriam associar a marca a um evento que
chamava Feira Preta, alegando “conflito racial”, mas o intuito do nome era
mostrar que parte da população precisava ser percebida.
Coincidência ou não, nessa época, a
Unilever estava lançando o primeiro sabonete para pele negra e, assim,
conseguimos patrocínio. Por causa desse pontapé, nos anos seguintes tivemos
grandes novas conquistas: atraímos outras marcas, a cantora Paula Lima virou
nossa madrinha e começaram a rolar atividades culturais e de empreendedorismo.
Ali, vi que tinha encontrado uma nova profissão. Definitivamente, a área de
Comunicação era passado na minha vida.
Profissão: empreendedora
Foi um processo até descobrir meu papel
nesse ecossistema de empreendedorismo social, que tem que dar lucro, mas também
tem que impactar a sociedade. Decidi me profissionalizar e fazer faculdade. Em
2008, aos 30 anos, me formei em Gestão de Eventos, pela Anhembi Morumbi, e
depois fiz pós-graduação em Gestão Cultural na USP. A Feira Preta deixou de ser
só um evento para virar uma plataforma.
Durante todo o ano, passamos a tocar
muitos projetos para valorizar nossa cultura. Dentre eles, o Afrohub, workshop
de redes sociais para negócios, e o Afrolab, programa de formação de
microempreendedores de várias partes do País [como a Monique Santos, da Ayo
Moda Casa e Design, dos tecidos que você vê nas fotos], em que a gente discute
e acompanha processos de criação, produção e chegada dos produtos ao
consumidor, seja por marketplace ou pela feira. Tem gente que diz: “Ah, mas meu
negócio é pequeno, só vendo tapioca”. E o que a gente responde é: “Não, você
vende ‘a’ tapioca. Você é empreendedora”. E transforma o negócio.
Sou um exemplo disso, de quem foi do
micro para o macro. A feira começou bem pequenininha e ganhou mais espaço do
que imaginava, tanto que participei de um evento em que ninguém menos que Barack
Obama também estava. Dá para acreditar? Foi em 2017, quando fui premiada
em Nova York e entrei para a lista dos 51 negros com menos de 40 anos mais
influentes do mundo, pelo Most Influential People of African Descent, o MIPAD.
Além de mim, só outros dois brasileiros entraram para a lista: Lázaro
Ramos e Taís Araújo – ela, inclusive, colaborou com uma “vaquinha” ao lado
de outras 90 pessoas para me ajudar a viajar e receber o prêmio. Sou muito
grata!
Ninguém segura
Olho para trás e vejo 17 anos de
história em que a gente descentraliza o conteúdo de cultura negra pelo menos
uma vez por ano em São Paulo e esporadicamente em outras cidades do Brasil.
Nossa equipe fixa é formada por 25 pessoas, mas no dia do festival chega a 150,
sempre com essa lógica de priorizar microempreendedores negros, desde a
assessoria de imprensa ao técnico de som.
Na
última edição, em novembro de 2018, batemos recorde de público, com 52 mil
pessoas e mais de 120 empreendedores de diversos Estados. Ocupamos a capital e
mostramos o nosso espaço. E apesar de ser idealizadora do projeto, faço parte
de um time. Muita gente me ajudou a construir a visibilidade negra nessa
trajetória, como o conteúdo da programação cultural, a Companhia de Teatro Os
Crespos, a Companhia de Artes Capulanas, artistas como Mano
Brown, Criolo e Karol Conká, além de todo mundo que faz a Feira
Preta acontecer. Não fiz isso sozinha, rolou um movimento para que a gente
chegasse onde está hoje. Isso me impulsionou.
A partir do momento em que a população
se autodeclarou negra, desenvolveu autoestima e começou a reivindicar direitos,
produtos e experiências de consumo, rolou uma transformação. É por isso que
vivemos em um País completamente diferente. Trocamos o xampu “para cabelos
rebeldes” por ativador de cachos, desenvolvemos produtos que atendem o
consumidor negro e fizemos muita gente enxergar o que já sabíamos: mais da
metade da categoria dos microempreendedores no Brasil é negra. Mais
precisamente 51%, de acordo com o Sebrae.
Posso fazer uma lista de conquistas ao
longo desses anos, mas também consigo enumerar uma série de projetos que ainda
quero tirar do papel. Já percebeu que eu sonho alto, né? Tenho vontade de levar
a feira para outros cantos do mundo, como Colômbia, Estados Unidos e países
africanos de língua portuguesa. Sei que somos uma marca forte, mas temos
potencial para chegar ainda mais longe e há uma longa luta pela frente.
Ainda lido com situações de
discriminação no meu dia a dia de trabalho e o racismo é presente. Até por
isso, o mais difícil durante esse tempo foi diferenciar a Adriana Barbosa da
Feira Preta. Quando recebia a negativa de uma marca que não queria se associar
a uma mulher negra, imediatamente pensava: “então você não quer se associar a
mim”. Trabalhei na terapia para que meus dilemas enquanto mulher negra não se
envolvessem nas minhas negociações profissionais. Foi preciso muita autoestima
para fazer o que eu faço hoje. Mas se tem uma coisa que não me falta nesta
vida, além de autoestima, é coragem. E ela segue comigo nessa caminhada que,
sem dúvida, não para por aqui.
FROZZA, Fernanda.
Criadora da Feira Preta, Adriana Barbosa está entre os 51 negros mais
influentes do mundo. Glamour. Rio de Janeiro, 27 fev. 2019. Disponível em: https://revistaglamour.globo.com/Na-Real/noticia/2019/02/criadora-da-feira-preta-adriana-barbosa-esta-entre-os-51-negros-mais-influentes-do-mundo.html.
Acesso em: 18 jun. 2020.
Entendendo a notícia:
01 – O texto pode ser dividido
em quatro partes: a introdução e as outras três partes do texto, organizadas
nos tópicos Dona da própria história, Profissão: empreendedora e Ninguém
segura.
a) No caderno, faça uma síntese de cada uma dessas quatro partes, para ter uma visão geral sobre o modo como o conteúdo do texto foi organizado.
Resposta pessoal do aluno.
b) Em sua opinião, a organização do conteúdo em tópicos colabora para a progressão das ideias no texto? Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
02 – O texto, publicado
originalmente em uma revista digital, é de responsabilidade da jornalista
Fernanda Frozza. Contudo, o enunciador que se projeta no texto é da jornalista
ou de Adriana Barbosa? Justifique sua resposta.
O enunciador do
texto é a empreendedora Adriana Barbosa que relata a sua trajetória em primeira
pessoa.
03 – Releia o trecho inicial
da matéria.
“Como pode ter demorado tanto para
mais da metade da população ganhar voz? Quando era adolescente, andava pelo
mercado e só encontrava xampu “para cabelos rebeldes”, não se falava em
representatividade e eram os homens brancos que contavam dinheiro no fim da
noite em uma casa noturna de black music.”
a) Considerando o enunciador que se projeta no texto e a experiência relatada, a quem se refere a expressão mais da metade da população?
Resposta pessoal do aluno.
b) O que o enunciador lamenta nesse trecho?
Adriana lamenta que os negros tenham demorado tanto para terem voz,
para serem percebidos e considerados como parte da sociedade brasileira e terem
seu lugar reconhecido na cultura e no mercado.
04 – No início do texto,
Adriana Barbosa, afirma se orgulhar de “ter contribuído para essa mudança de
desenvolvimento e consumo “. A que mudança de desenvolvimento e consumo exatamente
ela se refere? De que maneira você chegou a essa conclusão?
Adriana se refere
ao fato de a população negra, ao ter se autodeclarado negra, passou a ser vista
como consumidora de produtos. Consequentemente, o mercado começou a investir em
produtos destinados aos negros, como itens de higiene pessoal. Além disso, a
própria população negra se tornou produtora de produtos e de conteúdos,
tornando-se empreendedores.
05 – Releia o trecho: “Já
existia uma cena negra muito forte na Vila Madalena, principalmente entre
produtores e técnicos de som das festas.”
a) No texto, que contradição a empreendedora sinaliza em relação a essa cena negra?
A empreendedora enfatiza a contradição de se ter muitos negros
frequentando e trabalhando nos estabelecimentos noturnos enquanto os lucros iam
para os brancos, donos desses estabelecimentos.
b) Em que medida os planos iniciais de Adriana e de sua amiga podem ser considerados uma tentativa de “dissolver” essa contradição?
Em razão do tipo de empreendimento feito e dos objetivos do evento –
valorizar a cultura negra –, é possível inferir que elas propuseram condições
de trabalho que eram mais vantajosas para os profissionais negros.
06 – De acordo com o texto
sobre Adriana Barbosa, quais são os maiores desafios que ela enfrentou durante
a trajetória profissional? A que ela atribui essas dificuldades?
Resposta pessoal
do aluno.
07 – Pelo que você conheceu da
trajetória de Adriana Barbosa como empreendedora, que características
destacaria como fundamentais para ser um empreendedor?
Resposta pessoal do aluno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário