Conto-carta: À espera do amor
Ignácio de Loyola Brandão
Na porta do cinema
Cara Amália,
O que você me pediu para contar foi
simples. Aconteceu com Emílio, aquele que detestava o nome, mas o cartório se
recusou a mudar. Tudo se passou assim:
Aproximava-se da porteira do cinema.
— Ela chegou?
— Quem?
— Minha namorada.
— Como vou saber quem é?
— Verdade, você não a conhece. Devem
entrar aqui centenas de pessoas.
— Por dia? Milhares,
principalmente num filme como esse! Não sei o que viram nele.
— História de amor. Todo mundo gosta.
— Amor! Como se alguém acreditasse no
amor.
— Eu acredito. Por isso estou aqui, à
espera de minha namorada.
—
Há meses você vem todos os dias. Meses!
Ficou por ali, com o rabo do olho na
entrada do cinema.
Terminou a primeira sessão, nada. A
segunda, tudo igual. Antes da terceira – porque eram sessões corridas, normais,
sempre que havia um filme de sucesso – houve uma troca de porteiros. Chegou o
sujeito carrancudo que sempre desconfiava dele e, um dia, tinha chegado a
chamar o segurança para expulsá-lo. O porteiro acenou:
— Continua à espera?
— Sempre!
— Não entendo, juro que não entendo.
— Porque nunca amou.
— Quem disse?
— Veja a sua cara! Amarrada,
amargurada, tem o olhar triste e fundo. Cadê a alegria de quem ama?
— Gosto muito.
— Gostar não é amar.
— Achei que era a mesma coisa.
— Amar é tudo.
— E gostar?
— Gostar é gostar. Amar é amar. Gostar
quer dizer trinta por cento do sentimento. Amar é cem por cento.
— Você é estranho. Diz coisas
complicadas.
— Amar é simples.
— Fico te olhando, você vem todos os
dias, à espera dessa namorada que nunca aparece.
— Vai aparecer.
— Por que não liga para ela?
— Não tenho o número!
— Namora e não tem o número?
— Não namoro ainda. Vou namorar.
— O que?
— Vou namorar. O dia em que ela chegar
e entrar por essa porta, vou saber que é ela.
— Como? Como é que se sabe?
— Sabendo. É olhar e sentir. O coração
acelera, a gente começa a suar, o estômago sobe para a garganta, a respiração
fica ofegante, as pernas ficam bambas, as unhas tremem.
— As unhas tremem?
— É a melhor coisa. Tão bom viver
assim. Você sente desaparecer.
— Desaparecer?
— Some. E quando percebe, você é outro.
Está naquele que ama. Inteiro dentro, uma coisa só. Daquele momento em
diante, dois viram um. Tornam-se uma só pessoa em tudo.
— Sei, sei …
Nesse momento, ele se afastou para
deixar entrar uma jovem morena, de olhos miúdos e um riso que se esparramava
pelo rosto e começou a suar.
Os dois se olharam e ele percebeu que
após meses e meses tinha acontecido. O coração acelerou.
A espera tinha terminado. As unhas
tremeram.
Ela continuou olhando e também sentiu.
O estômago subiu à garganta. E o porteiro ficou assombrado, quando em lugar de
duas pessoas, viu entrar apenas uma no cinema.
Onde estava a outra? A pessoa que
entrou piscou maliciosamente para ele.
“Entendeu?”, perguntou.
O porteiro fez que sim… Era o amor.
Beijos do Luiz Ernesto
© Ignácio de
Loyola Brandão – Cartas, Iluminuras – 2005.
Entendendo o conto-carta:
01 – Quem é o narrador do
conto-carta?
O narrador é
Emílio, o protagonista da história.
02 – Por que Emílio estava
esperando na porta do cinema?
Ele estava à
espera de sua namorada, acreditando que ela finalmente apareceria.
03 – Como Emílio descreve o
sentimento de amar em comparação com gostar?
Ele descreve que
gostar é apenas trinta por cento do sentimento, enquanto amar é cem por cento,
uma entrega total.
04 – Qual foi a reação do
porteiro diante da situação de Emílio?
O porteiro
inicialmente estava incrédulo e confuso, mas no final, compreendeu a situação
quando viu apenas uma pessoa entrar no cinema.
05 – O que Emílio esperava
sentir quando sua namorada finalmente chegasse?
Ele esperava
sentir uma série de reações físicas e emocionais intensas, como coração
acelerado, sudorese, estômago na garganta e tremores nas unhas.
06 – Como a narrativa revela o
desfecho sobre o amor?
O desfecho sugere
que o amor verdadeiro é uma experiência transformadora, unindo duas pessoas em
uma conexão tão profunda que elas se tornam uma só.
07 – Quais são as
características físicas da jovem que Emílio finalmente reconhece como sua
namorada?
Ela é descrita
como uma jovem morena, de olhos miúdos e com um sorriso que se espalha pelo
rosto.
08 – O que o porteiro
compreende no final do conto?
Ele finalmente compreende que a pessoa
que entrou no cinema sozinha representava a união de duas pessoas profundamente
conectadas pelo amor.
09 – Qual é o sentimento
predominante ao final do conto?
O sentimento
predominante é a realização e a revelação do poder transformador do amor.
10 – Como o conto explora a
ideia de reconhecimento do amor verdadeiro?
Ele explora a ideia de que o amor
verdadeiro é reconhecido não apenas por aparências físicas, mas por uma conexão
tão profunda que transcende a presença física, unindo duas pessoas em uma só.
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