Artigo de opinião: Mundo sem poesia é imundo
Ulisses Tavares
A realidade da vida, em si mesma, não
se sustenta.
O ser humano é mais que um organismo
que precisa de comida, roupa, sono e ar.
As pessoas são famintas de carinho,
ficam frias sem o cobertor da esperança, não dormem direito apenas com os
braços de travesseiros, e querem, sempre, voar nos pensamentos. Respirar não
basta, não preenche. Queremos inspiração para criar, amar, repartir. Aspiramos
ser um outro ser, o que não somos podemos imaginar.
Nem o macaco no zoológico aguenta as
limitações, por mais bem tratado que seja. Claro que ele trocaria de bom grado
a sua jaula pela liberdade da floresta.
Deixamos para amanhã a luz que
poderíamos ter ainda hoje. Nos assusta a poesia que iluminaria o túnel escuro
em que nos arrastamos.
Nós, os macacos evoluídos, temos a dor
e o prazer de querer romper limites. E procuramos desesperadamente achar a
chave da gaiola da civilização.
A chave está dentro da gente. Sabemos
disso. Mas dá trabalho procurar com afinco. Dói nos conhecermos.
Daí desistimos com facilidade.
E preferimos ficar macaqueando a farsa
que a realidade externa nos mostra como felicidade.
Triste
espelho distorcido esse do dia-a-dia em que nos miramos para ajeitar o sorriso
no rosto enquanto a alma chora.
E vamos dançar, vamos para a balada. A
música é alta para atordoar, a bebida forte para alterar rápido, e os corpos se
juntam hoje para se desjuntarem amanhã cedinho como copinhos descartáveis de
café.
Queremos amor, claro. Só queremos e não
temos porque, como todos, não desenvolvemos a delicadeza da entrega, da
generosidade, do gosto pelas diferenças, pelas descobertas lentas, cautelosas e
profundas.
Os poemas escancarados de amor, de
paixão, de entrega, de renúncia ao seu próprio umbigo, vão rareando,
encolhendo, sumindo.
Poema de amor não enche barriga,
dizemos. Nem ajuda a conquistar beltrana, a impressionar fulano.
E seguimos assombrados e sozinhos e
surpresos porque contas bancárias, academias de ginástica e carro novo, também
não conseguem nos tirar de nossa solidão.
Nos contentamos com prazer sexual sem
nunca chegar ao orgasmo espiritual, cósmico, que um simples e poderoso verso
proporciona.
E assistimos o noticiário para que este
nos confirme que a poesia é inútil.
Claro que nenhum bandido gosta de
poesia. O poema é o território do humano, do sensível, do compartilhar. Nada a
ver com o território sangrento de sua violência.
Poderosos também não são chegados.
Poesias insistem, frequentemente, em lembrar que existe todo um povo em redor
deles, com seus apelos e urgências. Então, a política fica sendo a chatice, o
tédio, o exercício vazio da crueldade. Falta o sonho.
Política sem sonho é apenas um
discurso.
Demoramos milênios para adquirir o dom
da fala. Séculos para dominarmos a escrita.
Aprendemos a registrar em letras aquilo
que estava engasgado na garganta imaterial de nosso íntimo.
Frase após frase, passamos pela vida a
procurar uma resposta.
E todas as respostas estão ali, na
nossa frente. São muitas porque muitas são nossas perguntas.
Mas uma dessas respostas foi feita para
nós por um de nossos semelhantes. A mesma coisa que nos inquieta também afligiu
algum poeta, em algum momento.
Teremos a coragem de ouvir?
Poesia não se destina a fracos.
Antenados percebem que da fraqueza vem sua força.
Onde quer que se vá, um poeta já se
atreveu a passar por lá. Pelos céus e pelos infernos de todos nós.
A tecnologia muda, os costumes mudam,
mas o ser humano é o que sempre foi e será, nem muito melhor, nem muito pior
que isso que está aí.
Dia a dia rima com poesia sim. Você
decide. Abra um livro de poesia já. Antes que seja tarde.
Ulisses Tavares é, claro, poeta,
mas não otário, mano.
Coloque o farol na popa e vá em frente!
Você é uma jangada. Frágil, qualquer
onda mais forte balança e quase o afoga. Você é o condutor e o passageiro ao
mesmo tempo, candidato ao naufrágio, lutando e rezando para voltar à praia.
Um país é um barco. Grande, mas nem
sempre bem construído. E muito menos bem conduzido. O povo é apenas marinheiro
cumprindo ordens.
A Terra é um navio. Imenso, farto, mas
com os passageiros de primeira classe capazes de festejar e dançar enquanto ele
afunda como um Titanic.
Jangada, barco e navio navegam pelas
mesmas águas turbulentas da História, numa viagem que começou bem antes e não
se sabe onde irá parar.
O futuro é uma incógnita, mas o passado
é a bússola que pode nos indicar se estamos fora da melhor rota. Se pegamos o
caminho errado.
E isso faz toda diferença.
Sua jangada, precária de corpo e alma,
a qualquer momento será engolfada pela tormenta dos azares, do imprevisível. A
felicidade é apenas um momento de calmaria entre horas de ventos cortantes.
As milhas já navegadas, porém, ensinam
a prevenir desastres anunciados.
Olhe os que foram engolidos pelo
Triângulo das Bermudas da existência humana: drogas, egoísmo, alienação.
Sem cuidar do corpo, você será uma
casca de noz boiando no mar. Sendo egoísta, virará um homem solitário mesmo se
rodeado de gente. Comprará tudo, menos o incomparável: amor, admiração,
amizade. E, se alienando, será plateia perpétua, nunca ator no palco da vida.
Vota, mas não apita nada.
Nosso barco País de vez em quando
acerta o rumo do porto seguro. Mas, no mais das vezes, parece uma canoa furada
onde impera o salve-se quem puder.
Novamente colocar o farol na popa, a
parte de trás, em vez da popa, a parte da frente, nos ajuda a iluminar o hoje e
clarear o possível amanhã.
O barco já começou a navegar errado,
com uma elite ociosa e corrupta e sem nenhum apreço pela educação. São séculos
de tirar riquezas e colocar pobrezas. Primeiro pelos portugueses, depois por
nossa própria conta e escolha.
Nosso navio Terra, por sua vez, recebe
insultos e devolve flores há milênios.
Mas está com seu casco avariado, sem
combustível e superlotado. Sua única saída é sacudir-se e livrar-se da
tripulação toda para continuar como no início dos tempos.
A esperança é que jangada, barco e
navio encontrem uma corrente marítima segura para continuarem navegando.
Não temos como resolver com facilidade
tão grave problema. Não dá para enfrentar a fúria de Netuno, o senhor dos
mares, esquecendo de Juno, o deus do tempo.
Juno,
aquele de duas faces da mitologia, uma olhando para a frente, outra voltada
para o que passou.
A História, portanto o passado, é nosso
manual prático de cabotagem.
O ser humano tem sido guerreiro,
escravagista, fanático religioso e prepotente em todos os quadrantes e
latitudes.
E sempre afundou sua jangada nas
procelas da ambição.
Os governantes tem sido ora populistas,
ora mentirosos, ora oportunistas.
E sempre afundaram o barco do povo em
nome de seus mesquinhos interesses pessoais.
A Terra foi loteada em fronteiras bem
delimitadas e guardadas. E essas fronteiras tem sido a justificativa para
extrair o máximo de cada metro quadrado sem pensar no vizinho.
E, como a Terra é redonda, o navio de
todos nós é o mesmo e afunda por inteiro.
Portanto, o axioma está formado, a
Esfinge pronta a nos devorar se não dermos a resposta correta.
Sem conhecer o que já passamos, como
iremos decidir onde será melhor passar?
A História não é algo estático, parado
no tempo.
É um tsunami indo e vindo, se
repetindo, como uma lição que ainda não aprendemos.
Comecemos pela jangada, passemos para o
barco e chegaremos ao navio.
Sem ler História, de nossa vida, de nosso
País, de nosso Planeta, estaremos perdidos.
E iremos ao fundo, sem a mínima ideia
de porque fomos parar lá.
Ulisses Tavares é uma
jangada com medo de ir à pique. Por isso se mira na História e tenta mudar o
rumo do barco e do navio. Mas se sente um pouco sozinho nessa tarefa. Alguém aí
disposto a ajudar? Cartas para a redação.
Entendendo o artigo de
opinião:
01 – Qual é o título do artigo
de opinião?
O título do
artigo é "Mundo sem poesia é imundo."
02 – Quem é o autor do artigo?
O autor do artigo
é Ulisses Tavares.
03 – Segundo o autor, o que as
pessoas desejam além das necessidades básicas, como comida e sono?
As pessoas
desejam carinho, esperança, inspiração e a capacidade de criar, amar e
compartilhar.
04 – O autor menciona a busca
pela chave da gaiola da civilização. O que ele quer dizer com isso?
O autor está se referindo à busca por uma
maneira de escapar das limitações e restrições da vida moderna e da sociedade.
05 – Por que o autor acredita
que a poesia é importante?
O autor acredita
que a poesia é importante porque ela é uma fonte de inspiração, expressão de
sentimentos profundos e uma maneira de compartilhar o humano e o sensível.
06 – Como o autor descreve a
política em relação à poesia?
O autor descreve
a política como "chatice" e "exercício vazio da crueldade"
quando falta o sonho, destacando a importância do idealismo na política.
07 – O que o autor afirma
sobre a tecnologia e os costumes em relação à natureza humana?
O autor afirma
que a tecnologia e os costumes podem mudar, mas a natureza humana permanece
relativamente constante ao longo do tempo.
08 – Qual é a importância que
o autor atribui ao conhecimento histórico?
O autor enfatiza
a importância de conhecer a história como um manual prático de navegação para
evitar erros do passado.
09 – Quais são as três
metáforas náuticas que o autor usa para descrever a humanidade e a sociedade?
O autor utiliza
as metáforas de jangada, barco e navio para representar diferentes níveis de
organização social e desafios enfrentados pela humanidade.
10 – Qual é o apelo final do
autor aos leitores?
O autor faz um
apelo para que os leitores se envolvam na busca por conhecimento histórico e
participem ativamente na mudança do curso da sociedade e da humanidade.
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