Crônica: Épico
Luís Fernando Veríssimo
O futebol de calçada era com narração,
e o próprio jogador fornecia a narração. Jogava e descrevia sua jogada ao mesmo
tempo, e nunca deixava de se auto entusiasmar. “Sensacional, senhores
ouvintes!” (Naquele tempo os locutores tratavam o público de “senhores
ouvintes”.)
“Sensacional! Mata no peito, põe no
chão, faz que vai mas não vai, passa por um, por dois… Fau! Foi fau do beque! O
juiz não deu! O juiz está comprado, senhores ouvintes!”
Fau era “foul” e beque era “back”, na
língua daquela terra estranha, o passado. E o juiz, claro, era imaginário. Tudo
era imaginário no futebol de calçada, a começar pela nossa genialidade. A bola
era de borracha, quando não era qualquer coisa remotamente redonda. A bola
número cinco oficial de couro ganha no Natal não aparecia na calçada, tá doido?
Estragar uma bola de futebol novinha jogando futebol?
Mas éramos gênios na nossa própria
narração.
“Lá vai ele de novo. Cabeça erguida!
Passa a bola e corre para receber de volta… Que lance! O passe não vem! Não lhe
devolvem a bola! Assim não dá, senhores ouvintes… Só ele joga nesse time!”
A narração dava um toque épico ao
futebol. Lembro que na primeira vez em que fui a um campo, acostumado a só
ouvir futebol pelo rádio, senti falta de alguma coisa que não sabia o que era.
Tudo era maravilhoso, o público, o cheiro de grama, os ídolos que eu conhecia
de fotografias desbotadas no jornal ali, em cores vivas… Mas faltava alguma
coisa. Faltava uma voz me dizendo que o que eu estava vendo era mais do que
estava vendo. Faltava a narrativa heroica. Faltava o Homero.
Na calçada éramos os nossos próprios
heróis e os nossos próprios Homeros.
“Atenção. Ele olha para o gol. Vai
chutar. Lá vai a bomba. O goleiro treme. Ele chuta! A bola toma efeito. Entra
pela janela. E lá vem a mãe, senhores ouvintes! A mãe invade o campo. Ele tenta
se esquivar. Dá um drible espetacular na mãe. Dois. A mãe pega ele pela orelha.
Pela orelha! E o juiz não vê isso!”
Mesmo se nem tudo merecesse o toque
épico.
Luiz Fernando
Veríssimo.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é o tema central da
crônica "Épico" de Luiz Fernando Veríssimo?
O tema central da
crônica é a nostalgia e a imaginação associadas ao futebol de rua, com ênfase
na narração épica que os jogadores faziam de suas próprias jogadas.
02 – Qual é o estilo de
narração usado pelos jogadores de futebol de calçada mencionado na crônica?
Os jogadores de
futebol de calçada usavam um estilo de narração épico, descrevendo suas jogadas
com entusiasmo, mesmo que fossem imaginárias.
03 – O que significam as
palavras "fau" e "beque" no contexto da crônica?
"Fau" é uma versão abreviada de
"foul", que significa falta no futebol. "Beque" é uma
abreviação de "back", referindo-se a um jogador de defesa.
04 – Por que o autor menciona
que o juiz no futebol de calçada era imaginário?
O autor menciona
que o juiz era imaginário porque o futebol de calçada era informal e não tinha
árbitros reais. As decisões eram baseadas na imaginação e na narração dos
jogadores.
05 – Como a narração contribui
para tornar o futebol de calçada mais emocionante?
A narração
contribui para tornar o futebol de calçada mais emocionante, dando um toque
épico às jogadas e criando uma sensação de heroísmo, mesmo em situações
simples.
06 – O que o autor sentiu
falta quando foi a um campo de futebol pela primeira vez?
O autor sentiu
falta da narração épica que estava acostumado a ouvir no futebol de calçada
quando foi a um campo de futebol pela primeira vez. Ele sentiu que faltava algo
que tornasse a experiência mais emocionante.
07 – Qual é o papel da
narração na experiência do futebol de calçada, de acordo com a crônica?
A narração
desempenha um papel importante na experiência do futebol de calçada, pois torna
as jogadas mais emocionantes, cria uma sensação de heroísmo e eleva a
experiência esportiva dos jogadores, tornando-os seus próprios heróis e
Homeros.
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