Crônica: UM DIA DE MÃE
Adriana Falcão
Chegou exausta, cheia de sacolas, dor
de cabeça, morta de calor, faminta, caótica, e com um firme propósito: tomar um
banho e cair na cama. Encontrou uma acalorada discussão a respeito da
impossibilidade de se dividir um computador em três (sem despedaçá-lo) e as
três crianças aos berros. Todas as luzes da casa estavam acesas. A pressão
subiu um pouco.
-- Vocês querem fazer o favor de apagar
as luzes enquanto eu tomo o meu banho?
Inútil. Todos os membros da família
foram acometidos da síndrome de pensar em outra coisa, mal muito comum entre
maridos e filhos durante reclamações, queixas, opiniões, etc.
Saiu pela casa desligando tudo que
estava aceso para o nada: lâmpadas, som, TV, internet...
-- Por isso que eu liguei pra cá e só
deu ocupado o dia inteiro!
-- O quê?
Nada. Já tinha desistido de competir
com o walkman há muito tempo.
No quarto da filha mais velha, dezenove
blusas, cinco saias e quatro vestidos estavam espalhados em cima da cama para
devida apreciação da mesma.
-- Vai sair?
-- Desisti. Não tenho roupa.
A pressão subiu vertiginosamente.
Bobagem. Nada que um banho não resolvesse.
-- Esse jantar não sai hoje não?
Esquece o banho.
-- Sopa de novo?
Calma.
-- Ergh!
Respira.
-- Por que eu não tenho copo?
Palpitação moderada. Coisa controlável.
Foi buscar o copo.
-- Aproveita que tá na cozinha e frita
um ovo pra mim?
Claro. Fritar ovo inclusive é uma ótima
terapia ocupacional pra quem já passou por dois engarrafamentos, banco,
pediatra, ginástica, supermercado, uma papelaria entupida de mães comprando
material escolar e cinco reuniões de trabalho. Normal.
-- Você não sabe que eu só gosto de
gema mole?
Teve uma leve síncope nervosa, mas
conseguiu se controlar. Afinal, a culpa era dela. Como podia ter cometido um
erro tão grave? É óbvio que a mais velha e a do meio gostavam de gema mole,
(muito sal para a primeira, pouco para a segunda), a menor preferia ovo mexido,
(sal no ponto), o marido não suportava gema... Ou não suportava clara? Quem
gostava de omelete? Qual das crianças teve sarampo? Quem foi que quebrou a
perna?
Bateram na porta. Era o porteiro pra
avisar que ia faltar água. Ameaça de enfarte. Passou, graças a Deus. Voltou
quando alguém espatifou a jarra de suco no chão. (Dessa vez foi de miocárdio.)
A menorzinha disse que foi a mais velha. A mais velha disse que foi a do meio.
A do meio disse: tudo eu! E se trancou no quarto de onde só saía em último
caso, um incêndio ou um telefonema, por exemplo. O telefone tocou.
-- Alguém pode atender enquanto eu
limpo o chão ou limpar o chão enquanto eu atendo?
Todos os membros da família foram
acometidos de um acesso de paralisia generalizada, (espécie de praga que
costuma ser causada pela presença da mãe no recinto), acompanhado de mudez
instantânea. Acontece. Ela atendeu o telefone, era engano, limpou o chão,
voltou para a mesa, a sopa tinha esfriado. Melhor. Comer engorda.
-- O ar condicionado do meu quarto
quebrou.
-- Você lembrou de comprar o meu livro
de inglês?
-- Não tem geleia não, é?
-- O cachorro fez xixi na minha colcha.
-- Por que eu não tenho garfo?
O telefone tocou de novo. Nova
palpitação seguida de falta de ar súbita. Era para a menor.
-- A Júlia pode dormir aqui hoje?
Pode.
-- A mamãe deixou. Desce daqui a dez
minutos que a gente passa aí pra te pegar.
Ligeiro formigamento no braço esquerdo.
Angina? Isquemia? Talvez. Saiu de casa com o firme propósito de pegar a Júlia,
voltar correndo, ir direto tomar um banho e cair na cama.
-- Aproveita que vai sair e passa na
locadora pra devolver os filmes.
-- Aproveita que vai passar na locadora
e compra o meu remédio na farmácia.
Casa da Júlia. Locadora. Farmácia. Ia
ter que deixar o enfarte e o banho pra mais tarde.
Fonte: Revista Veja
Rio. Adriana Falcão.
Entendendo a crônica:
01 – O que a mãe encontra ao
chegar em casa no início da crônica?
A mãe encontra a
casa cheia de luzes acesas, crianças aos berros e uma discussão sobre a divisão
de um computador.
02 – O que a mãe pede às
crianças logo após chegar em casa?
A mãe pede às
crianças para apagarem as luzes enquanto ela toma um banho.
03 – O que acontece quando a
mãe tenta competir com o walkman em relação às reclamações da família?
A família parece
ignorar as reclamações da mãe, pois todos estão ocupados pensando em outras
coisas, o que a faz desistir de competir com o walkman.
04 – Por que a pressão da mãe
sobe vertiginosamente na crônica?
A pressão da mãe
sobe vertiginosamente quando ela percebe que sua filha mais velha tem um grande
número de roupas espalhadas pela cama e não sabe o que vestir, o que a frustra
ainda mais.
05 – O que acontece com a
ideia da mãe de tomar um banho e cair na cama após essa situação?
A ideia da mãe de
tomar um banho e cair na cama é abandonada devido à frustração e ao estresse
causados pela situação com as roupas da filha.
06 – Qual é o pedido que causa
uma leve síncope nervosa na mãe?
O pedido para
fritar um ovo causa uma leve síncope nervosa na mãe, pois a filha faz uma
observação específica sobre a consistência da gema.
07 – O que acontece quando o
telefone toca na crônica?
Quando o telefone
toca, todos os membros da família ficam paralisados e em silêncio, e a mãe é
forçada a atender o telefone. No entanto, a chamada era um engano, e ela continua
suas tarefas domésticas.
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