quarta-feira, 30 de março de 2022

LENDA: COMO O SOL CHEGOU AOS ANIMAIS (LENDA INDÍGENA NORTE-AMERICANA) - WILLIAN JOHN BENNET - COM GABARITO

 Lenda: Como o sol chegou aos animais(lenda indígena norte-americana)

            William John Bennet

Há muitos e muitos anos, o mundo era todo escuro. Os animais viviam se esbarrando uns nos outros e nunca sabiam onde estavam naquela escuridão. Resolveram se reunir em conselho para decidir como resolver o problema.

— Precisamos de luz — disse a Coruja. Ela presidia o conselho porque enxergava no escuro melhor que os outros bichos. — Muito bem! Apoiado!— gritaram todos.

— Mas como vamos arranjar luz?

— Não vai ser fácil — avisou a Coruja.

— Dizem que existe luz no outro lado do mundo, mas é muito, muito longe. A viagem é perigosa. Quem for lá pode nunca mais voltar.

— Então quem deve ir? — gritaram todos a uma só voz.

— Quem vai se arriscar na viagem? Houve um longo silêncio. No escuro, todos os bichos encolheram os ombros. Por fim, ouviu-se uma vozinha.

— Posso tentar — disse a Toupeira.

— Minha cauda é longa. Se eu achar a luz, posso pegar, esconder nos pelos da cauda e trazer para cá.

E lá se foi a Toupeira a caminho do leste. Andou dias e dias pela terra escura, sem saber bem onde estava, até que viu uma pequena claridade no céu.

Correu em direção à luz, que se tornava cada vez mais forte. A luz cresceu e ficou tão brilhante que o bichinho tinha que franzir os olhos para não ficar cego. Até hoje, quando a gente vê uma toupeira, repara nos olhos fechadinhos e pensa que ela está dormindo.

Andando até o outro lado do mundo, a Toupeira finalmente achou o sol. Pegou um pedacinho, rápido como quem furta, embrulhou na cauda peluda e tomou o caminho de casa.

 — Podemos tentar mais uma vez — disse uma vozinha sumida.

— Dessa vez eu vou. — Quem? — perguntaram os bichos. — Quem falou?

— Eu, a Velha Aranha. Sei que sou muito pequena muito lenta, mas talvez eu consiga. Antes de partir, a Velha Aranha pegou um punhado de argila e, com as oito mãos, fez um potinho.

— A Toupeira e o Corvo não tinham onde trazer o sol — disse ela.

— Vou levar este potinho. Depois teceu um fio e prendeu numa pedra, dizendo: — A Toupeira e o Corvo ficaram cegos com a luz do sol no caminho de volta. Eu vou seguir esse fio. E se pôs a caminho do leste, desenrolando o fio à medida que andava. Quando chegou ao sol, pegou um pedacinho e colocou no potinho de barro. Brilhava tanto que ela mal enxergava, mas, segurando o fio estendido, pegou o caminho de casa.

Mas a viagem de volta era longa e o pedacinho de sol era muito quente para a pobre Toupeira carregar. O solzinho queimou todo o pelo da cauda dela, que caiu no chão. Por isso é que hoje, quando a gente vê uma toupeira, repara no rabo pelado que ela tem.

— A Toupeira tentou e fracassou — disseram os bichos.

— Nunca mais teremos luz! — Eu vou tentar — disse o Corvo.

— Talvez essa viagem seja para quem tem asas. O Corvo voou para o leste e chegou ao sol. Deu um mergulho na luz e arrancou um pedacinho com as garras afiadas. “A Toupeira tentou trazer o sol na cauda e não deu certo”, pensou o Corvo. “Vou levar a luz na cabeça.” O Corvo pôs o pedacinho de sol na cabeça e tomou o rumo de casa, mas o sol era quente demais e queimou as penas da cabeça dele. O Corvo ficou tonto e começou a voar em círculos, até que o pedacinho de sol caiu. É por isso que os corvos não têm penas no alto da cabeça e estão sempre voando em círculos.

— Agora não tem mais jeito — lamentaram os animais.

— A Toupeira tentou; o Corvo tentou, e ninguém conseguiu.

A Velha Aranha viajou toda iluminada, parecendo o próprio sol. Até hoje a teia brilha como se guardasse a luz do sol.

Quando afinal chegou em casa, todos os bichos puderam ver o mundo pela primeira vez. Olharam para a Aranha, tão pequenininha, imaginando como ela pudera fazer a viagem sozinha. Quando viram o potinho de barro com o pedacinho de sol dentro, aprenderam a fazer potes de argila e pôr ao sol para secar.

Mas a Velha Aranha também sofreu com o sol. Por isso é que até hoje ela tece a teia nas primeiras horas da manhã, antes de o sol esquentar.

BENNET, William J. O livro das virtudes II: o compasso moral. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 354-356

Faraco, Carlos Emílio Língua portuguesa : linguagem e interação / Faraco, Moura, Maruxo Jr. -- 3. ed. -- São Paulo : Ática, 2016.p.45-48.

Entendendo o texto

01. Em narrativas de lendas, é comum a presença de animais que falam e agem como seres humanos, assim como a ocorrência de ações “mágicas” ou extraordinárias.

·        Formule uma hipótese que procure explicar essa característica das narrativas legendárias.

          Resposta pessoal.

02. Nas lendas é também frequente haver explicações para fenômenos da natureza, como a chuva, o vento, a sucessão dos dias e noites, as estações do ano.

a) Quais fenômenos naturais são explicados por essa lenda indígena norte-americana?

A existência do dia e da noite e certas características físicas e comportamentais dos animais que são personagens da lenda.

b) Desses fenômenos, qual seria o principal no contexto da lenda?

A existência do dia e da noite.

c) Em sua opinião, por que histórias lendárias procuram explicar fenômenos naturais?

Resposta pessoal.

Sugestão: Nas mais diversas culturas humanas, a explicação dos fenômenos naturais sempre foi motivo de inquietação. Quando o desenvolvimento científico não permitia ainda a formulação de leis e explicações científicas baseadas na observação e no levantamento de hipóteses, as histórias de mitos e lendas ajudavam — e ainda ajudam — a construir relações, mágicas, extraordinárias, capazes de justificar a existência dos fenômenos.

03. Nas lendas e histórias de tradição oral dos povos indígenas do Brasil, muitas vezes há personagens representadas por animais.

a) Das lendas indígenas brasileiras que você conhece, quais são os animais que aparecem com mais frequência?

Resposta pessoal.

Sugestão: Nas lendas brasileiras, os animais frequentes são aqueles que constituem a fauna do Brasil: macacos de diversas espécies, jacarés, cobras, tartarugas e outros répteis, sapos e rãs, aves típicas (o papagaio, a maritaca, o joão-de-barro, etc.), a onça-pintada e outros felinos das florestas e dos cerrados.

b) Por que a toupeira não aparece nas lendas indígenas brasileiras?

     Porque a toupeira não faz parte da fauna brasileira.

04.Indique o sentido da expressão a gente, que ocorre em vários trechos do texto. A quem essa expressão se refere?

A expressão refere-se à coletividade dos leitores e equivale à primeira pessoa do plural.

05. Os nomes dos animais, como Coruja, Toupeira, Corvo, Aranha aparecem grafados no texto com inicial maiúscula. O que justificaria esse emprego das maiúsculas no texto?

A inicial maiúscula transforma o substantivo em nome próprio, o que personaliza os animais. Na lenda, cada animal representa um valor humano.

06.Prosopopeia ou personificação é o nome da figura de linguagem por meio da qual se atribuem características humanas a seres não humanos. Explique.

Nas lendas, a ocorrência de prosopopeia está ligada ao universo mágico, ao mundo extraordinário, e permite que valores humanos sejam apresentados de forma coletiva e alegórica.

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