sábado, 11 de maio de 2024

CRÔNICA: REIS DO CONSUMO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Reis do Consumo

                Walcyr Carrasco

Tenho mania de comprar livros. É uma fixação, pois acabo levando para casa muito mais do que consigo ler. Frequentemente, faço a promessa de não adquirir mais nenhum. Não cumpro. Basta entrar em uma livraria para descobrir títulos essenciais. Como se o simples fato de ter os livros pertinho de mim aumentasse minha sapiência. (Nossa, há quanto tempo não via a palavra sapiência! Deve ser de algum livro que não li.) 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYAH7h8HYYcOMulJa57-s_LbxGr5UOv0QI02ErPdiEqch1g61aBNJqV6wHnLjqe5eGjoHCxHq-OgQC-Vai0d-Yf0xDBfsFsu-HByVJYvyoOekh5EabVby_PZi-_hlCzcw7bq7Rr8v1ArJbNy0M7vnDVvkO4XQrW6ZQaKfiCSW-S6X2wooyOVbc8ROrBwk/s320/HOMEM.jpg


Faço a festa de vendedores de livros. Cida, a simpática gerente de uma livraria na Vila Madalena, sorri feliz quando me vê entrar. Oferece cafezinho e começa:

         — Olha o que saiu!       

Já me convenceu a levar, certa vez, um catatau romântico de umas quinhentas páginas só porque comentei estar procurando um livro para "me distrair". Uma história tão melosa que botaria um diabético no hospital. Mas esse, pelo menos, li, embora não devesse confessar a ninguém ter gasto tempo com tão baixa literatura. (O pior é que torci pelos personagens!)

Lamentei-me com Cida. Segundo ela disse, meu caso não é dos mais graves.    

— Tive um amigo que comprava os dez volumes da obra completa de Marx, por exemplo. Ficava sem dinheiro para pagar a pensão. Era despejado e acabava deixando os livros. Ia para outra e, novamente, comprava a coleção. Era despejado mais uma vez. Dava pena.

Minha loucura é especial, pois se restringe a livros e, pasmem, sabonetes cheirosos. Não posso ver um sabonete diferente. Compro. Como sou alérgico, jamais posso usá-lo. Jogar fora, nem pensar. Seria desperdício demais. Dezenas de sabonetes empesteiam minhas gavetas. Um amigo é assim com roupas. Ligou-me para avisar de uma liquidação numa loja elegante. Expliquei que não precisava de nada.

— Mas você não pode perder as ofertas!

Recusei-me a ir. Ele me tratou como se eu tivesse uma grave falha emocional. Na sua opinião, só uma personalidade problemática não aproveitaria a chance de torrar uma grana em calças e camisas. Mais tarde veio me visitar feliz da vida.

— Comprei uma calça preta!

— Outra?

Tem quatro ou cinco. Nem usa todas. E incapaz de, resistir a uma roupa bonita. A mãe de outro amigo adorava sapatos. Mostrou-me o armário cheio. Nem que fosse a pé daqui até as Cataratas do Iguaçu gastaria tanta sola. Era capaz de se emocionar com um par de escarpins de couro de cobra.

— Não são lindos? — mostrava, os olhos marejados com tanta formosura.

Alguns nunca punha, para não estragar. Adorava contemplá-los, como Ali Babá ao tesouro.

A mania de comprar não tem nada a ver com classe social ou necessidade. Já vi gente com pouquíssimo dinheiro entrar em um brechó e sair de sacola carregada de inutilidades. A última loucura de consumo é a do sujeito que adora vinhos. Não estou falando de conhecedores, que identificam uma safra pelo aroma. Más de gente como eu, capaz de confundir qualquer vinagre mais encorpado com um tinto especialíssimo. Tornou-se chique conhecer vinhos, ter adega. Fui visitar um amigo em sua nova casa no Morumbi Lá pelas tantas me arrastou até um armário repleto. Mostrou garrafa por garrafa.

 — Esta custou tanto, esta tanto...

Observei, de olhos arregalados. Qual seria o sabor de vinhos daqueles preços? Comentei, amigável: Deve ser uma delícia tomar um vinho desses.

Assustou-se:

— Tomar? Nunca.

Não escondi minha surpresa. Explicou candidamente: Tenho dó. São muito caros para ficar bebendo.

Dá para entender?

Entendendo o texto

01. Qual é a fixação do narrador que é mencionada no texto?

a. Comprar livros e perfumes.

b. Comprar livros e roupas.

c. Comprar livros e vinhos.

d. Comprar livros e eletrônicos.

02. O que o narrador lamenta ter comprado, mesmo sendo alérgico e incapaz de usar?

a. Livros melosos.

b. Sabonetes cheirosos.

c. Roupas elegantes.

d. Garrafas de vinho caro.

03. Qual era a loucura de consumo do amigo do narrador que o levou a comprar os dez volumes da obra completa de Marx repetidamente?

a. Livros de arte.

b. Roupas de grife.

c. Perfumes raros.

d. Garrafas de vinho caro.

04. O que a mãe de outro amigo adorava colecionar?

a. Livros antigos.

b. Relógios de pulso.

c. Sapatos.

d. Brinquedos de infância.

05. O que o amigo do narrador adquiriu em uma liquidação, mesmo já tendo várias?

a. Livros.

b. Sabonetes.

c. Calças pretas.

d. Garrafas de vinho.

06. Qual era a reação do narrador ao ver o armário cheio de garrafas de vinho caro na casa do amigo?

a. Ficou impressionado e com vontade de experimentar.

b. Ficou surpreso e questionou se ele realmente os bebia.

c. Ficou desconfiado da autenticidade das garrafas.

d. Ficou com inveja da coleção do amigo.

07. Qual é a última loucura de consumo mencionada no texto?

a. Comprar livros raros.

b. Comprar roupas de grife.

c. Comprar garrafas de vinho caro.

d. Comprar itens inúteis em brechós.

08. O que o amigo mencionado no texto nunca faz com as garrafas de vinho caro que compra?

a. Vende.

b. Bebe.

c. Presenteia.

d. Exibe.

09. Qual é a conclusão final do narrador sobre a mania de comprar?

a. Está relacionada com classe social.

b. Está relacionada com necessidade.

c. Está relacionada com emoções e comportamento.

d. Está relacionada com a influência da mídia.

10. Qual é a característica marcante dos colecionadores e compradores mencionados no texto?

a. São todos conhecedores profundos de seus itens de coleção.

b. São todos incapazes de usar ou consumir seus itens.

c. São todos influenciados pela mídia e tendências sociais.

d. São todos impulsionados por emoções e impulsos de consumo.

 

 

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