sábado, 25 de maio de 2024

CONTO: A MENINA DO NARIZINHO ARREBITADO(FRAGMENTO) - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: A Menina do Narizinho Arrebitado – Fragmento 

            Monteiro Lobato

        O SOMNO Á BEIRA DO RIO

        Naquella casinha branca, — lá muito longe, móra uma triste velha, de mais de setenta annos. Coitada! Bem no fim da vida que está, e tremula, e catacega, sem um só dente na bocca – jururú... Todo o mundo tem dó d'ella: — Que tristeza viver sozinha no meio do matto...

        Pois estão enganados. A velha vive feliz e bem contente da vida, graças a uma netinha órfã de pae e mãe, que lá móra des'que nasceu. Menina morena, de olhos pretos como duas jaboticabas – e reinadeira até alli!... Chama-se Lucia, mas ninguem a trata assim. Tem appellido. Yayá? Nenê? Maricota? Nada disso. Seu appellido é "Narizinho Rebitado", – não é preciso dizer porque. Alem de Lucia, existe na casa a tia Anastacia, uma excellente negra de estimação, e mais a Excellentissima Senhora Dona Emilia, uma boneca de panno, fabricada pela preta e muito feiosa, a pobre, com seus olhos de retroz preto e as sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma cara de bruxa.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJUCOkKiSa3jkrzjMt58FRc9axIX9lkMOoDzh7hBWlCd9-fYHBLy5c0iJnMOWQ1O_cp8M13cq1olcovOqaDRHwbhv6vtrjCVsCCI-BJd1PhNPGQFp07yjOSzR8_IYm4wBr9LNw5a88LZZuZhT_5pUUgvsC6GbB8_XMLkJzIX49L9nzUoFXueV5dW28IH0/s320/NARIZINHO.jpg


LOBATO, Monteiro. A menina do narizinho arrebitado. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1920. p. 3 – 4. Fragmento.

Fonte: Língua Portuguesa. Se liga na língua – Literatura – Produção de texto – Linguagem. Wilton Ormundo / Cristiane Siniscalchi. 1 Ensino Médio. Ed. Moderna. 1ª edição. São Paulo, 2016. p. 243-244.

Entendendo o conto:

01 – Entre 1920 e a atualidade, o Brasil passou por três reformas ortográficas, três mudanças nas regras de escrita das palavras. Transcreva do texto cinco vocábulos ou expressões que tenham sofrido alterações ao longo do tempo.

      Somno, naquella, móra, annos, tremula, bocca, jururú, d’ella, matto, pae, des’que, alli, Lucia, ninguem, apellido, alem, Anastacia, excellente, excellentissima, Emilia, panno, retroz, porque, á beira.

02 – Que palavras são empregadas mais comumente hoje no lugar de jururu e reinadeira?

      Desanimada, triste; travessa, sapeca.

03 – Releia o trecho “que lá mora des’que nasceu”. Por que essa é uma construção estranha para o leitor atual?

      Na língua portuguesa escrita atual do Brasil, não são comuns supressões ou “apagamentos” de sílabas finais de uma palavra por serem semelhantes às iniciais das palavras seguintes. As elisões indicadas por apóstrofos, em geral, marcam a supressão de uma vogal.

04 – Tia Anastácia é apresentada como uma “excellente negra de estimação”. Qual era a provável função dessa personagem na casa?

      Assim como uma antiga escrava doméstica, tia Anastácia seria responsável por preparar as refeições e manter a casa e as roupas limpas.

05 – A abolição da escravatura aconteceu em 1888, portanto três décadas antes da publicação dessa obra de Monteiro Lobato. Como se explica, então, o uso da expressão “negra de estimação” e seu tratamento por “preta”?

      A declaração da extinção da escravidão não foi suficiente para eliminar, imediatamente, práticas muito semelhantes às escravagistas, assim como não conseguiu alterar a mentalidade da população branca em relação à negra.

06 – Com base na reflexão proposta no item 5, explique como a linguagem revela a ideologia em vigor no contexto histórico do início século XX. Expressões como as citadas para referir-se a tia Anastácia seriam aceitáveis nos dias de hoje?

      O uso da expressão “negra de estimação” e o tratamento por “preta” revelam que, naquele momento histórico, não havia consciência por parte de muitas pessoas acerca do preconceito presente nas relações sociais e evidenciado na linguagem. Atualmente, seriam inaceitáveis construções como essas.

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