CRÔNICA: Meu irmão
Maria Carvalho
Hoje, quando voltávamos da escola, eu
percebi que o meu irmão estava chateado. Não fez as brincadeiras bobas de
sempre, não ligou o som do carro e praticamente não abriu a boca, a não ser pra
cumprimentar a mamãe com um beijo e um oi.
Quando estávamos chegando, minha mãe
perguntou:
-- Aconteceu alguma coisa, filho?
O Bruno nem respondeu, só abaixou a
cabeça e se desligou. Na hora do almoço, ela insistiu e o Bruno resolveu
contar:
-- Mãe, hoje eu fiz uma grande besteira
na escola.
-- O que foi?
-- Eu sempre achei demais a turma do
Beto. Mas, eu estudando no 6° ano e eles no 8°, deixava um...
-- Um espaço grande entre vocês? É isso
que você quer dizer?
-- É, mãe, é isso. Só que, por eu ser
alto e já estar no time de vôlei, acabei me aproximando deles e eles me tratam
de igual pra igual.
-- Então, qual é o problema?
Eu já estava curiosa, com vontade de
pedir que ele contasse tudo de uma vez. Não sei como mamãe conseguia ficar ali,
parada, calma. Mas eu me segurei, senão o Bruno já ia me mandar ficar quieta ou
dizer que eu era muito pequena pra ouvir o que ele tinha pra contar. Revirei a
comida no prato e fiz de conta que não estava interessada na conversa.
Ele continuou:
-- Sabe aquele menino que eu te contei
que começou a estudar na minha sala, que usa óculos fundo de garrafa e o
uniforme fica grande como se não fosse dele? Pois é, o Roni.
Quase todo mundo fica gozando dele na
hora do recreio e ele fica sempre sozinho, como se tivesse vergonha de estar
ali.
Minha mãe não disse nada, ela e o Bruno
já não comiam, tinham largado os talheres, ele, falando com a cabeça baixa;
ela, encostada na cadeira, olhando firme pra ele. Acho até que esqueceram que
eu também estava ali.
-- Hoje, no recreio, o Beto falou pra
turma que a gente ia se divertir um pouquinho. Todo mundo se animou e ai
aconteceu: quando o Roni estava passando, o Beto colocou o pé e o menino caiu.
Os óculos dele foram parar longe e a Ana pegou. O Roni se ajoelhou, procurando
os óculos, meio assustado. Nós rimos muito e os óculos eram passados de um pro
outro. Então, ele pediu:
-- Meus óculos, por favor, eu não
consigo ver quase nada sem eles.
-- Nessa hora, eu comecei a sentir uma
coisa estranha, eu não tava gostando da brincadeira. Não, eu tava achando tudo
muito feio, me senti mal. Mas quando uma das meninas pediu pro Beto parar com
aquilo, ele disse pra ela cair fora, que no grupo dele só tinha gente forte, de
bom-humor, que gostava de brincar. E eu fiquei com vergonha de dizer o que tava
pensando e continuei na brincadeira até que ele...
-- Bruno, mas a mamãe sempre ensinou
pra gente que é preciso respeitar os outros, como você pode ser tão mau?
Pronto, eu não aguentei ouvir aquilo e
tive de abrir a minha boca. Mas eu não acreditava que os grandes do 8° pudessem
fazer uma coisa dessas e o meu irmão junto. Fiquei até com vontade de chorar.
-- Dá pra ficar quieta? Não vê que eu
tô arrependido? Você é muito pequena pra entender isso, ouviu bem?
-- Vamos acalmar? Bruno, não desconte
na sua irmã. A Flávia é pequena, mas já entende muito bem o que aconteceu e ela
tem razão. É difícil entender que você tenha participado de um ato tão... tão...
-- Tão covarde!
Ai, escapou. Foi sem querer mesmo.
Cheguei a me abaixar na cadeira quando o Bruno e a mamãe me olharam daquele
jeito.
-- Mãe, essa menina...
-- Flávia, por favor, vamos deixar que
seu irmão termine de contar o que aconteceu?
Fiquei muda, disse pra mim mesma que só
ia abrir a boca pra colocar a comida lá dentro. E só!
-- Mãe, o Roni chorou e a menina que
tinha pedido pro Beto parar tomou os óculos da minha mão e entregou pro Roni.
Ainda bem que bateu o sinal naquela hora e eu pude ir pra sala, porque eu tava
sentindo um aperto por dentro. Na sala, eu não conseguia nem olhar pros lados,
parecia que todo mundo sabia o que tinha acontecido e eu tava morrendo de
vergonha. Quando bateu o sinal pra saída, eu corri pra porta, apressado, e nem
vi a mochila do Márcio, que estava na frente da carteira.
Acabei tropeçando e fiquei caído no
chão. A turma toda riu, menos o Roni. Eu fiquei olhando pra ele e ele vindo na
minha direção. Eu imaginei que ele fosse rir, que fosse dizer benfeito ou coisa
parecida. Mas ele chegou bem perto, estendeu a mão pra mim e disse:
-- Não liga, isso também aconteceu comigo
hoje.
-- Mãe, eu morri de vergonha. É claro
que ele sabia que eu estava lá na hora do recreio. Levantei com a ajuda dele e
nem consegui falar nada, saí correndo.
-- Filho, eu acho que você não precisa
de repreensão pelo que fez. Você mesmo já percebeu que houve muitos erros nessa
história e eu tenho certeza de que você vai saber fazer os consertos.
A minha mãe levantou e abraçou o meu
irmão, que estava chorando. Eu fiquei meio engasgada, a comida tinha ficado
parada na boca e não sabia direito o que fazia com ela. O que eu sabia é que
nós ainda íamos voltar a falar sobre esse assunto, a minha mãe só estava dando
um tempo, mas, é claro, era muito importante pra que ficasse assim.
-- Não vamos falar sobre isso por
enquanto. Mas tarde, quando você ficar mais tranquilo, nós voltamos a
conversar, está bem?
Eu não disse?
CARVALHO, Maria. Meu
irmão. Texto não publicado, Curitiba, 2000.
Fonte: Língua Portuguesa – Coleção
Mais Cores – 5° ano – 1ª ed. Curitiba 2012 – Ed. Positivo p. 155-161.
Entendendo a história:
01 – Quem narra essa
história?
A Flávia.
02 – Quem a escreveu?
Maria Carvalho.
03 – Com base no seu entendimento
do texto, responda à questão. Como Flávia percebeu que seu irmão estava
chateado na volta da escola?
Porque ele não havia feito as brincadeiras
bobas de sempre, não ligou o som do carro e praticamente não abril a boca.
04 – Observe a palavra destacada
e explique o que ela significa nesta frase.
“O Bruno nem respondeu, só abaixou a
cabeça e se desligou.”
Quer dizer que
ele não iria mais prestar atenção em nada.
05 – Agora, responda as
questões abaixo de acordo com as informações do texto.
a)
Local onde ocorreu o incidente com Bruno.
Na escola.
b)
Nome do líder do grupo do qual Bruno fazia
parte.
Beto.
c)
Nome da irmã de Bruno.
Flávia.
d)
Esporte praticado por Bruno e seu grupo.
Vôlei.
e)
Adjetivo encontrado por Flávia para a atitude
de Bruno na escola.
Covarde.
f)
Nome do dono do objeto em que Bruno tropeçou.
Marcio.
g)
Sentimento que Bruno sentiu após ter
participado da brincadeira.
Vergonha.
h)
Nome do menino que foi humilhado pela turma
de Bruno.
Roni.
i)
Sobrenome da autora do texto.
Carvalho.
06 – Observe o que a mãe de
Bruno lhe disse:
“--
Filho, eu acho que você não precisa de repreensão pelo que fez. Você mesmo já
percebeu que houve muitos erros nessa história e eu tenho certeza de que você
vai saber fazer os consertos.”
a)
Você concorda com a mãe de Bruno de que ele
não precisa de repreensão? Por quê?
Sim. Porque ele já tinha se arrependido pelo que fez.
b)
Quais foram os erros dessa história e quais
consertos Bruno deve fazer?
Derrubaram o Roni; esconderam o óculos e deram muita rizada. Reconhecer
que fez mal e ir pedir desculpas.
07 – Releia estes trechos
retirados do texto.
“--
Hoje, no recreio, o Beto falou pra turma que a gente ia se divertir um
pouquinho. [...]”.
“-- Nessa hora, eu comecei a sentir uma
coisa estranha, eu não tava gostando da brincadeira. Não, eu tava achando tudo
muito feio, me senti mal. [...]”.
a)
Esses trechos representam a fala de Bruno,
por isso alguns termos foram usados na linguagem informal. Identifique-os.
Tava e pra.
b)
Agora, reescreva-os de acordo com a norma-padrão.
Tava = estava; Pra = para.
c)
Discuta com seu professor e colegas as
situações em que o uso da linguagem informal é adequado e os momentos em que
ela deve ser evitada.
Resposta pessoal do aluno.
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