Crônica: História de uma flor
Carlos Drummond de Andrade
Furtei uma flor daquele jardim. O
porteiro do edifício cochilava, e eu furtei a flor.
Trouxe-a para casa e a coloquei num
copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber,
e uma flor não é para ser bebida.
Passei-a para o vaso, e notei que ela
me agradecia, revelando melhor a sua delicada composição. Quantas novidades há
numa flor, se a contemplarmos bem.
Sendo autor do furto, eu assumira a
obrigação de conservá-la.
Renovei a água do vaso, mas a flor
empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la no jardim. Nem apelar
para o médico de flores. Eu a furtara, eu a via morrer.
Já murcha, e com a cor particular da
morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde nascera. O porteiro
estava atento e repreendeu-me:
– Que ideia a sua, de vir jogar lixo
neste jardim!
Carlos Drummond de
Andrade. In: Jornal do Brasil, 21 out. 1979.
Fonte: Língua Portuguesa –
Linguagem & Vivência – Siqueira & Bertolin – 7ª série – Ensino
Fundamental – 1ª ed. 2004. p. 37-8.
Entendendo a crônica:
01 – “História de uma flor”
é uma narrativa em que o autor também é personagem. Retire do texto e anote o
que comprove essa afirmação.
(EU) “Furtei uma flor (...)”. A narrativa
é feita na 1ª pessoa do singular.
02 – O narrador trata a flor
como se fosse uma pessoa. Reconheça no texto algumas passagens em que isso
ocorre.
“Logo senti que ela não estava feliz.
Passei-a para um vaso e notei que ela me agradecia”.
03 – Em vez de ter usado o
verbo furtar, o narrador poderia ter usado o verbo roubar? Por quê?
Não, porque ele
se apoderou da flor furtivamente, escondidamente. Roubar geralmente supõe
violência. A pessoa roubada presencia o fato.
04 – Segundo o texto, o
porteiro considerou lixo a flor morta. Qual a intenção do autor ao querer
depositá-la no jardim?
Sentiu-se culpado
por tirar a vida da flor. Quis devolvê-la, pois ali era o seu lugar.
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