Crônica: Um diálogo sobre o racismo no Brasil – Fragmento
Matthew Shirts
[...]
-- No Brasil, xingamentos racistas em
campo constituem crime?
-- Bem, o racismo é crime e
inafiançável. E, e última instância, a lei vale dentro do campo, também.
Desábato até teve sorte de ser preso por um delito menor, injúria com agravante
de racismo. Vai poder pagar fiança e responder ao processo em liberdade, depois
de passar duas noites preso.

-- Mas o racismo não é comum no Brasil?
Quando estive aí, não me parecia; parecia, aliás, o contrário, mas os
brasileiros sempre me diziam que existia muito racismo, só que disfarçado.
-- Depois de 20 anos aqui, não sei
responder com certeza. É algo difícil de medir, ainda mais pelo fato de eu não
ser negro. Mas sempre achei que o racismo no Brasil é mínimo, incomparável,
certamente, com aquilo que existe nos EUA. Tenho a impressão de que brancos e negros
e japoneses e mulatos e mamelucos e todos os outros se dão. Casam-se entre si,
se frequentam. O apelido do Grafite, inclusive, é por causa da sua cor. Grafite
é aquilo que tem dentro do lápis, é a parte que escreve. Grafite é chamado de
Grafite porque sua pele é muito escura.
-- E todo mundo o chama assim?
-- Todo mundo. Eu não sabia o nome
verdadeiro dele até antes de ontem. É carinhoso e comum inventar apelidos
relacionados à cor da pele ou à origem aqui. Japonês ou Japa, eu sou chamado de
Gringo, frequentemente, português, de Portuga e por aí vai.
-- E ninguém liga?
-- Em geral, não. Tenho um amigo de
origem japonesa que faz questão de ser chamado de brasileiro, mas creio que é
mais uma coisa de orgulho e nacionalismo do que de irritação com a
identificação como nipônico. Eu não ligo quando me chamam de Gringo. Acho até
engraçado, dependendo do tom. Moreno e Cacau, por exemplo, são nomes
corriqueiros, registrados em cartório.
-- É, seria meio impensável isso nos
EUA. Não consigo imaginar nenhum jogador americano apelidado de acordo com a
cor da pele, muito menos chamar, digamos, um jogador da NBA de Grafite.
-- Pois é, a naturalidade com que se
lida com isso é uma prova de falta de racismo no Brasil pelo menos entendo
assim. Há menos desconforto, as pessoas se sentem à vontade para brincar com a
diferença entre as raças.
-- Então Grafite pode, mas negro, não?
-- Depende do tom. Grafite é carinhoso.
Negro não costuma ser.
-- É aquele negócio dos esquimós, que
tem 22 palavras para neve.
-- É clichê, mas é um pouco isso mesmo.
-- Mas me diga uma coisa. Vamos supor
que um jogador brasileiro chame outro de argentino sujo de mierda durante uma
partida no Brasil. Ele seria preso?
-- Não sei. Argentino indica
nacionalidade, até onde sei, não chega a ser uma raça, embora eles talvez
discordem. Agora, se um jogador brasileiro chamasse um argentino de branco
sujo, de não sei o quê, poderia ser preso, sim, em tese. Mas duvido um pouco
que isso venha acontecer.
-- Não há um certo exagero nessa
história toda? O Brasil não está querendo posar de muito bonzinho e
politicamente correto, de repente?
-- Talvez, um pouco. Mas creio que tem
a ver também com os ataques racistas os jogadores brasileiros na Europa. Aquilo
é duro de engolir. Os jogadores da seleção representam a nação lá fora. São o
nosso orgulho. Vê-los tratados como macacos por um bando de nazistas
desqualificados é doloroso. Creio que a prisão de Desábato teve a ver com essa
última onda racista nos estádios europeus.
-- E há solução para isso?
-- A Fifa precisa punir os clubes com
rigor.
[...]
Matthew Shirts. O
Estado de São Paulo, 18/4/2005.
Fonte: Livro –
Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar
Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 183-184.
Entendendo a crônica:
01 – Qual a diferença legal
entre injúria racial e racismo no Brasil, segundo a crônica?
A crônica explica
que o racismo é crime inafiançável, enquanto a injúria racial, embora também
seja crime, permite fiança. No caso de Desábato, ele foi preso por injúria
racial com agravante de racismo, o que o permitiu pagar fiança e responder ao
processo em liberdade.
02 – Como o autor, Matthew
Shirts, percebe o racismo no Brasil após 20 anos no país?
Shirts admite que é difícil medir o
racismo no Brasil, especialmente por não ser negro. Ele percebe que, embora
exista racismo, ele é diferente e menor do que o racismo nos EUA, e que há uma
maior integração entre diferentes grupos étnicos.
03 – Qual a visão do autor
sobre o uso de apelidos relacionados à cor da pele no Brasil?
O autor argumenta
que, no Brasil, apelidos como "Grafite", "Moreno" e "Cacau"
são comuns e muitas vezes usados de forma carinhosa, sem conotação racista. Ele
contrasta essa prática com a dos EUA, onde tais apelidos seriam impensáveis.
04 – Como o autor explica a
diferença entre chamar alguém de "Grafite" e "negro" no
Brasil?
O autor explica
que a diferença está no tom. "Grafite" é usado de forma carinhosa,
enquanto "negro" pode ter uma conotação negativa, dependendo do
contexto e da intenção.
05 – Qual a opinião do autor
sobre a reação do Brasil aos casos de racismo no futebol?
O autor questiona
se o Brasil não estaria exagerando na reação, tentando se mostrar
excessivamente "bonzinho" e "politicamente correto". No
entanto, ele também reconhece que a reação pode ser uma resposta aos ataques
racistas contra jogadores brasileiros na Europa.
06 – Qual a solução proposta
pelo autor para combater o racismo no futebol?
O autor sugere
que a FIFA precisa punir os clubes com rigor para combater o racismo nos
estádios.
07 – Segundo o autor, qual a
diferença entre xingamentos racistas e xingamentos de nacionalidade?
O autor explica
que xingamentos racistas são tipificados como crime, já xingamentos de
nacionalidade não necessariamente. Ele usa de exemplo que um jogador que
xingasse outro de "Argentino sujo" não seria preso, diferente de um
jogador que xingasse outro de "branco sujo".
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