segunda-feira, 25 de novembro de 2024

CONTO: CONSCIÊNCIA BREVE - IVÁN EGUEZ - COM GABARITO

 Conto: Consciência breve

           Iván Eguez

        Esta manhã Cláudia e eu saímos, como sempre, rumo a nossos empregos no carrinho que meus pais nos deram há dez anos, quando nos casamos. De repente senti um corpo estranho junto aos pedais. Uma bolsa? Um ...? Então lembrei-me de que ontem à noite fui deixar Maria em casa e o beijinho inocente de sempre escorregou, sem querer, para a comissura dos lábios, para o pescoço, os ombros, para a alavanca de câmbio, para o corpete, para o assento reclinável, enfim.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-58gP1IaOTnEmnMV0aa_cPRPsn8aoI-AE3Tf2qlTssnwKUrrczUYdP1Dk1BjcOBDJ2Jk77cZVj_nPqnfa-z_H0YgtCDiLj06EDbxR03T-0n5gbNnQ4_z8x-E4hBoyInQ6lUhO2fMNgF0D6aOeOzxft7wSRZrG47bhlj-H97GFauryEktwn-Dk1poqM6M/s1600/CASAL.jpg

        Você está distraído, me disse Cláudia quando quase avanço o sinal. Depois continuou resmungando alguma coisa, mas eu já não a ouvia. Minhas mãos suavam e senti que meu pé queria desesperadamente transmitir o dom do tato à sola de meu sapato para saber exatamente o que era aquilo, para pegá-lo sem que ela nada notasse. Finalmente consegui passar o objeto do lado do acelerador para o lado da embreagem. Empurrei-o para a porta com a intenção de abri-la de forma sincronizada e jogar o treco na rua. Apesar das acrobacias que fiz, foi impossível. Então resolvi distrair Cláudia, pegar aquilo com a mão e atirá-lo pela janela. Mas Cláudia estava encostada em sua porta, praticamente virada para mim. Comecei a me desesperar. Aumentei a velocidade e, em seguida, vi um carro da polícia pelo retrovisor. Achei melhor acelerar para me afastar da patrulha policial, pois se vissem o treco saindo pela janela podiam ficar imaginando coisas.

        -- Por que você está correndo? – perguntou Cláudia, enquanto se acomodava de frente como quem começa a pressentir uma batida. Vi que a polícia ficava para trás pelo menos uma quadra. Então, aproveitando que íamos fazer o contorno, eu disse a Cláudia ponha a mão para fora que vou virar à direita. Enquanto ela fazia isso, peguei o corpo estranho: era um sapato leve, de tirinhas azuis e salto alto. Sem pensar duas vezes atirei-o pela janela. Fiz orgulhoso o contorno, senti vontade de gritar, de descer para me aplaudir, comemorar minha façanha, mas fiquei gelado ao ver outra vez a polícia pelo retrovisor. Tive a impressão de que eles paravam, que apanhavam o sapato, que me faziam sinais.

        -- O que está acontecendo com você? – perguntou Cláudia com sua voz ingênua.

        -- Não sei, respondi, esses tiras são capazes de tudo.

        Mas a viatura dobrou a esquina e eu segui em frente até o estacionamento da empresa onde Cláudia trabalhava. Um táxi freou atrás de nós cantando os pneus. Era outra atrasada, dessas que acabam de se maquiar no táxi.

        -- Tchau, amor, me disse Cláudia, enquanto com seu pezinho brincalhão procurava inutilmente seu sapato de tirinhas azuis.

Iván Eguez. In: conto-americanos (coedição latino-americana). Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo: Ática, 1992, p. 109-110.

Fonte: Linguagem em Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 181-182.

Entendendo o conto:

01 – Qual a principal ação que desencadeia a trama do conto?

      A principal ação é o beijo "inocente" que o protagonista dá em Maria, que acaba por deixar um objeto pessoal dela no carro. Esse ato, aparentemente banal, desencadeia uma série de eventos que revelam a fragilidade da mentira e a complexidade das relações humanas.

02 – Que sentimentos o protagonista experimenta ao longo do conto?

      O protagonista experimenta uma gama de sentimentos, como culpa, ansiedade, medo, alívio e, por fim, um profundo sentimento de culpa. Inicialmente, ele tenta se livrar do objeto para esconder sua infidelidade, mas à medida que a situação se complica, ele sente a angústia da mentira e o medo das consequências.

03 – Qual o papel da polícia na história?

      A polícia representa uma figura de autoridade que ameaça a ordem estabelecida pelo protagonista. A presença da viatura policial intensifica o sentimento de culpa e ansiedade do personagem, que teme ser descoberto.

04 – Qual o significado do sapato azul na história?

      O sapato azul é um objeto simbólico que representa a mentira, a infidelidade e as consequências das ações do protagonista. Ele é um lembrete constante da traição e da tentativa de esconder a verdade.

05 – Como a personagem de Cláudia se comporta diante da situação?

      Cláudia demonstra uma ingenuidade e uma confiança na relação que contrastam com a culpa e a ansiedade do protagonista. Sua busca pelo sapato perdido revela sua despreocupação com a infidelidade do marido, ao menos até aquele momento.

06 – Qual a importância do cenário (carro) para a narrativa?

      O carro funciona como um microcosmo onde se desenvolve a trama. Ele é o palco das tentativas do protagonista de esconder a verdade e o lugar onde a tensão aumenta a cada momento. O carro também simboliza a rotina do casal, que é abalada pela infidelidade.

07 – Qual a mensagem principal do conto?

      O conto "Consciência" explora a fragilidade da mentira e as consequências da infidelidade. A história demonstra que a tentativa de esconder a verdade pode gerar mais problemas do que resolvê-los. Além disso, o conto levanta questões sobre a natureza das relações conjugais e a importância da honestidade na comunicação.

 

 

 

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