Artigo de opinião: O lobo e o cordeiro
Carlos Heitor Cony
Rio de Janeiro – Outro dia, li no
noticiário que já começam a falar em trincheira. Parece que ainda é uma
metáfora, uma licença poética, alguma coisa assim. Sem entrar no mérito da
briga entre Minas e Governo Federal, achei a ideia boa.
A taxa de desemprego no país anda alta
e a tendência é subir mais. Ao longo da história, sempre que a população
crescia em tempos de paz, havia uma guerra para absorver mão-de-obra e manter a
humanidade em patamares decentes, sem o inchaço das cidades e aldeias.
Assim foram formados os exércitos que,
andando de um lado para o outro, criaram impérios, reinos, ducados, colônias,
etc. Brecht, acho que em “Mãe coragem”, faz um personagem elogiar a guerra, que
pelo menos em termos economia e mercado regulariza as coisas, cortando o
supérfluo, mantendo os estoques básicos e evitando a explosão demográfica que
cria problemas inúteis para o Estado.
Para uma boa guerra é preciso um
motivo, que nem precisa ser bom. Qualquer um serve. Na fábula de Esopo, além de
ser o mais fraco, o cordeiro encheu o saco de lobo ao exigir um motivo decente
para ser engolido.
O lobo podia integrar a equipe
econômica de qualquer governo tutelado pelo FMI. Em vez de um, deu dois bons
motivos para comer o cordeiro. O primeiro até que não colou: o cordeiro estaria
sujando a água que o lobo bebia. “Mas como?” – estranhou o cordeiro. “Você está
em cima, eu estou em baixo, a água do rio passa primeiro por você, se alguém
suja a água é você que suja a minha!”
O lobo foi tão paciente quanto os
ficais do sr. Camdessus. Deu outro motivo: “No ano passado, seu pai sujou a
minha água”. E comeu o cordeiro.
De Esopo para cá, a razão sempre esteve
com o lobo. Não havia desemprego então, de maneira que hoje a guerra entre os
dois é mais necessária. Quanto menos cordeiro, mais farta será a água do rio.
O lobo e o cordeiro, de
Carlos Heitor Cony. Folha de São Paulo, 28/02/1999, fornecido pela Folhapress.
Fonte: Linguagem em
Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São
Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 232.
Entendendo o artigo:
01
– Qual a principal tese defendida por Cony no artigo?
A principal tese
defendida por Cony é que a guerra, embora cruel e injusta, pode ser vista como
uma solução para problemas sociais como o desemprego. O autor utiliza a fábula
de Esopo como metáfora para criticar a lógica de poder e as justificativas
utilizadas para iniciar conflitos.
02
– Como Cony relaciona a fábula de Esopo com a realidade política?
Cony utiliza a
fábula de Esopo como um ponto de partida para analisar a relação entre os
poderosos e os mais fracos. Ele mostra como os poderosos, assim como o lobo,
encontram justificativas para seus atos, mesmo que sejam injustos e
arbitrários.
03
– Qual a crítica de Cony ao sistema econômico e político?
Cony critica o
sistema econômico e político que, segundo ele, prioriza os interesses de poucos
em detrimento das necessidades da maioria. Ele sugere que a guerra pode ser
utilizada como uma ferramenta para controlar a população e manter o status quo.
04
– Qual o papel do FMI na metáfora utilizada por Cony?
O FMI é utilizado
como uma metáfora para representar as forças econômicas internacionais que
impõem condições aos países em desenvolvimento. A figura do fiscal do FMI, Sr.
Camdessus, é associada à paciência e à frieza do lobo ao encontrar
justificativas para devorar o cordeiro.
05
– Qual a ironia presente no texto?
A ironia está
presente na forma como Cony trata um tema tão sério como a guerra. Ao utilizar
a fábula de Esopo e uma linguagem irônica, ele demonstra a absurda lógica por
trás dos conflitos e a indiferença dos poderosos diante do sofrimento humano.
06
– Qual a principal mensagem que Cony deseja transmitir?
A principal
mensagem de Cony é um alerta sobre os perigos da manipulação do poder e da
justificativa de ações injustas. O autor busca provocar uma reflexão sobre as
causas dos conflitos e sobre as consequências da guerra para a sociedade.
07
– Por que o título "O lobo e o cordeiro" é adequado ao texto?
O título "O
lobo e o cordeiro" é adequado ao texto porque resume a metáfora utilizada
por Cony para analisar a relação entre os poderosos e os mais fracos. A fábula
de Esopo é um arquétipo que representa a luta entre o bem e o mal, entre o
forte e o fraco. Ao utilizar essa referência, Cony torna sua crítica mais
universal e atemporal.
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