Conto: O plantador de árvores
Leonardo Fróes
Ninguém sabia o nome verdadeiro de
Camelo Guo. Tinham lhe posto esse apelido, já conhecido em toda a vizinhança,
por ele ser muito corcunda e seu defeito assumir avantajado relevo quando
andava. Sem se importar, o homem adotou a alcunha e como tal passou a
apresentar-se, nunca lhe ocorrendo dizer o antigo nome.
Morava ele no distrito de Fengle, a
oeste de Chang-na, e vivia de plantar árvores. Todos os ricos moradores, que
adoravam jardins, e todos os que cultivavam pomares, dependendo das boas safras
para fazer boas vendas, tentavam contatar seus serviços, pois árvores plantadas
por ele floresciam com exuberância e davam frutas precoces, sempre em
quantidade notável. Outros jardineiros, observando-o, tentavam imitar seus
métodos, mas nenhum obtinha o mesmo sucesso. Um dia alguém lhe perguntou seu
segredo.
“Não tenho receitas mágicas”, respondeu
Camelo Guo. “Simplesmente respeito a natureza das árvores, para obter de cada
uma o melhor. As raízes necessitam de espaço, por onde crescer com o tempo, e
não podem ficar embaraçadas; a terra deve ser velha, curtida e bem socada ao
redor. Nunca mexa na muda, depois de plantá-la, nem a cerque de atenções. Vá
cuidar de sua vida e não fique ali vigiando-a. Na hora de plantar, trate-a como
um filho; depois, deixe-a em paz, porque assim ela se desenvolverá como é, para
chegar à plenitude a seu modo. Eu apenas me refreio de interferir com o
crescimento da árvore. Não a faço florir, muito menos amadurecer com presteza,
apenas me abstenho de estragar seus frutos. Nem todos os jardineiros são assim.
Muitos usam terra nova, a mais ou a menos, e deixam que as raízes se embolem.
Quando não cometem tais erros, mexem na árvore e se preocupam demais com ela,
contemplando-a de dia e tateando-a de noite, indo toda hora até lá para lhe dar
uma olhada. Alguns chegam até a arranhar sua casca, para saber se ainda está
viva, ou a puxá-la pelas raízes, para verificar se já se firmaram. A planta,
incomodada sem descanso, murcha cada vez mais. Quem assim procede, embora diga
amar as árvores, na verdade as mata. E está lhes causando dano, quando julga se
redobrar em cuidados. É nisso que se distinguem de mim. Mas o que mais posso
dizer?”
“Seu método poderia aplicar-se à arte
de governar?”, perguntou outro.
“Só entendo do plantio de árvores”,
respondeu Camelo Guo. “Governar não é comigo. Porém, vivendo aqui no campo,
vejo que as autoridades, como se tomassem a peito o bem-estar do povo, estão
sempre ditando novas ordens, das quais, porém, só resultam novas desgraças. Dia
a dia seus emissários vêm e gritam: ‘De ordem superior, lavrem a terra!
Plantem, colham! Sejam rápidos, não se atrasem na produção de seda! Teçam!
Cuidem bem de seus filhos! Muita atenção com a alimentação dos porcos e
galinhas!’ Para convocar as pessoas, os homens do governo batem seus ruidosos tambores,
e nós, largando nossas tarefas para ouvir tais discursos, passamos horas sem
comer. Contudo, se não tivermos um tempo para nós, como poderemos nos
desenvolver e viver em paz? Em vez disso, o cansaço nos toma, e é assim que
chegamos à exaustão. Nesse sentido, sim, concordo, a arte de governar tem algo
a ver com o plantio de árvores”.
Os outros acharam graça.
Leonardo Fróes, baseado
em texto do autor chinês Liu Zongyuan. In: Contos orientais. Rio de Janeiro:
Rocco, 2003, p. 163-164.
Fonte: Linguagem em
Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São
Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 230-231.
Entendendo o conto:
01
– Qual o segredo do sucesso de Camelo Guo como plantador de árvores?
O segredo de
Camelo Guo reside em sua paciência e respeito pela natureza das árvores. Ele
entende que cada árvore tem seu próprio ritmo de crescimento e que
interferências excessivas podem prejudicá-las. Ao contrário dos outros
jardineiros, ele não força o desenvolvimento das plantas, mas sim cria as
condições ideais para que elas floresçam naturalmente.
02
– Qual a crítica implícita à figura do governante na história?
A figura do
governante é comparada à de um jardineiro que interfere excessivamente no
crescimento das árvores. A história critica a prática de governos que impõem
regras e regulamentações excessivas à população, impedindo que as pessoas se
desenvolvam de forma natural e autônoma.
03
– Qual a relação entre a natureza e a condição humana na história?
A história
estabelece uma analogia entre o crescimento das árvores e o desenvolvimento
humano. Assim como as árvores precisam de espaço e tempo para crescer de forma
saudável, os seres humanos também precisam de liberdade e autonomia para se
desenvolverem plenamente.
04
– Qual a importância do apelido "Camelo Guo" para a caracterização da
personagem?
O apelido
"Camelo Guo" serve para destacar a diferença de Camelo Guo em relação
aos outros. Ele se torna uma marca registrada, identificando-o como um homem
simples e humilde, que não se importa com aparências e que possui um
conhecimento profundo sobre a natureza.
05
– Qual a mensagem principal do conto?
A mensagem
principal do conto é a importância de respeitar a natureza e os processos
naturais. A história nos ensina que a interferência excessiva pode trazer mais
danos do que benefícios e que a melhor forma de alcançar um resultado positivo
é permitir que as coisas se desenvolvam em seu próprio ritmo.
06
– Como a história se relaciona com a filosofia oriental?
A história
apresenta elementos da filosofia oriental, como a valorização da natureza, a
busca pela simplicidade e a importância da não interferência. A ideia de que a
natureza deve seguir seu próprio curso e que o homem deve se adaptar a ela é um
princípio fundamental em muitas filosofias orientais.
07
– Qual o papel do humor na história?
O humor está
presente na história através da ironia e da sátira. Ao comparar os governantes
com jardineiros que estragam as plantas, o autor cria uma situação cômica que
serve para enfatizar a crítica social. O humor também contribui para tornar a
história mais leve e agradável de ler.
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