Conto: As Orações ao ar livre – Emília no país da gramática
Monteiro Lobato
Foram todos para o jardim, onde
numerosas Orações costumavam passear ao sol. Dona Sintaxe apontou para uma
delas e disse:
— Vamos ver, Emilinha, se você sabe o
que significa um grupo de palavras como aquele que ali está, junto ao canteiro
de margaridas.

— Pois é uma Oração, está claro! Quem
não sabe?
— Você não sabe, Emília. Aquilo é mais
que uma Oração — é todo um PERÍODO GRAMATICAL, composto de várias Orações.
— Um Período é então um cacho de
Orações — disse Emília. — Estou entendendo. A Oração é uma banana; o Período é
uma penca de bananas.
O rinoceronte gostou do exemplo e
lambeu os beiços, enquanto Dona Sintaxe explicava que os Períodos se dividem em
duas classes — PERÍODOS SIMPLES e PERÍODOS COMPOSTOS.
—
O Período Simples é o que... — foi dizendo Emília, mas engasgou.
— É o que se compõe só de uma Oração —
concluiu Dona Sintaxe.
—
E o Período Composto é o que se compõe de duas! — gritou a boneca
vitoriosamente.
— De duas ou mais — corrigiu Dona
Sintaxe. — Aquele que ali vai passando é um Período Composto.
O tal Período Composto dizia o
seguinte: Emília soltou o preso, mas não ganhou nem um muito obrigado.
— Notem — observou Dona Sintaxe — que
há duas Orações, governadas por dois Verbos — Soltou e Ganhou. Por isso o
Período é Composto. A Conjunção Mas amarra a segunda Oração à primeira.
— Estou vendo — disse Emília. — E
aquele outro, perto do canteiro de cravos?
— Aquele é um Período Simples, formado
de uma só Oração: O Visconde está com medo. Repare que há um só Verbo.
— E aquele outro lá perto do canteiro
das dálias? — indagou Pedrinho, mostrando um Período que dizia assim: O
rinoceronte, que é um sabido, está calado.
— Aquele é um Período Composto que traz
uma Oração pendurada em outra. Note que uma Oração não está ligada à outra, mas
sim pendurada no meio da outra. Se sair dali não estraga o resto. Chama-se
Oração INTERFERENTE.
— Pendurada com que gancho? — perguntou
Emília.
— Com o gancho daquele pronominho Que.
Notem que nesse Período Composto há duas Orações: (1) O rinoceronte está
calado; (2) Que é um sabido. Mas esta última está apenas enganchada no meio da
primeira, como numa rede, por meio do gancho do Pronome Que.
— Que tem mesmo jeito dum ganchinho! —
observou Emília, e todos concordaram, para não haver briga.
— Vamos agora ver como estas Orações se
classificam quanto ao papel que representam no Período — disse Dona Sintaxe. —
Elas podem ser de três classes – COORDENADAS, PRINCIPAIS e SUBORDINADAS.
E, para exemplificar, gritou na direção
dum grupo de Períodos que estavam parados diante dum repuxo:
— Aproxime-se um Período Composto que
queira servir de exemplo! Depressa!
Todo saltitante, destacou-se do grupo
este Período: O pica-pau picou o pau e fugiu quando viu Quindim.
— Reparem — disse Dona Sintaxe — que
temos três Orações neste Período. Uma Coordenada, porque está ligada a outra
Coordenada pela Conjunção E: O pica-pau picou o pau. E temos a segunda Oração,
que é a Principal: E fugiu; e temos a terceira, que é a Subordinada, ou escrava
da Principal: Quando viu Quindim. Sem estar ligada à Oração Principal esta
terceira fica sem sentido, ninguém a entende. Mas ligada torna-se clarinha como
água de pote; quem lê compreende logo que o pica-pau fugiu quando viu Quindim.
— Oração Principal? — estranhou a
menina.
— Oração Principal é a que pensa que é
independente mas não é, porque depende das outras para completar o que ela quer
dizer. Aquela ali, por exemplo. Venha cá, Senhor Período!
Aproximou-se um Período Composto que se
lia assim: Quindim está com fome porque não encontrou capim por aqui.
— Reparem. A Oração Quindim está com
fome é a Principal, mas não fica bem, bem, bem, bem completa sem a outra:
Porque não encontrou capim por aqui. Esta outra ajuda a completar a Principal.
As Senhoras Orações Principais trazem sempre o Verbo no Modo Indicativo ou no
Modo Imperativo, não se esqueçam.
Dona Sintaxe despediu aquele Período e
chamou outro.
— Aproxime-se uma Oração na voz ATIVA!
Depressa. Muito lampeira, destacou-se do grupo uma Oração que dizia assim: O
gato comeu o pica-pau.
— Que história de Voz Ativa é essa? —
indagou Emília.
— Já irá saber — respondeu a Senhora
Sintaxe, e voltando-se para a nova oraçãozinha: — Você está na Voz Ativa, não é
assim? Pois então passe parada voz PASSIVA para esta boneca ver.
Incontinenti a oraçãozinha desmanchou-se toda para formar outra da
seguinte maneira: O pica-pau foi comido pelo gato.
— Muito bem! — aprovou Dona Sintaxe. O E
para os meninos:
— Notem que Pica-Pau, que é o Objeto
Direto da primeira Oração, passou a ser Sujeito desta última, e reparem que o
Sujeito da primeira (Gato) passou a ser Complemento.
— Que Objeto Direto é esse, que
apareceu aí sem mais nem menos? — berrou Emília.
— Objeto Direto é aquilo que completa o
sentido do Verbo diretamente. A gente pergunta ao Verbo: o quê? E a resposta é
o tal Objeto Direto. O gato comeu o quê? O pica-pau. Logo, pica-pau é o Objeto
Direto.
— Que peste é a tal Gramática! — disse
Emília. — Tem coisas que não acabam mais. Só sinto que, em vez de ter comido o
pobre pica-pau, o gato não tivesse comido a Senhora Gramática, com todas estas
damas que andam por aqui...
Dona Sintaxe não ouviu e continuou:
— Por meio destas passagens de Sujeitos
para Complementos e de Complementos para Sujeitos é que as Orações passam da
Voz Ativa para a Voz Passiva. Entenderam?
Os meninos fizeram com a cabeça que
sim.
Durante toda a conversa Quindim
manteve-se de parte, ouvindo com muita atenção as palavras da grande dama e
aprovando-as com movimentos de chifre. Emília, que gostava de tirar a prova de
tudo, foi ter com ele para lhe perguntar num cochicho:
— Que acha desta senhora, Quindim? Sabe
mesmo Gramática ou está nos tapeando?
O rinoceronte riu-se filosoficamente.
— Como não há de saber, Emília, se ela
é a Sintaxe, ou uma das partes da própria Gramática? A Sintaxe dum lado e a
Lexiologia de outro formam a Gramática inteira. Nunca duvide do que a Senhora
Sintaxe disser...
OBRA INFANTO-JUVENIL DE
MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.
Entendendo o conto:
01
– Qual é a analogia usada por Emília para explicar a diferença entre Oração e
Período Gramatical, e qual é a definição de Período Simples e Período Composto,
de acordo com o conto?
Emília usa a analogia
da banana para a Oração e a penca de bananas para o Período Gramatical.
Período Simples: É o
que se compõe de só uma Oração (e, consequentemente, um só Verbo).
Período Composto: É o
que se compõe de duas ou mais Orações (governadas por dois ou mais Verbos).
02
– No trecho, Dona Sintaxe apresenta um tipo especial de Oração que "não
está ligada à outra, mas sim pendurada no meio da outra" e, se for
removida, "não estraga o resto". Qual é o nome dessa Oração e qual
"gancho" a conecta?
O nome dessa
Oração é Oração INTERFERENTE. O exemplo dado é: "O rinoceronte, que é um
sabido, está calado." O "gancho" que a conecta é o pronominho
Que.
03
– De acordo com Dona Sintaxe, quais são as três classes de Orações quanto ao
papel que representam no Período Composto?
As três classes
são:
Coordenadas: Ligadas
a outra Coordenada, geralmente por uma Conjunção (ex: "O pica-pau picou o
pau").
Principais: Aquela que "pensa
que é independente" e da qual as outras dependem para completar o sentido
(ex: "E fugiu" ou "Quindim está com fome").
Subordinadas: Também
chamadas de "escrava da Principal", pois sem a Oração Principal
"fica sem sentido" (ex: "Quando viu Quindim").
04
– Qual é o processo que a Oração na Voz Ativa passa para se transformar na Voz
Passiva, e como Dona Sintaxe define Objeto Direto?
A passagem de Voz
Ativa para Voz Passiva se dá pela troca de papéis dos termos: o Objeto Direto
da Voz Ativa passa a ser o Sujeito da Voz Passiva, e o Sujeito da Voz Ativa
passa a ser o Complemento (Agente da Passiva).
Objeto Direto é definido
como "aquilo que completa o sentido do Verbo diretamente." A forma de
encontrá-lo é perguntar ao Verbo: o quê? (Ex: "O gato comeu o quê? O
pica-pau").
05
– Ao final do trecho, Emília pergunta a Quindim se ele acha que Dona Sintaxe
"Sabe mesmo Gramática ou está nos tapeando?". Qual é a resposta do
rinoceronte e por que ele não tem dúvidas sobre o conhecimento da Senhora?
Quindim afirma
que não há como ela não saber, pois ela é a Sintaxe, que é "uma das partes
da própria Gramática". Ele conclui dizendo que a Sintaxe de um lado e a
Lexiologia do outro formam a Gramática inteira.
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