Conto: O PARAÍSO SÃO OS OUTROS – Fragmento
           Valter Hugo Mãe 
        [...] 
        Eu adoraria ver jacarés, ursos brancos
ou cobras de dez metros. Uma vizinha da nossa rua tem uma vaidosa galinha
d'Angola. Eu gosto de animais e mais ainda dos esquisitos e invulgares, até dos
que parecem feios por serem indispostos. Os bichos só são feios se não
entendermos seus padrões de beleza. Um pouco como as pessoas. Ser feio é
complexo e pode ser apenas um problema de quem observa. 
 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHWdTukLACHo4Yw4nz8VJuy-r_Y6tgsuJ_s8uf3V-WTvEKhUwBYu9iOesPk4_78Ddi5RrsrIPYJhC03Pw9_ZhbkA22Q2Ga2iwytny62AKxM7NExBz7Wl4-ohln6cr3ZXd_6J2ydqx76MOWoEVxqYu8UVjb81KEberbdKqohad9apmk5DLgRZchdYQ3wzI/s320/BELEZA.jpg
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHWdTukLACHo4Yw4nz8VJuy-r_Y6tgsuJ_s8uf3V-WTvEKhUwBYu9iOesPk4_78Ddi5RrsrIPYJhC03Pw9_ZhbkA22Q2Ga2iwytny62AKxM7NExBz7Wl4-ohln6cr3ZXd_6J2ydqx76MOWoEVxqYu8UVjb81KEberbdKqohad9apmk5DLgRZchdYQ3wzI/s320/BELEZA.jpg        Eu uso óculos desde os cinco anos de
idade. Estou sempre por detrás de uma janela de vidro. Não faz mal, é porque eu
inteira sou a minha casa. Sou como o caracol, mas muito mais alta e veloz. A
minha mãe também acha assim, que o corpo é casa. Habitamos com maior ou menor
juízo. 
        O jacaré é um bicho indisposto, eu sei.
Gosto muito dele, mas não devo chegar perto. Nunca vi, já disse. Tenho pena.
Talvez seja pior para o jacaré, por não o amar. Eu gosto dele mas não sei se
constrói. Estou a ser sincera. Ainda tenho que ler sobre isso. Talvez os bichos
ferozes construam coisas às quais não sabemos dar valor. É importante pensarmos
no valor que cada coisa ou lugar tem para cada bicho. Só assim vamos
compreender a razão de cada coisa ser como é. Depois de entendermos melhor, a
beleza comparece.
        [...].
MÃE, Valter H. O
paraíso são os outros. Porto: Porto Editora, 2014. p. 13.
Entendendo o conto:
01
– Qual é a principal ideia que o narrador desenvolve sobre a beleza, tanto em
relação aos animais quanto às pessoas?
      O narrador
estabelece que a beleza é subjetiva e complexa, sendo primariamente um problema
de perspectiva. Ele afirma que os bichos (e, implicitamente, as pessoas)
"só são feios se não entendermos seus padrões de beleza." Portanto, o
que é percebido como feio ou "indisposto" pode ser apenas uma falha
de compreensão ou um "problema de quem observa."
02
– Qual metáfora o narrador e sua mãe utilizam para descrever o corpo, e o que
ela implica sobre a forma como o indivíduo se relaciona com o mundo?
      A metáfora
utilizada é que o corpo é uma casa. O narrador se compara a um caracol, que
carrega sua casa. Essa imagem implica que o indivíduo é um ser que habita a si
mesmo, e a relação com o mundo se dá sempre a partir desse espaço interno
("eu inteira sou a minha casa"). A mãe acrescenta que se habita essa
casa "com maior ou menor juízo," sugerindo a importância da
consciência e da sabedoria na gestão do próprio ser.
03
– O narrador menciona que usa óculos desde cedo e que está "sempre por
detrás de uma janela de vidro." Como esse detalhe pode ser interpretado
simbolicamente, além de seu sentido literal?
      Simbolicamente,
os óculos e a "janela de vidro" reforçam a ideia de mediação e
observação. O narrador vê o mundo através de um filtro. Isso pode sugerir tanto
uma necessidade de correção da visão para enxergar o mundo com clareza, quanto
uma distância reflexiva ou uma barreira protetora entre o "eu-casa" e
o exterior, enfatizando sua postura contemplativa.
04
– Na reflexão sobre o jacaré, o narrador expressa uma dúvida: "Eu gosto
dele mas não sei se constrói." O que essa dúvida sugere sobre o critério
de valor que o narrador aplica, e como ele tenta resolver essa questão?
      A dúvida sobre o
jacaré "construir" sugere que o critério de valor do narrador está
ligado à utilidade ou à capacidade criativa de um ser. Ele tenta resolver essa
questão elevando o critério: propõe que, talvez, os bichos ferozes construam
coisas às quais os humanos não sabem dar valor. A resolução, portanto, é a
necessidade de compreensão e empatia, valorizando o que "cada coisa ou
lugar tem para cada bicho" antes de julgar seu valor.
05
– Qual é a condição final que o narrador estabelece para que a beleza de algo
ou alguém possa ser revelada?
      A condição final é a compreensão. O narrador afirma:
"Depois de entendermos melhor, a beleza comparece." Isso significa
que a beleza não é uma qualidade inerente e imediata do objeto, mas sim o
resultado de um processo de reflexão, entendimento e valorização da razão de
ser de cada coisa.
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário