Conto: Na Casa dos Pronomes – Emília no país da gramática
Monteiro Lobato
— Chega de Adjetivos — gritou a menina.
— Eu não sei por quê, tenho grande simpatia pelos PRONOMES, e queria visitá-los
já.
— Muito fácil — respondeu o
rinoceronte. — Eles moram naquelas casinhas aqui defronte. A primeira, e menor,
é a dos Pronomes PESSOAIS.

— Ela é tão pequena... — admirou-se
Emília.
— Eles são só um punhadinho, e vivem lá
como em república de estudantes.
E todos se dirigiram para a casa dos
Pronomes Pessoais enquanto Quindim ia explicando que os Pronomes são palavras
que também não possuem pernas e só se movimentam amarradas aos VERBOS.
Emília bateu na porta — toque, toque,
toque.
Veio abrir o Pronome Eu.
— Entrem, não façam cerimônia.
Narizinho fez as apresentações.
— Tenho muito gosto em conhecê-los —
disse amavelmente o Pronome Eu. — Aqui na nossa cidade o assunto do dia é
justamente a presença dos meninos e deste famoso gramático africano. Vão
entrando. Nada de cerimônias.
E em seguida:
— Pois é isso, meus caros. Nesta
república vivemos a nossa vidinha, que é bem importante. Sem nós os homens não
conseguiriam entender-se na terra.
— Todas as outras palavras dizem o
mesmo — lembrou Emília.
— E nenhuma está exagerando — advertiu
o Pronome Eu. — Todas somos por igual importantes, porque somos por igual
indispensáveis à expressão do pensamento dos homens.
— E os seus companheiros, os outros Pronomes
Pessoais? — perguntou Emília.
— Estão lá dentro, jantando.
À mesa do refeitório achavam-se os
Pronomes Tu, Ele, Nós, Vós, Eles, Ela e Elas. Esses figurões eram servidos
pelos Pronomes OBLÍQUOS, que tinham o pescoço torto e lembravam corcundinhas.
Os meninos viram lá o Me, o Mim, o Migo, o Nos, o Nosco, o Te, o Ti, o Tigo, o
Vos, o Vosco, o O, o A, o Lhe, o Se, o Si e o Sigo — dezesseis Pronomes
Oblíquos.
— Sim senhor! Que luxo de criadagem! —
admirou-se Emília. — Cada Pronome tem a seu serviço vários criadinhos oblíquos...
— E ainda há outros serviçais, os
Pronomes de TRATAMENTO — disse Eu. — Lá no quintal estão tomando sol os
Pronomes Fulano, Sicrano, Você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa
Majestade e outros.
— E para que servem os Senhores
Pronomes Pessoais? — perguntou a menina.
— Nós — respondeu Eu — servimos para
substituir os Nomes das pessoas. Quando a Senhorita Narizinho diz Tu,
referindo-se aqui a esta senhora boneca, está substituindo o Nome Emília pelo
Pronome Tu.
Os meninos notaram um fato muito
interessante — a rivalidade entre o Tu e o Você. O Pronome Você havia entrado
do quintal e sentara-se à mesa com toda a brutalidade, empurrando o pobre
Pronome Tu do lugarzinho onde ele se achava. Via-se que era um Pronome muito
mais moço que Tu, e bastante cheio de si. Tinha ares de dono da casa.
— Que há entre aqueles dois? —
perguntou Narizinho. — Parece que são inimigos...
— Sim — explicou o Pronome Eu. — O meu
velho irmão Tu anda muito aborrecido porque o tal Você apareceu e anda a
atropelá-lo para lhe tomar o lugar.
— Apareceu como? Donde veio?
— Veio vindo... No começo havia o
tratamento Vossa Mercê, dado aos reis unicamente. Depois passou a ser dado aos
fidalgos e foi mudando de forma. Ficou uns tempos Vossemecê e depois passou a
Vosmecê e finalmente como está hoje — Você, entrando a ser aplicado em vez do Tu,
no tratamento familiar ou caseiro. No andar em que vai, creio que acabará
expulsando o Tu para o bairro das palavras arcaicas, porque já no Brasil muito
pouca gente emprega o Tu. Na língua inglesa aconteceu uma coisa assim. O Tu lá
se chamava Thou e foi vencido pelo You, que é uma espécie de Você empregada
para todo mundo, seja grande ou pequeno, pobre ou rico, rei ou vagabundo.
— Estou vendo — disse a menina, que não
tirava os olhos de Você. — Ele é moço e petulante, ao passo que o pobre Tu
parece estar sofrendo de reumatismo. Veja que cara triste o coitado tem...
— Pois o tal Tu — disse Emília — o que
deve fazer é ir arrumando a trouxa e pondo-se ao fresco. Nós lá no sítio
conversamos o dia inteiro e nunca temos ocasião de empregar um só Tu, salvo na
palavra Tatu. Para nós o Tu já está velho coroca.
E mudando de assunto:
— Diga-me uma coisa, Senhor Eu. Está
contente com a sua vidinha?
— Muito — respondeu Eu. — Como os
homens são criaturas sumamente egoístas, eu tenho vida regalada, porque
represento todos os homens e todas as mulheres que existem, sendo pois tratado
dum modo especial. Creio que não há palavra mais usada no mundo inteiro do que
Eu. Quando uma criatura humana diz Eu, baba-se de gosto porque está falando de
si própria.
— E fora os Pronomes Pessoais não há
outros?
— Há sim — disse Eu —, moram aqui na
casa ao lado. Uns pobres coitados...
Os meninos despediram-se do Pronome Eu
para irem visitar os "coitados" da outra casa, muito admirados da
petulância e orgulho daquele pronominho tão curto.
— Parece que tem o presidente da
República na barriga — comentou a boneca.
E parecia mesmo...
Na outra casa os meninos encontraram os
Pronomes POSSESSIVOS — Meu, Teu, Seu, Nosso, Vosso e Seus com as respectivas
esposas e com os plurais. Emília, que achava as palavras Meu e Minha as mais
gostosas de quantas existem, agarrou o casalzinho e deu um beijo no nariz de
cada uma, dizendo:
— Meus amores!
Depois encontraram os Pronomes
DEMONSTRATIVOS — Este, Esse, Aquele, Mesmo, Próprio, Tal, etc, com as suas
respectivas esposas e parentes. As esposas eram Esta, Essa, Aquela, Mesma,
Própria, etc, e os parentes eram Essoutro, Estoutro, Aqueloutro, etc.
— Muito bem — disse Narizinho. — Vamos
adiante. Vejo alguns senhores muito conhecidos.
De fato, mais adiante os meninos
encontraram os Pronomes INDEFINIDOS, muito familiares a todos do bandinho. Eram
eles: Algum, Nenhum, Outro, Todo, Tanto, Pouco, Muito, Menos, Qualquer, Certo,
Vários, etc, com as suas respectivas formas femininas e os competentes plurais.
— São umas palavrinhas muito boas, que
a gente emprega a toda a hora — comentou Emília, sem entretanto beijar o nariz
de nenhuma.
Havia ainda os Pronomes RELATIVOS, quê
servem para indicar uma coisa que está para trás. Eram eles: Que, Quem, O Qual,
Cujo, Onde, etc, com as suas respectivas esposas e plurais. Quindim exemplificou:
— O Visconde, cuja cartolinha sumiu,
está danado. Nesta frase, o Pronome Cuja refere-se a uma coisa que ficou para
trás.
De fato, o Visconde havia perdido a sua
cartolinha na aventura com as Palavras Obscenas. Deixara-a para trás.
— Continue, Quindim — pediu Emília, e o
rinoceronte continuou.
— Temos, por fim, os Pronomes
INTERROGATIVOS, que servem para fazer perguntas. Todos usam um Ponto de
Interrogação no fim, para que a gente veja que são perguntativos.
E
os meninos viram lá os Interrogativos: Quê? Qual? Quanto? Quem?
Emília gostou de conhecer aqueles
Pronomes. Ela era a boneca que mais trabalho dava aos Senhores Pronomes
Interrogativos.
OBRA INFANTO-JUVENIL DE
MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.
Entendendo o conto:
01 – Como os Pronomes, assim
como os Adjetivos, conseguem se movimentar no bairro, já que "não possuem
pernas"?
Eles só se movimentam amarrados aos
VERBOS.
02 – Qual é a função essencial
dos Pronomes Pessoais, de acordo com o Pronome 'Eu'?
Eles servem para
substituir os Nomes das pessoas. (Ex: Substituir o Nome Emília pelo Pronome
Tu).
03 – Que Pronomes eram
chamados de OBLÍQUOS, qual era a sua aparência física e que papel social eles
desempenhavam na república?
Eram os pronomes
como Me, Mim, Migo, Te, Ti, Tigo, etc. Eles tinham o pescoço torto e pareciam
corcundinhas. Desempenhavam o papel de serviçais (criadagem) dos Pronomes
Pessoais.
04 – Cite três exemplos de
Pronomes de Tratamento que estavam "tomando sol" no quintal da casa.
Fulano, Sicrano,
Você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade (Três exemplos são:
Você, Vossa Senhoria, Vossa Majestade).
05 – Qual era a origem
histórica (evolução) do Pronome 'Você', e qual Pronome ele estava ameaçando
expulsar?
'Você' veio do
tratamento Vossa Mercê, que evoluiu para Vossemecê, depois Vosmecê e, por fim,
Você. Ele estava ameaçando expulsar o Pronome Tu.
06 – Qual é a razão pela qual
o Pronome 'Eu' afirma ter uma "vida regalada" e ser a palavra mais
usada no mundo?
Porque ele
representa todos os homens e todas as mulheres que existem, e como os humanos
são egoístas, eles "babam-se de gosto" ao falar de si próprios,
usando o Eu constantemente.
07 – Quais eram os cinco
grupos de Pronomes encontrados na casa vizinha à dos Pronomes Pessoais?
Pronomes
POSSESSIVOS, Pronomes DEMONSTRATIVOS, Pronomes INDEFINIDOS, Pronomes RELATIVOS
e Pronomes INTERROGATIVOS.
08 – Qual a função dos
Pronomes Possessivos e qual foi a reação de Emília ao ver os Pronomes 'Meu' e
'Minha'?
Eles indicam
posse. Emília os achava os "mais gostosos" de quantos existem, então
agarrou o casalzinho e deu um beijo no nariz de cada um.
09 – Qual é a função dos
Pronomes Relativos, e qual o exemplo usado por Quindim para se referir ao
Visconde?
Servem para
indicar ou se referir a uma coisa que está para trás (um termo já mencionado).
O exemplo dado foi: "O Visconde, cuja cartolinha sumiu, está danado."
10 – Como as pessoas conseguem
identificar que os Pronomes Interrogativos são "perguntativos"?
Todos os Pronomes
Interrogativos usam um Ponto de Interrogação (?) no fim.
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