Crônica: O FISCAL DA NOITE
Rubem Braga
Fui eu que vi o Cruzeiro erguer-se do
mar e mais tarde chegar até o horizonte de minha varanda; vi duas estrelas
muito brilhantes nascerem depois dele e subir também. Analfabeto olhando as estrelas,
segui sua navegação sem saber seus nomes; vigiei de meu imóvel tombadilho.

Estava solitário, mas não triste;
lembrei o velho dito dos "A noite ainda é uma criança."
Mas o tempo avança. Agora medito no
seio de uma noite como à sombra de uma grande árvore; de raro em raro, madura
cai uma estrela e se perde na escureza do céu ou do chão. Quase vejo o mar,
apenas o pressinto e o sei arfando lânguido, sem vento.
Deus me pôs nesta rede a olhar a noite.
Não tenho sono nem de sair; não telefonarei para ninguém. Sou como um débil
mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as estrelas, e acompanhado
com paciência sua marcha lenta. Devo dizer que estão se comportando bem, tanto
as mais novas como as mais velhas; andam de leste para de maneira morosa e
sensata, guardando com atenção as respectivas distâncias. Se o major-fiscal me
telefonar direi que não há nenhuma ração. O nascimento da lua está marcado para
as 24h45m da madrugada; espero que seja pontual e não me dê aborrecimentos. O
número de estrelas cadentes é diminuto.
Informarei: "Pequenas baixas; o
desperdício de estrelas durante a noite a meu cargo foi mínimo e, creio,
inevitável; nosso estoque é imenso, senhor major." O major comunicará ao
coronel, este ao general, este ao Presidente da República. O Presidente da
República expedirá mensagens congratulatórias a Deus e a Albert Einstein, no
Paraíso.
Adormeço na rede, e desperto assustado;
mas o céu está em ordem, e as estrelas marcham sempre na mesma direção, como
crianças bem-comportadas. Deus me pôs nesta rede, e o Diabo me fez dormir.
Felizmente a lua ainda não nasceu. Risco um fósforo para olhar meu relógio
("a opinião do prefeito de Genebra. sobre a hora de Ipanema"), meu
famoso relógio antimagnético, antiatômico e antilírico, e suspiro aliviado;
ainda faltam 18 minutos para o nascimento da lua. Levanto-me e tomo posição em
outro ângulo da varanda, murmurando: "Vamos providenciar
isso."
Rubem Braga. Para
gostar de ler, vol. 4. São Paulo, Ática, 1979.
Fonte: Gramática da
Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil
S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 175.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é a atitude do
narrador em relação às estrelas que observa no início da crônica?
O narrador se descreve como um "Analfabeto olhando as
estrelas", indicando que, embora as observe atentamente e siga sua
"navegação" ("vigiei de meu imóvel tombadilho"), ele não
sabe seus nomes.
02 – Qual é o estado de
espírito do narrador ao meditar na varanda?
Ele afirma que,
embora estivesse "solitário, mas não triste", no início. Depois, ao
meditar "no seio de uma noite como à sombra de uma grande árvore",
ele não tem sono nem vontade de sair ou telefonar, assumindo o papel de
observador paciente.
03 – Que comparação o narrador
utiliza para descrever a sua função de observador da noite?
Ele se compara a
um "débil mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as
estrelas, e acompanhado com paciência sua marcha lenta."
04 – Como o narrador avalia o
comportamento das estrelas sob sua "fiscalização"?
Ele informa que
elas estão se comportando bem, "tanto as mais novas como as mais
velhas", e que andam "de leste para de maneira morosa e sensata,
guardando com atenção as respectivas distâncias."
05 – Qual é a única
"preocupação" que o narrador tem com a chegada do novo astro?
A preocupação
dele é com o nascimento da lua, marcado para as 24h45m da madrugada. Ele espera
que ela "seja pontual e não me dê aborrecimentos."
06 – Qual é o teor do
relatório que o narrador planeja enviar ao "major-fiscal" sobre as
estrelas cadentes?
Ele planeja
informar: "Pequenas baixas; o desperdício de estrelas durante a noite a
meu cargo foi mínimo e, creio, inevitável; nosso estoque é imenso, senhor
major."
07 – O que leva o narrador a
despertar assustado na rede e o que o alivia?
Ele adormece na
rede e desperta assustado. O que o alivia é ver que "o céu está em ordem,
e as estrelas marcham sempre na mesma direção, como crianças bem-comportadas",
e constatar, olhando seu relógio, que a lua "ainda não nasceu",
faltando 18 minutos para o seu horário marcado.
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