Poesia: Li hoje quase duas páginas – XXVIII
Fernando
Pessoa
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas as flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram
pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.
PESSOA, Fernando. Obra
poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1986. p. 153.
Fonte: Português. Série
novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000.
São Paulo. p. 422.
Entendendo a poesia:
01 – Qual a crítica central do
poema em relação aos poetas místicos?
A crítica central
é que os poetas místicos antropomorfizam a natureza, atribuindo sentimentos e
características humanas a elementos como flores, pedras e rios. Para Caeiro,
essa visão é uma "doença filosófica" que distorce a realidade.
02 – Como o eu lírico define a
sua relação com a natureza?
O eu lírico
afirma que compreende a natureza "por fora", ou seja, de forma
objetiva e factual. Ele rejeita a ideia de uma natureza com "dentro",
com sentimentos ou alma, defendendo uma visão concreta e imediata do mundo.
03 – Qual o significado da
frase "Graças a Deus que as pedras são só pedras"?
Essa frase
expressa a satisfação do eu lírico com a realidade objetiva das coisas. Ele celebra
a simplicidade e a concretude da natureza, livre de interpretações místicas ou
sentimentais.
04 – Como a linguagem do poema
contribui para a expressão da visão do eu lírico?
A linguagem do
poema é direta, clara e concisa, refletindo a objetividade e a racionalidade do
eu lírico. Ele utiliza frases curtas e afirmativas, evitando metáforas
complexas ou ambiguidades.
05 – Qual a importância deste
poema dentro da obra de Fernando Pessoa?
Este poema é
fundamental para compreender a visão de mundo de Alberto Caeiro, um dos
heterônimos mais importantes de Fernando Pessoa. Caeiro representa uma
filosofia da objetividade e da simplicidade, em contraste com a complexidade e
a introspecção de outros heterônimos como Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
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