quarta-feira, 2 de abril de 2025

ROMANCE: DOM CASMURRO - A DENÚNCIA - CAP. III - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Romance: Dom Casmurro – A Denúncia cap. III

                    Machado de Assis

      Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da Rua de Mata-cavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_SwK0csaHl14EFeFYbkij4OPg0lS7sR4ATHIG_ZOl28HM8CJgNm6DVC4lyyEPkJ9QOSoP9gyMfIwJbnlW7iGilJ3KsmyLkg_xbKGrvyISGH52yY_5MwXgwtfErwGYWV4KE5fJjvlpJaJlXtgYm2p_NnC1GscxoZGkaL-DOjExg8-iPqkvzewTVd6IoZA/s320/36ab761f2ec82a329e469d8d69c17932.jpg


        -- D. Glória, a senhora persiste na ideia de meter o nosso Bentinho no seminário? É mais que tempo, e já agora pode haver uma dificuldade.

        -- Que dificuldade?

        -- Uma grande dificuldade.

        Minha mãe quis saber o que era. José Dias, depois de alguns instantes de concentração, veio ver se havia alguém no corredor; não deu por mim, voltou e, abafando a voz, disse que a dificuldade estava na casa ao pé, a gente do Pádua.

        -- A gente do Pádua?

        -- Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. Não me parece bonito que o nosso Bentinho ande metido nos cantos com a filha do Tartaruga, e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá muito que lutar para separá-los.

        -- Não acho. Metidos nos cantos?

        -- É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos. Bentinho quase que não sai de lá. A pequena é uma desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que as cousas corressem de maneira, que... Compreendo o seu gesto; a senhora não crê em tais cálculos, parece-lhe que todos têm a alma cândida...

        -- Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze à semana passada; são dois criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos, desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta cousa; daí vieram as nossas relações. Pois eu hei de crer...? Mano Cosme, você que acha?

        Tio Cosme respondeu com um "Ora!" que, traduzido em vulgar, queria dizer: "São imaginações do José Dias os pequenos divertem-se, eu divirto-me; onde está o gamão?"

        -- Sim, creio que o senhor está enganado.

        -- Pode ser, minha senhora. Oxalá tenham razão; mas creia que não falei senão depois de muito examinar...

        -- Em todo caso, vai sendo tempo, interrompeu minha mãe; vou tratar de metê-lo no seminário quanto antes.

        -- Bem, uma vez que não perdeu a ideia de o fazer padre, tem-se ganho o principal. Bentinho há de satisfazer os desejos de sua mãe e depois a igreja brasileira tem altos destinos. Não esqueçamos que um bispo presidiu a Constituinte, e que o Padre Feijó governou o Império...

        -- Governou como a cara dele! atalhou tio Cosme, cedendo a antigos rancores políticos.

        -- Perdão, doutor, não estou defendendo ninguém, estou citando O que eu quero é dizer que o clero ainda tem grande papel no Brasil.

        -- Você o que quer é um capote; ande, vá buscar o gamão. Quanto ao pequeno, se tem de ser padre, realmente é melhor que não comece a dizer missa atrás das portas. Mas, olhe cá, mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre?

        -- É promessa, há de cumprir-se.

        -- Sei que você fez promessa... mas uma promessa assim... não sei... Creio que, bem pensado... Você que acha, prima Justina?

        -- Eu?

        -- Verdade é que cada um sabe melhor de si, continuou tio Cosme; Deus é que sabe de todos. Contudo, uma promessa de tantos anos... Mas, que é isso, mana Glória? Está chorando? Ora esta pois isto é cousa de lágrimas?

        Minha mãe assoou-se sem responder. Prima Justina creio que se levantou e foi ter com ela. Seguiu-se um alto silêncio, durante o qual estive a pique de entrar na sala, mas outra força maior, outra emoção... Não pude ouvir as palavras que tio Cosme entrou a dizer. Prima Justina exortava: "Prima Glória! Prima Glória!" José Dias desculpava-se: "Se soubesse, não teria falado, mas falei pela veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo...".

Dom Casmurro. São Paulo: Moderna, 2004, p. 19-20. (Coleção Travessias; a edição publicada por Machado de Assis é de 1899).

Fonte: Português. Uma proposta para o letramento. Magda Soares – 8º ano – 1ª edição. Impressão revista – São Paulo, 2002. Moderna. p. 65-66.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o contexto inicial do capítulo III?

      O capítulo começa com o narrador, Bentinho, relembrando um momento de sua adolescência, em 1857, na casa da Rua de Mata-cavalos. Ele se esconde atrás da porta e ouve uma conversa entre sua mãe, Dona Glória, e José Dias.

02 – Qual é a "denúncia" feita por José Dias?

      José Dias alerta Dona Glória sobre a proximidade entre Bentinho e Capitu, a filha do vizinho Pádua. Ele sugere que os dois estão "metidos nos cantos" e que pode haver um namoro entre eles, o que dificultaria o plano de enviar Bentinho para o seminário.

03 – Qual é a reação de Dona Glória à denúncia de José Dias?

      Inicialmente, Dona Glória se mostra incrédula. Ela argumenta que Bentinho e Capitu são apenas crianças e que foram criados juntos desde a infância. No entanto, ela também demonstra preocupação e decide que é hora de enviar Bentinho para o seminário.

04 – Quem é Tio Cosme e qual é a sua opinião sobre a situação?

      Tio Cosme é um parente da família que participa da conversa. Ele minimiza a preocupação de José Dias, dizendo que são apenas "imaginações" e que os jovens estão apenas se divertindo.

05 – Qual é a importância da promessa feita por Dona Glória?

      Dona Glória fez uma promessa de enviar Bentinho para o seminário, e essa promessa é um dos principais conflitos do romance. A conversa no capítulo III revela a tensão entre o desejo da mãe de cumprir a promessa e a crescente ligação entre Bentinho e Capitu.

06 – Como José Dias tenta justificar a sua denúncia?

      José Dias, tenta se justificar dizendo que falou por "veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever amaríssimo...". Ele tenta mostrar que suas intenções são boas.

07 – Qual é o clima emocional no final do capítulo?

      O final do capítulo é marcado por emoções intensas. Dona Glória chora, e há um silêncio tenso na sala. Bentinho, escondido, sente uma "outra força maior, outra emoção", indicando o impacto da conversa em seus sentimentos.

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