Crônica: Vitória nossa
Clarice Lispector
O que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia?
Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos.
Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos, nem aos outros.
Não temos nenhuma alegria que tenha sido catalogada.
Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu medo.
Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve a bebida com soda.
Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio.
Temos mantido em segredo a nossa morte.
Temos feito arte por não sabermos como é a outra coisa.
Temos disfarçado com amor nossa indiferença, disfarçado nossa indiferença com a angústia, disfarçando com o pequeno medo o grande medo maior.
Não temos adorado, por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo”, e assim não chorarmos antes de apagar a luz.
Temos tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos sem saber se amam.
Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia...
Entendendo o texto
01. O que a crônica "Vitória Nossa"
de Clarice Lispector destaca como algo que consideramos vitória em nosso
cotidiano?
A crônica destaca que consideramos vitória o que temos feito de nós mesmos, especialmente a capacidade de não sermos tolos, acumular seguranças, evitar ser ingênuos e não nos entregarmos completamente.
02. Segundo a
crônica, qual é a razão pela qual evitamos cair de joelhos diante do primeiro
que, por amor, nos diz "teu medo"?
Evitamos cair de joelhos diante do primeiro que por amor nos diz "teu medo" por medo de nos entregarmos completamente, o que seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo.
03. Quais são
algumas das coisas que temos feito para evitar reconhecer a verdadeira natureza
de nossos sentimentos, como o amor e o ódio?
Temos evitado usar as palavras "amor" e "salvação" para não reconhecer a contextura de amor e ódio, além de disfarçar a indiferença com angústia e o medo maior com pequenos medos.
04. De acordo com a
crônica, por que construímos catedrais, mas ficamos do lado de fora temendo que
se tornem armadilhas?
Construímos catedrais, mas ficamos do lado de fora porque tememos que as catedrais que nós mesmos construímos se tornem armadilhas, representando o receio de nos entregarmos completamente.
05. Como a crônica
aborda a relação entre a arte e a falta de conhecimento sobre "a outra
coisa"?
A crônica destaca que temos feito arte porque não sabemos como é "a outra coisa", sugerindo que a criação artística é uma forma de lidar com a incerteza sobre aspectos desconhecidos da vida.
06. Qual é a atitude
destacada na crônica em relação à morte, e por que isso é mencionado como algo
que temos mantido em segredo?
A crônica destaca que temos mantido em segredo a nossa morte, indicando uma relutância em encarar ou reconhecer a inevitabilidade da morte, possivelmente como uma forma de evitar confrontar a própria vulnerabilidade.
07. Como a crônica
aborda a ideia de reconhecer a inocência, especialmente em relação ao uso da
palavra "salvação"?
A crônica
menciona que evitamos usar a palavra "salvação" para não nos
envergonharmos de ser inocentes, sugerindo uma relutância em aceitar ou
reconhecer a simplicidade e pureza, preferindo manter uma postura mais
mesquinha e sensata.