Artigo de opinião: A Utopia da Desconexão
Talvez seja preciso ser um
bilionário para se dar ao luxo de não ter um smartphone
Esteve no Brasil na semana passada o
escritor Yuval Noah Harari, conhecido mundialmente por seus livros “Sapiens” e
“Homo Deus”. Tive a oportunidade de conversar com ele em três eventos
distintos, incluindo um realizado no Congresso Nacional, com presença massiva
de parlamentares. Em uma das conversas, ele confessou que “não tem smartphone”.
Essa revelação leva a pensar o que
significa no mundo de hoje – para quem tem condições de pagar por conexão – não
ter um smartphone.
Uma resposta a essa indagação pode ser
encontrada involuntariamente no documentário sobre a vida de Bill Gates [...].
O documentário é interessante. No entanto, o que mais me chamou a atenção é o
fato de que Gates vive praticamente desconectado. Ele lê livros em papel
(muitos!) e dá a impressão de que raramente chega perto de um computador ou de
um smartphone.
Isso ilustra o fato de que no mundo de
hoje talvez seja preciso ser um bilionário do nível de Bill Gates para se dar
ao luxo de não ter um smartphone.
Como disse Harari quando perguntei
sobre isso: “O maior símbolo de status no mundo de hoje é a desconexão. Se você
tem um smartphone, significa que você tem um chefe. Pode ser seu marido, seus
filhos ou colegas de trabalho. Podem ser também os próprios aplicativos. Por
meio do aparelho você está condicionado a ser acionado por alguém a qualquer
momento”.
Harari diz que, apesar de não ter
smartphone, seu marido tem. E isso o protege das infinitas demandas que vêm
através do aparelho, segundo ele “abrindo tempo para que ele possa pensar e
escrever”.
Perguntei
também o que ele recomendaria nesse contexto de overdose de informação. Sua
resposta foi justamente a importância de buscar proteger espaços de desconexão.
Criar “santuários” mentais. Momentos em que temos autonomia e tranquilidade
para deixar a mente livre.
Esse é, aliás, um dos principais pontos
enfatizados por Harari. A humanidade nos últimos séculos teve um progresso
imenso na área de saúde, com a invenção das vacinas e dos antibióticos e
avanços em medicina e prevenção. Não por acaso, a expectativa de vida era de 49
anos nos Estados Unidos no início do século 20 e hoje é de 78 anos.
O problema é que, se avançamos em saúde
física, em saúde mental não se pode dizer o mesmo. Especialmente por causa da
velocidade da mudança atual, casos de ansiedade ou depressão estão se tornando
cada vez mais visíveis.
Harari lida com isso meditando duas
horas por dia, além de partir uma vez por ano para um retiro isolado de ao
menos um mês. Soluções que usualmente não são acessíveis à maioria das pessoas.
No mundo em desenvolvimento, a situação
é ainda mais paradoxal. Há ao mesmo tempo o desafio de conectar os
desconectados e de reparar os excessos da ultraconexão. Tarefa cada vez mais
difícil em um mundo em que a sobrevivência depende cada vez mais de estar
conectado o tempo todo.
No Brasil conheço apenas uma pessoa
que, tendo dinheiro, optou por não ter smartphone. E você, quantas pessoas
conhece?
Reader
Já era: Esquecer
que 40% dos brasileiros até 2018 nunca usaram um computador.
Já é: Trabalhar para conectar 100% do país e
especialmente as escolas públicas.
Já vem: Cultivar autonomia para se desconectar.
Lemos, Ronaldo. A
utopia da desconexão. Folha de S. Paulo, 11 nov. 2019.
Fonte: Linguagens em
Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas
Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 182-183.
Entendendo o artigo:
01 – De acordo com o texto, qual
o significado das palavras abaixo:
·
Paradoxal: algo contraditório.
·
Utopia: projeto de natureza ideal, irrealizável ou impossível.
02 – Qual é o principal argumento de Yuval Noah Harari
sobre o uso de smartphones?
Harari argumenta
que o maior símbolo de status no mundo atual é a desconexão. Ele sugere que ter
um smartphone significa estar constantemente à disposição de alguém, seja um
chefe, um familiar, ou até mesmo dos próprios aplicativos, limitando a
autonomia pessoal.
03
– Por que Harari não usa smartphone?
Harari opta por
não usar smartphone para se proteger das infinitas demandas que o aparelho
traz, o que lhe permite ter tempo para pensar e escrever. Ele acredita que essa
desconexão é crucial para manter a saúde mental.
04
– Como Harari lida com a overdose de informações e o excesso de conexão?
Harari lida com a
overdose de informações e o excesso de conexão meditando duas horas por dia e
participando de retiros isolados de pelo menos um mês, uma vez por ano. Essas
práticas o ajudam a criar “santuários” mentais para manter a tranquilidade e a
autonomia.
05
– Qual é o paradoxo da conectividade no mundo em desenvolvimento mencionado no
artigo?
No mundo em
desenvolvimento, existe o paradoxo de que, ao mesmo tempo que há o desafio de
conectar os desconectados, há também a necessidade de reparar os excessos da
ultraconexão, o que se torna cada vez mais difícil em um mundo onde a
sobrevivência depende de estar sempre conectado.
06
– Como Bill Gates exemplifica a ideia de desconexão no artigo?
Bill Gates é
citado como um exemplo de alguém que vive praticamente desconectado. Ele lê
livros em papel e raramente usa computadores ou smartphones, ilustrando que é
preciso ser bilionário para se dar ao luxo de não ter um smartphone e manter
essa desconexão.
07
– Quais são os avanços mencionados no artigo em relação à saúde física e
mental?
O artigo destaca
que a humanidade fez enormes progressos em saúde física nos últimos séculos,
como a invenção de vacinas e antibióticos, que aumentaram a expectativa de
vida. No entanto, a saúde mental não acompanhou esses avanços, com casos
crescentes de ansiedade e depressão devido à velocidade das mudanças
tecnológicas e sociais.
08
– O que Harari recomenda para lidar com o excesso de conexão e a sobrecarga de
informações?
Harari recomenda
a criação de “santuários” mentais, ou seja, momentos de desconexão que permitam
à mente estar livre de interferências, proporcionando autonomia e tranquilidade
essenciais para o bem-estar mental.
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