Entrevista: “Chega de ‘dicas para se tornar mais sustentável’”, diz Cristal Muniz – Fragmento
Milene Chaves – Colaboração para
Universa – 05/06/2019 12h29
Chega de dicas? A catarinense Cristal
Muniz, ativista do movimento lixo zero no Brasil, entende que é preciso dar uma
reciclada nos assuntos e aproveitar este 5 de junho, Dia Mundial do Meio
Ambiente, para ir além daquela lista de dicas com jeito de enlatada, que surge
na data e costuma incluir as palavras ecobag e canudo de metal como solução
imediata para todos os problemas ecológicos. "É hora de elevar o debate e
parar de subestimar as pessoas", defende. "Vamos começar a discutir
que impactos causamos no mundo, e como podemos mudar isso”.
Em entrevista a Universa, Cristal, de
27 anos, conta que foi uma criança criada para ser consciente, do tipo que
separava o lixo e usava um produto até o fim antes de jogá-lo fora. Mas algo
clicou quando ela entrou em contato com o conteúdo da blogueira norte-americana
Lauren Singer e tomou conhecimento do movimento que pretende zerar o lixo em
casa -- ou, ao menos, diminuir intensamente seu volume -- por meio da
eliminação do desperdício, do consumo de plástico, de produtos com aditivos
químicos. Em 2015, criou o blog "Um Ano Sem Lixo" para compartilhar
experiências no processo de adesão ao movimento.
[...] A entrevista que você lê abaixo
[...] não tem dica fácil, mas provoca uma boa reflexão.
Em 2019, quais questões o Dia
Mundial do Meio Ambiente deve suscitar?
Ainda estamos pensando em "dicas
para se tornar mais sustentável", mas já falamos tanto disso que se tornou
repetitivo. Precisamos elevar o debate; começar a discutir que impactos causamos
no mundo, e como podemos mudar isso. [...]
Que responsabilidade o
governo, as empresas e os consumidores têm sobre o lixo?
A Política Nacional de Resíduos
Sólidos, de 2010, diz que a responsabilidade é compartilhada, portanto é do governo,
das empresas e dos consumidores. Porém, para fazer a nossa parte, dependemos de
ações dessas esferas maiores. As empresas devem informar nas embalagens qual é
o descarte adequado, além de aplicar políticas de logística reversa [quando o
fabricante recolhe o resíduo descartado pelo consumidor], especialmente para
produtos que não vão para a coleta comum. Também é preciso que os municípios
ofereçam a coleta seletiva, hoje presente em apenas 18% das cidades do País. Se
o lugar onde compramos uma lâmpada oferece a coleta de lâmpadas, por exemplo,
isso estimula o consumidor a fazer a sua parte. Quando essa estrutura não
existe, as pessoas precisam se responsabilizar 100% pelo resíduo.
Quais são os erros mais comuns
a respeito do descarte do lixo?
Produzimos em casa três grupos de lixo:
os recicláveis, como papel, metal e vidro; os orgânicos, que são as cascas de
alimentos, e que podem ir para a compostagem para virar adubo, e os rejeitos,
que não podem ser reciclados nem compostados. Se déssemos o tratamento adequado
aos diferentes lixos, apenas a última categoria seria enviada aos aterros. Mas
ainda há uma grande quantidade de pessoas que simplesmente não separa o lixo.
Outra questão é não dar o destino certo a itens que são aproveitáveis, mas que
não entram no caminhão da coleta comum: pilhas, baterias e eletrônicos devem ir
para pontos específicos de coleta. Não tem mágica; não basta apenas colocar um
resíduo na sacola de recicláveis e dar por garantido que aquilo terá destino
certo.
Que
produtos contêm plástico e a maioria das pessoas nem desconfia?
Fiquei chocada quando descobri que
pastas de dente e esfoliantes de pele contêm microplásticos, que cumprem a
função de abrasão. São os polietilenos que se lê no rótulo. Essas microesferas
escapam do tratamento de esgoto pois não há filtro que consiga bloqueá-las. O
plástico absorve radioatividade e agrotóxicos, por exemplo, e vai carregando
essas substâncias por onde passa. Amostras de torneira de água potável pelo
mundo revelaram alto teor de plástico, que vêm das microesferas, mas também de
microfibras de plástico que se soltam desses produtos de beleza e de tecidos
sintéticos. Até sal pode ter plástico, é meio desesperador.
Qual é o primeiro item que,
urgentemente, deveríamos parar de consumir?
O plástico tem se mostrado o mais
problemático. De qualquer forma, deveríamos parar de consumir do jeito que
consumimos. Nada será extremamente nocivo se o consumo for consciente. Se
usarmos o produto até o final, se fizermos o uso adequado dele, se pensarmos na
sua criação e descarte, aproveitando 100% da matéria-prima, aí não tem vilão.
Temos casas abarrotadas e mais coisas do que somos capazes de usar. Se
repensarmos desde o desperdício da comida até a compra de novos itens,
questionando o modelo de ter e comprar cada vez mais, vamos melhorar a questão.
[...].
CHAVES, Milene. “Chega
de ‘dicas para se tornar mais sustentável’”, diz Cristal Muniz. UOL, 5 jun.
2019. Disponível em: www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/06/05/chega-de-dicas-para-se-tornar-mais-sustentavel-diz-cristal-muniz.htm.
Acesso em: 20 jul. 2020.
Fonte: Linguagens em
Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas
Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 169-170.
Entendendo a entrevista:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Ecobag: sacola retornável feita de pano ou outros materiais
recicláveis, em substituição à sacola plástica.
·
Aditivo químico: ingrediente adicionado intencionalmente para modificar as
características de um produto.
·
Compostagem: técnica utilizada para transformar restos orgânicos (como
sobras de alimento, por exemplo) em adubo.
·
Polietileno: tipo de plástico.
02
– Por que Cristal Muniz critica as "dicas para se tornar mais
sustentável"?
Cristal Muniz acredita que
as dicas de sustentabilidade, como o uso de ecobags e canudos de metal, se
tornaram repetitivas e superficiais. Ela defende que o debate precisa ser
elevado para discutir os impactos reais que causamos no mundo e como podemos
mudá-los de maneira mais profunda e consciente.
03
– Qual é a responsabilidade do governo, das empresas e dos consumidores em
relação ao lixo, segundo Cristal Muniz?
Cristal Muniz
destaca que, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a
responsabilidade sobre o lixo é compartilhada entre governo, empresas e
consumidores. No entanto, para que os consumidores possam fazer sua parte, é
necessário que o governo e as empresas implementem políticas adequadas, como a
coleta seletiva e a logística reversa.
04
– Quais são os erros mais comuns que as pessoas cometem ao descartar o lixo?
Muitos não
separam corretamente o lixo em recicláveis, orgânicos e rejeitos. Além disso,
há um erro em não dar o destino correto a itens como pilhas, baterias e
eletrônicos, que exigem pontos específicos de coleta. Cristal ressalta que
simplesmente colocar algo na sacola de recicláveis não garante que ele terá o
destino certo.
05
– Que produtos contêm plástico e que a maioria das pessoas desconhece?
Cristal menciona
que produtos como pastas de dente e esfoliantes de pele contêm microplásticos,
que são usados para abrasão. Esses microplásticos, como polietilenos, não são
filtrados no tratamento de esgoto e acabam contaminando a água potável e até o
sal.
06
– Qual é o primeiro item que deveríamos parar de consumir urgentemente, segundo
Cristal Muniz?
Cristal aponta o
plástico como o item mais problemático, mas enfatiza que o problema maior é o
consumo desenfreado. Ela sugere que devemos consumir de forma consciente,
usando os produtos até o fim e aproveitando ao máximo a matéria-prima,
repensando nosso modelo de consumo.
07
– Como Cristal Muniz se envolveu com o movimento lixo zero?
Cristal Muniz foi
criada para ser consciente em relação ao meio ambiente, mas seu envolvimento
com o movimento lixo zero começou após entrar em contato com o conteúdo da
blogueira norte-americana Lauren Singer. Inspirada por esse movimento, ela criou
em 2015 o blog "Um Ano Sem Lixo" para compartilhar suas experiências
e aderir ao movimento.
08
– O que Cristal Muniz sugere para elevar o debate sobre sustentabilidade no Dia
Mundial do Meio Ambiente?
Ela sugere que,
ao invés de focar em dicas superficiais, devemos discutir os impactos que
causamos no mundo e como podemos mudá-los. Cristal acredita que é necessário
parar de subestimar as pessoas e começar a refletir sobre mudanças mais
profundas em nosso comportamento e consumo.
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