Poema: Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio
Ricardo
Reis
Vem sentar-te comigo, Lídia, à
beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos
as mãos).
Depois pensemos, crianças
adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais
longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não
vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E
sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem
paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E
sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente,
pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo
correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e
deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos
inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes,
lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem
fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o
óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã
triste e com flores no regaço.
Fernando Pessoa, Poemas Completos de Ricardo Reis.
Entendendo o poema:
01
– Qual a principal temática abordada no poema?
A principal
temática do poema é a passagem do tempo, a finitude da vida e a importância de
viver o presente de forma serena e contemplativa. O poeta convida a amada a
refletir sobre a efemeridade da existência e a aceitar a morte como parte
natural do ciclo da vida.
02
– Qual o papel do rio como metáfora no poema?
O rio simboliza o
fluxo contínuo da vida, que segue seu curso inexorável. Ele representa a
passagem do tempo, a inevitabilidade da morte e a impossibilidade de voltar
atrás. O rio também simboliza a serenidade e a tranquilidade que o poeta busca
para si e para sua amada.
03
– Qual a proposta de relacionamento entre o eu lírico e Lídia?
O eu lírico
propõe um relacionamento tranquilo e sereno, baseado na amizade e na
cumplicidade. Ele não busca paixões intensas ou posses, mas sim um amor maduro
e consciente da finitude da vida. A proposta é viver o momento presente de
forma intensa, mas sem apegos excessivos.
04
– Qual a importância da natureza para o eu lírico?
A natureza,
representada pelo rio e pelas flores, serve como cenário para a reflexão sobre
a vida e a morte. Ela proporciona um ambiente tranquilo e inspirador,
convidando à contemplação e à serenidade. A natureza também simboliza a beleza
e a simplicidade da existência.
05
– Qual a visão de morte presente no poema?
A morte é vista
como parte natural do ciclo da vida, um destino inevitável para todos. No
entanto, o poeta não a teme, mas a aceita com serenidade. A morte é vista como
uma libertação dos sofrimentos e das paixões, um retorno à natureza e à
eternidade.
06
– Qual o papel da memória na relação entre o eu lírico e Lídia?
A memória é
importante para o eu lírico, pois ele deseja que Lídia se lembre dele com
carinho, mas sem sofrimento. Ele busca uma lembrança serena e tranquila, que o
associe à natureza e à simplicidade.
07
– Qual a influência da cultura clássica no poema?
O poema apresenta diversas
referências à cultura clássica, como a menção ao Fado e a figura do barqueiro
sombrio (Caronte). Essa influência confere ao poema um tom atemporal e
universal, conectando-o às grandes questões da existência humana. Além disso, a
valorização da serenidade, da contemplação e da aceitação do destino são
características típicas da filosofia estoica, que teve grande influência na
cultura clássica.
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