Conto fantástico: A MOÇA TECELÃ (Fragmento)
Marina Colasanti
Acordava ainda no escuro, como se
ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo se sentava-se ao
tear.
[...]
Nada lhe faltava. Na hora da fome,
tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa,
pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que
entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia
tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era
tudo o que queria fazer. Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em
que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido
ao seu lado.
Não esperou o dia seguinte. Com o
capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete
as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi
aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. [...]
[...]
Aquela noite, deitada contra o ombro
dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a
sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas
se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o
poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia
lhe dar.
-- Uma casa melhor é necessária, –
disse para a mulher. [...].
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu
suficiente. – Para que ter casa, se podemos ter palácio? – [...].
[...]
Afinal o palácio ficou pronto. [...]
Sem descanso tecia a mulher os
caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas
de criados. Tecer era tudo o que fazia.
Tecer era tudo o que queria fazer.
[...] E pela primeira vez, pensou como
seria bom estar sozinha de novo.
[...] Segurou a lançadeira ao
contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer o seu
tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.
Depois desteceu os criados e o palácio
e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e
sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido,
estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. [...].
Então, como se ouvisse a chegada do
sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios,
delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
Marina Colasanti. A moça tecelã. In: ___. Doze reis e a moça no
labirinto do vento. São Paulo: Global, 2006.
Entendendo o conto:
01 – Agora, vamos verificar
como foram trabalhados os elementos da narrativa no conto “A moça tecelã”.
a) Por qual tipo de narrador esse conto é narrado? Comprove sua resposta com um trecho do texto.
O conto é narrado por um narrador-observador. “Então, como se
ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara”.
b) Informe quem é o protagonista da narrativa e quem é o antagonista.
A protagonista é a moça, e o antagonista é o marido.
c) No conto “A moça tecelã”, protagonista e antagonista não têm nomes próprios; eles são identificados por suas características. De acordo com a leitura que você fez do texto, descreva-os com suas palavras.
A moça tinha hábitos simples e precisava de pouco para viver bem; o
homem era elegante e tinha o rosto barbado, além de ser dominador e ganancioso.
d) Em relação ao tempo da narrativa, responda às perguntas:
·
É possível precisar a época em que a história
ocorreu? Justifique sua resposta.
Não é possível precisar a época em que a história ocorreu, pois não
há nenhum elemento que faça referência a isso.
· Quanto à duração da história, é possível saber quanto tempo se passou desde o início dos acontecimentos até o fim? Justifique sua resposta.
Não é possível saber, apenas supor que tenha se passado o tempo
suficiente para que a moça pudesse tecer o marido e alguns de seus desejos,
como o palácio, cansar-se da solidão em que novamente estava vivendo e desfazer
todo o trabalho.
e) Em uma narrativa, é comum o uso de algumas expressões que marcam a passagem do tempo e a sucessão dos acontecimentos, tais como: logo, depois, em breve, durante muito dias, assim. Volte ao texto, localize e sublinhe algumas dessas expressões.
Resposta pessoal do aluno.
f) Nos contos fantásticos, embora o espaço em que se passa a história seja, geralmente, surreal, fantástico, ele representa um ambiente real. Esse aspecto colabora com a intencionalidade presente no texto: falar de coisas reais a partir do simbólico, do figurado. Explique de que modo essa oposição entre o real e o fantástico se estabelece na história “A moça tecelã” por meio do espaço.
A casa pequena, onde a história começa, transforma-se em uma casa melhor;
depois, em um palácio e, novamente, na casa pequena, onde a história termina.
g) Identifique as partes do enredo que compõem a narrativa do conto “A moça tecelã”.
·
Situação inicial – A moça vivia seus dias tecendo as cores do dia e o pouco que precisava
para viver.
·
Complicação ou desenvolvimento – Sentindo-se sozinha, a moça tece um marido para lhe fazer
companhia, mas este, ao saber do poder do tear, pensava apenas nas coisas todas
que ele poderia lhe dar.
·
Clímax – A moça, que sem descanso tecia os caprichos do marido, pensou
como seria bom estar sozinha de novo. Assim, decidiu desfazer seu tecido,
destecendo o marido, o palácio e todas suas maravilhas.
·
Desfecho – A moça, novamente, vê-se em sua pequena casa, tecendo a manhã
no horizonte.
02 – O conto inicia
descrevendo a protagonista (personagem principal) em sua ação de tear. Os
elementos que ela tecia no começo da história mostram que:
( ) O que ela tecia a tornava uma moça rica e
bem dotada.
( ) O que ela tecia deixava sua casa mais
bonita e aconchegante.
(X)
O que ela tecia eram elementos da natureza e aqueles essenciais a sua
sobrevivência apenas.
03 – “E feliz foi, durante
algum tempo”. Por que a felicidade da moça foi momentânea?
Porque tecer era tudo o que ela queria e
tecia os caprichos do marido até ela se dar conta de que estava triste, pois
percebeu que os desejos do marido não correspondiam aos seus, além de se
perceber “presa” a esses caprichos, o que lhe ocasionou uma tristeza “maior que
o palácio com todos os seus tesouros”.
04 – Nos contos fantásticos,
uma das características principais é a presença de elementos mágicos, que fogem
aos da vida real. Nesse conto de Marina Colasanti, quais são os elementos
mágicos que podem caracterizá-lo como um conto fantástico?
O elemento mágico
do conto é o teor da moça, por meio do qual ela tecia seus dias; o alimento,
quando sentia fome; um marido, quando se sentiu sozinha, e todos os caprichos
dele, até desmanchá-los e voltar a viver sozinha.
05 – O conto “A moça
tecelã” pode ser considerado um conto de fadas moderno. Sendo assim, que
contraponto podemos fazer em relação ao desfecho (a parte final da narrativa)
desse conto e os contos de fadas tradicionais?
Nos contos de
fadas tradicionais, o final feliz acontece quando a protagonista se casa com o
príncipe que a salvou do antagonista. No conto lido, a protagonista encontra a
felicidade quando volta a viver sozinha, pois seu “príncipe” era, ao mesmo
tempo, o antagonista, que a prejudicava.
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