CONTO: O MILAGRE
STANISLAW PONTE PRETA
Naquela pequena
cidade as romarias começaram quando correu o boato do milagre. É sempre assim.
Começa com um simples boato, mas logo o povo – sofredor, coitadinho e pronto a
acreditar em algo capaz de minorar sua perene chateação – passa a torcer para
que o boato se transforme numa realidade, para poder fazer do milagre a sua
esperança.
Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso, homem bom, tranquilo, amigo
da gente simples, que fora em vida um misto de sacerdote, conselheiro, médico,
financiador dos necessitados e até advogado dos pobres, nas suas eternas
questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote na expressão do termo:
fizera de sua vida um apostolado.
Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade morando com a gente do lugar. E era em
sinal de reconhecimento que conservavam o quarto onde ele vivera, tal e qual o
deixara. Era um quartinho modesto, atrás da venda. Um catre (porque em
histórias assim, a cama do personagem chama-se catre), uma cadeira, um armário
tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou sendo uma espécie de monumento
à sua memória, já que a Prefeitura local não tinha verba para erguer sua
estátua.
E foi quando um dia… ou melhor, uma noite, deu-se o milagre. No quarto dos
fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma hora em que o padre
costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu uma vela acesa.
– Milagre!!! –
quiseram todos.
E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha o filho doente, logo se
ajoelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu pela criança. Ao
chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o filho
brincando, fagueiro.
– Milagre!!! – repetiram todos. E o grito de “Milagre!!!” reboou por sobre
montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de
outros povoados. E logo começaram as romarias.
Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo quanto é canto e ficava ali
plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela. Outros padres, coronéis,
até deputados, para oficializar o milagre. E quando eram mais ou menos seis da
tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava acender sua vela… a vela se
acendia e começavam as orações. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, homens e
mulheres caíam de joelhos, pedindo.
Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos foram os casos de doenças
curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais diversos. Mas, como tudo
passa, depois de alguns anos passaram também as romarias. Foi diminuindo a
fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na lembrança do povo.
O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como era, e ainda existe, atrás
da venda, o quarto que fora do padre. Passamos outro dia por lá. Entramos e
pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos atrás do balcão, a
roubar no peso, que nos servisse uma cerveja. O português, então, berrou para
um pretinho, que arrumava latas de goiabada numa prateleira:
– Ó Milagre,
sirva uma cerveja ao freguês!
Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que pusera o nome de Milagre naquele
afilhado? E o português explicou que não, que o nome do pretinha era Sebastião.
Milagre era apelido.
– E por quê? –
perguntamos.
– Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do
padre.
(STANISLAW PONTE PRETA. O melhor de Stanislaw Ponte
Preta. 3a. Edição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1988)
Entendendo o texto
01. Segundo o texto, o que leva o
povo a acreditar no boato do milagre?
A prontidão para
acreditar em algo que seja capaz de minorar suas dificuldades e sofrimentos.
02. No segundo parágrafo do texto
temos a caracterização do vigário. Qual classe de palavras desempenha função
fundamental nesse parágrafo?
Os adjetivos (piedoso,
bom, tranquilo, amigo, simples, financiador).
03. Justifique o uso dos parênteses
no terceiro parágrafo.
Os parênteses foram
usados para inserir uma explicação a respeito de uma palavra de uso pouco
corrente, utilizada no texto.
04. Um bom texto se constrói a partir
de algumas sutilezas, pequenas colocações que, para um leitor desatento,
passariam despercebidas. No trecho: “- Milagre!!! – quiseram todos.”
explique por que a forma verbal em negrito (quiseram) foi usada, em vez de falaram
ou gritaram.
O autor quis dar ênfase
àquilo que todos queriam ter naquele momento: algo que os levasse a ter
esperanças. Por isso o uso do verbo querer e não falar ou gritar.
05. Que fato ajudou a consolidar o
“milagre”?
Uma vela sempre
aparecia acesa na hora em que o vigário, quando vivo, costumava ler o seu
breviário.
06. O texto fala de uma criança que
estava doente e sarou em função do pedido que a mãe fez ao vigário. O narrador
tem certeza desse fato? Explique sua resposta.
Não. Na frase: “Ao
chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora encontrou o
filho brincando, fagueiro” o uso do verbo contar seguido do pronome “se” indica
que o sujeito é indeterminado, isto é, não se pode determinar quem conta a
história, portanto não há como comprovar se o fato realmente aconteceu. Além
disso, no final do texto encontramos a explicação a respeito da vela que
aparecia acesa na casa do padre.
07.
Segundo o
texto, o que foi necessário para oficializar o milagre?
A vinda de outros
padres, coronéis e até deputados.
08.
Em que
passagem do texto temos a universalização da crença no milagre?
“E o grito de
“Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no
ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.”
09.
O
narrador emite um juízo de valor a respeito do português. Qual é esse juízo
de valor?
O narrador afirma que o
português era um ladrão pois, “…vive há muitos anos atrás do balcão, a
roubar no peso…”, embora tal fato não fora comprovado. O fato dele ser um
comerciante que vendia materiais à retalho é que levou o autor a emitir essa
opinião.
10.
Observe a
frase: “O português, então, berrou…” Nesse contexto, a palavra português
é um substantivo. Escreva uma frase em que essa palavra seja empregada como
adjetivo.
Resposta pessoal.
Exemplo: O vinho português é de boa qualidade.
11.
Após a
leitura do conto de Stanislaw Ponte Preta, redija uma frase que sirva de “moral
da história”.
Resposta pessoal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário