segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

DIÁRIO: QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA - (FRAGMENTO) - CAROLINA MARIA DE JESUS - COM GABARITO

 Diário: Quarto de despejo: diário de uma favelada(Fragmento)

           Carolina Maria de Jesus

        13 DE MAIO Hoje amanheceu chovendo. E um dia simpático para mim. E o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos.

        ...Nas prisões os negros eram os bodes expiatórios. Mas os brancos agora são mais cultos. E não nos trata com despreso. Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz.

        Continua chovendo. E eu tenho só feijão e sal. A chuva está forte. Mesmo assim, mandei os meninos para a escola. Estou escrevendo até passar a chuva, para eu ir lá no senhor Manuel vender os ferros. Com o dinheiro dos ferros vou comprar arroz e linguiça. A chuva passou um pouco. Vou sair.

        ...Eu tenho tanto dó dos meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer eles brada:

        — Viva a mamãe!

        A manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o habito de sorrir. Dez minutos depois eles querem mais comida. Eu mandei o João pedir um pouquinho de gordura a Dona Ida. Ela não tinha. Mandei-lhe um bilhete assim:

        — "Dona Ida peço-te se pode me arranjar um pouco de gordura, para eu fazer uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu não pude ir catar papel. Agradeço. Carolina."

        ... Choveu, esfriou. E o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera começou pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetáculo. Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos.

        E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual — a fome!

        15 DE MAIO Tem noite que eles improvisam uma batucada e não deixa ninguém dormir. Os visinhos de alvenaria já tentaram com abaixo assinado retirar os favelados. Mas não conseguiram. Os visinhos das casas de tijolos diz:

        — Os políticos protegem os favelados.

        Quem nos protege é o povo e os Vicentinos. Os políticos só aparecem aqui nas épocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava nosso café, bebia nas nossas xícaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais.

        ...Eu classifico São Paulo assim: O Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.

            JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2007. p. 27-28.

Fonte: Práticas de Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Faraco – Moura – Maruxo – 1ª ed., São Paulo, 2020. Ed. Saraiva. p. 80-1.

Entendendo o Diário:

01 – Que termos a escritora usa para indicar:

a)   O espaço físico onde vivia.

“Os visinhos das casas de tijolos diz: – Os políticos protegem os favelados”; “O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1963 passava os domingos aqui na favela”; “Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos”.

b)   O contexto histórico em que ocorreram os fatos relatados.

“O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953...”; “Eu estava com dois cruzeiros”.

02 – Que trechos do texto não apenas relatam os acontecimentos, mas expressam uma reflexão de Carolina Maria de Jesus?

      “É um dia simpático para mim. É o dia da Abolição”; “Mas o brancos são mais cultos”; “E no inverno a gente come mais”; “E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravidão atual – a fome!”; “Que Deus ilumine os brancos para que os pretos seja feliz”.

03 – A fome percorre o diário todo, como se esta fosse uma personagem. No trecho lido, como ela aparece?

      Aparece no relato, quando a escritora pede alimentos emprestados e na reflexão dela a respeito da fome.

04 – O título da obra parece ser mais do que uma síntese da favela. Que sentido(s) você consegue perceber nele?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Aceite as respostas que lhe pareçam bem argumentadas.

 

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