Poema: O Auto do Frade
(Fragmento)
(Doze trechos deste longo e
sensacional poema).
Acordar não é de dentro,
acordar é ter saída.
Acordar é reacordar-se
ao que em nosso redor gira. (p. 17)
acordar é ter saída.
Acordar é reacordar-se
ao que em nosso redor gira. (p. 17)
Padre existe é para rezar
pela alma, mas não contra a fome. (p. 23)
pela alma, mas não contra a fome. (p. 23)
Por que será que ele não fala,
nem diz nada sua boca muda?
Senhor que ele foi das palavras,
não há uma só que hoje acuda. (p.26)
nem diz nada sua boca muda?
Senhor que ele foi das palavras,
não há uma só que hoje acuda. (p.26)
– Parecia que estava bêbado.
Era álcool ou sua desrazão?
– Bêbado da luz do Recife:
fez esquecer sua aflição.
– Mas pareceu falar em versos.
É isso estar bêbado ou não?
– Mesmo sem querer fala em verso
quem fala a partir do coração. (p. 31)
Era álcool ou sua desrazão?
– Bêbado da luz do Recife:
fez esquecer sua aflição.
– Mas pareceu falar em versos.
É isso estar bêbado ou não?
– Mesmo sem querer fala em verso
quem fala a partir do coração. (p. 31)
Eu era um ponto qualquer
na planície sem medida,
em que as coisas recortadas
pareciam mais precisas,
mais lavadas, mais dispostas
segundo clara justiça. (p. 36)
na planície sem medida,
em que as coisas recortadas
pareciam mais precisas,
mais lavadas, mais dispostas
segundo clara justiça. (p. 36)
Sei que traçar no papel
é mais fácil que na vida.
Sei que o mundo jamais é
a página pura e passiva.
O mundo não é uma folha
de papel, receptiva:
o mundo tem alma autônoma,
é de alma inquieta e explosiva. (p. 36)
é mais fácil que na vida.
Sei que o mundo jamais é
a página pura e passiva.
O mundo não é uma folha
de papel, receptiva:
o mundo tem alma autônoma,
é de alma inquieta e explosiva. (p. 36)
Risco nesse papel praia,
em sua brancura crítica,
que exige sempre a justeza
em qualquer caligrafia;
que exige que as coisas nele
sejam de linhas precisas;
e que não faz diferença
entre a justeza e a justiça. (p. 37)
em sua brancura crítica,
que exige sempre a justeza
em qualquer caligrafia;
que exige que as coisas nele
sejam de linhas precisas;
e que não faz diferença
entre a justeza e a justiça. (p. 37)
Parece que o sagrado é poeira:
Muito facilmente é raspado. (p. 45)
Muito facilmente é raspado. (p. 45)
– Veio andando calmo e sem medo,
ar aberto de amigo, e brando.
– Não veio desafiando a morte
nem indiferença ostentando.
– Veio como se num passeio,
mas onde o esperasse um estranho. (p. 57)
ar aberto de amigo, e brando.
– Não veio desafiando a morte
nem indiferença ostentando.
– Veio como se num passeio,
mas onde o esperasse um estranho. (p. 57)
– É um homem como qualquer um,
e profeta não se pretende.
– É um homem e isso não chegou:
um homem plantado e terrestre.
(…)
Viveu bem plantado na vida,
coisa que a gente nunca esquece. (p. 61)
e profeta não se pretende.
– É um homem e isso não chegou:
um homem plantado e terrestre.
(…)
Viveu bem plantado na vida,
coisa que a gente nunca esquece. (p. 61)
O peso do morto é o motor,
porém o carrasco é o operário. (p. 69)
porém o carrasco é o operário. (p. 69)
– Esperar é viver num tempo
em que o tempo foi suspendido.
– Mesmo sabendo o que se espera,
na espera tensa ele é abolido.
– Se se quer que chegue ou que não,
numa espera o tempo é abolido.
– E o tempo longo mais encurta
o da vida, é como um suicídio. (p. 74)
em que o tempo foi suspendido.
– Mesmo sabendo o que se espera,
na espera tensa ele é abolido.
– Se se quer que chegue ou que não,
numa espera o tempo é abolido.
– E o tempo longo mais encurta
o da vida, é como um suicídio. (p. 74)
Edição: Editora Objetiva, 2010.
(Fonte: Livro - Língua, Literatura, Redação - José de Nicola. Vol.3 . 9ª ed. Ed. Scipione - p.248/9)
SÍNTESE
O Auto do Frade de 1984, é um poema de
fundo histórico falando sobre a vida e destino de Frei Caneca, condenado à
morte em 1825 por estar envolvido na Confederação do Equador. Um poema para
vozes, exemplo do teatro poético do autor, João Cabral de Melo Neto.
Em Auto do Frade, a estrutura textual é
diversa: os monólogos são construídos em redondilhas maiores, enquanto os
demais versos são octossílabos.
Os versos exprimem a força política e
revolucionária das palavras de Frei Caneca.
A morte é o tema central.
Os personagens são: Frei Caneca
(Joaquim do Amor Divino Rabelo), as pessoas de Recife e os oficiais da justiça.
João Cabral divide seu poema em sete
partes, que são elas: na cela, na porta da cadeia, da cadeia à Igreja do Terço,
no Adro do Terço, da Igreja do Terço ao Forte, na Praça do Forte e no Pátio do
Carmo; e domina seu texto de poema para vozes, diga-se de passagem, um poema
para muitas vozes, onde aparecem vozes da sociedade em geral que vai, desde as
autoridades jurídicas, eclesiásticas, políticas, militares e o povo
representado pelas ruas do Recife.
Entendendo o poema:
01 – De que se trata este
poema?
É de fundo
histórico falando sobre a vida e o destino de Frei Caneca.
02 – Por que ele é condenado
à morte em 1825?
Por estar
envolvido na Confederação do Equador.
03 – O Auto do Frade tem uma
estrutura textual diversa. Explique.
Os monólogos são
construídos em redondilhas maiores, enquanto os demais versos são octossílabos.
04 – Como se divide o poema?
Explique.
Divide-se em sete
partes, que são elas: na cela, na porta da cadeia, da cadeia à Igreja do Terço,
no Adro do Terço, da Igreja do Terço ao Forte, na Praça do Forte e no Pátio do
Carmo.
05 – Nos versos: “Padre
existe é para rezar / pela alma, mas não contra a fome”. (p. 23). De que o
Frade falava nestes versos?
Ele tinha o dom
da palavra, seus sermões eram capazes de mobilizar bastante pessoas; por isso,
proibido de falar, pois sua fala causava grande perigo ao Império.
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