Crônica: Emergência
Luís Fernando Veríssimo
É fácil identificar o passageiro de
primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da
aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
– Bom-dia...
– Como assim?
Ele faz questão de sentar num banco de
corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa
dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo.
Confidencia para o passageiro ao seu lado:
— Não encontro o buraquinho. Não tem
buraquinho?
Acaba esquecendo a fivela e dando um nó
no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: "Até aqui, tudo
bem." O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele
não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
— Obrigado. Não bebo.
Quando o avião começa a correr pela
pista antes de levantar voo, ele é aquele com os olhos arregalados e a
expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela
janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela. Mas o pior está
por vir. De repente, ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os
lados para descobrir de onde sai a voz. "Senhores passageiros, sua
atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de
rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na
frente, nos dois lados e atrás."
— Emergência? Que emergência? Quando eu
comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem
emergência.
Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta
acalmá-lo.
–
Isto é apenas rotina, cavalheiro.
– Odeio a rotina. Aposto que você diz
isso para todos. Ai, meu santo.
"No caso de despressurização da
cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus
compartimentos."
— Que história é essa? Que
despressurização? Que cabina?
"Puxe a máscara em sua direção.
Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e
respire normalmente."
— Respirar normalmente?! A cabina
despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças — e ele quer
que a gente respire normalmente.
"Em caso de pouso forçado na água..."
— O quê?!"
...os assentos de suas cadeiras são
flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e..."
— Essa não! Bancos flutuantes, não!
Tudo, menos bancos flutuantes!
– Calma, cavalheiro.
– Eu desisto! Parem este troço que eu
vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
– Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
– Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está
tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que,
aliás, também parece consternado e levemente azul.
– Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.
– Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
– Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a
respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
— É que banco flutuante é demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado.
Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
A aeromoça diz que vai lhe trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo:
— Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo
alguma coisa!
Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira.
Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a
sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a
cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento
sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de
oxigênio e matá-lo do coração. De repente, outra voz. Desta vez é a do
comandante.
— Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa
direita, podemos ver a cidade de...
Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
— Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!
Para
gostar de ler. São Paulo, Ática, 1982. v. 7. p. 52-4.
Fonte: Português – Linguagem
& Participação, 5ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas –
Ed. Saraiva, 1999, p. 173-6.
Entendendo a crônica:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Identificar: reconhecer.
·
Desafio: provocação; estímulo.
·
Atar: prender, apertar.
·
Confidenciar: dizer em segredo.
·
Compartimento: repartição, divisão.
· Despressurização: perda da pressão atmosférica mantida artificialmente na
cabine.
·
Suprimento: abastecimento.
·
Pouso: ato de descer à terra.
·
Consternado:
aflito, horrorizado.
02 – Algumas palavras e
expressões do texto descrevem o passageiro em detalhes, revelando seu pavor.
Quais são elas?
Desconfiado,
desafio, confidência, falso riso descontraído, olhos arregalados, a expressão
de Santa Mãe do Céu! no rosto.
03 – Que tipo de narrador,
temos na crônica Emergência?
Narrador em
terceira pessoa, alguém que observa os fatos, sem adivinhar o que as
personagens estão pensando.
04 – Qual o traço básico do
comportamento da personagem principal?
É o medo de
avião.
05 – Como é o voo do avião
para todos os passageiros e a tripulação?
O voo é muito
tranquilo, nada acontece de assustador.
06 – Como se comporta o
passageiro durante o voo?
O passageiro se
comporta de modo diferente: não aceita nada da aeromoça, desconfia de tudo,
reclama, desespera-se por qualquer motivo.
07 – Durante o voo, o
passageiro permanece muito nervoso, havendo um momento em que ele perde o
controle. Qual é esse momento?
Quando ele tenta estrangular
o passageiro sentado ao lado dele.
08 – Você achou o texto
engraçado? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
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ExcluirME AJUDOU MTO, OBRIIII
ResponderExcluirPreciso de ajuda nos desafios
ResponderExcluirQual seria a situação inicial da narrativa?qual climax? O desfecho?
ResponderExcluir