terça-feira, 10 de março de 2020

CRÔNICA: EMERGÊNCIA - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO


Crônica: Emergência
             
                  Luís Fernando Veríssimo

     É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
        – Bom-dia...
        – Como assim?
        Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado:
        — Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
        Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: "Até aqui, tudo bem." O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
        — Obrigado. Não bebo.
        Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar voo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela. Mas o pior está por vir. De repente, ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz. "Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás."
        — Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência.
        Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
        – Isto é apenas rotina, cavalheiro.
        – Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai, meu santo.
        "No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos."
        — Que história é essa? Que despressurização? Que cabina?
        "Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente."
        — Respirar normalmente?! A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças — e ele quer que a gente respire normalmente.
        "Em caso de pouso forçado na água..."
        — O quê?!"
        ...os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e..."
        — Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes!
        – Calma, cavalheiro.
        – Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
        – Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
        – Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul.
        – Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.
        – Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
        – Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
       Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
       — É que banco flutuante é demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
        A aeromoça diz que vai lhe trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo:
        — Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
       Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração. De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.
       — Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de...
       Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
       — Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!
                                  Para gostar de ler. São Paulo, Ática, 1982. v. 7. p. 52-4.
                             Fonte: Português – Linguagem & Participação, 5ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1999, p. 173-6.
Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Identificar: reconhecer.
·        Desafio: provocação; estímulo.
·        Atar: prender, apertar.
·        Confidenciar: dizer em segredo.
·        Compartimento: repartição, divisão.
· Despressurização: perda da pressão atmosférica mantida artificialmente na cabine.
·        Suprimento: abastecimento.
·        Pouso: ato de descer à terra.
·        Consternado: aflito, horrorizado.

02 – Algumas palavras e expressões do texto descrevem o passageiro em detalhes, revelando seu pavor. Quais são elas?
      Desconfiado, desafio, confidência, falso riso descontraído, olhos arregalados, a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto.

03 – Que tipo de narrador, temos na crônica Emergência?
      Narrador em terceira pessoa, alguém que observa os fatos, sem adivinhar o que as personagens estão pensando.

04 – Qual o traço básico do comportamento da personagem principal?
      É o medo de avião.

05 – Como é o voo do avião para todos os passageiros e a tripulação?
      O voo é muito tranquilo, nada acontece de assustador.

06 – Como se comporta o passageiro durante o voo?
      O passageiro se comporta de modo diferente: não aceita nada da aeromoça, desconfia de tudo, reclama, desespera-se por qualquer motivo.

07 – Durante o voo, o passageiro permanece muito nervoso, havendo um momento em que ele perde o controle. Qual é esse momento?
      Quando ele tenta estrangular o passageiro sentado ao lado dele.

08 – Você achou o texto engraçado? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.


5 comentários:

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  2. Qual seria a situação inicial da narrativa?qual climax? O desfecho?

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