Texto: Marco e os índios do
Araguaia
Estávamos pousando no campo da aldeia
dos Garotires.
O campo era péssimo, até mamãe se
assustou com os solavancos do avião.
-- Por que você não põe os índios para
aplainar o campo? – perguntou mamãe ao titio.
-- Porque não são meus contratados,
respondeu-lhe titio. Estamos aqui como “uma presença de civilização” de cultura
branca e não para transformá-los no que desejamos, e julgamos ser melhor. O que
é bom para nós, às vezes, é péssimo para eles. Esse foi o grande erro do
passado, desculpável dentro da época, mas, atualmente, sem razão de ser. Devemos
respeitá-los como portadores de sua própria cultura, não inferior à nossa, mas,
simplesmente, diferente. Toda cultura é perfeita, preste atenção, Marco, na
medida em que ela satisfaz as necessidades de um povo.
Tudo isso me parece estanho, preciso
dormir no assunto. Pensava de um modo diferente e até mesmo achava “ser bacana”
o branco chegar, ensinar o que sabia e conhecia, levando presentes úteis;
pratos, talheres, roupas... enfim que os brancos fossem os adultos e os índios,
as crianças.
-- Li há dias a respeito do
relacionamento do índio com os brancos; até há pouco não foi feito numa base certa
e positiva. Daí as lutas, vinganças e muito sangue, quando há uma aproximação
nossa com tribos afastadas.
No dia seguinte, a conversa foi somente
sobre os índios...
Mamãe perguntou ao titio:
-- Ney, fiquei pensando por que vocês,
vendo os índios lutarem com tantas dificuldades, não querem levar todos os
confortos de nossa civilização para coloca-los ao alcance deles: panelas,
pratos...
-- E assim acabar com a vida própria
deles? Você não ouviu ontem no avião nossa conversa a respeito? Por que
deixariam os Tapirapés, habitantes da Ilha do Bananal, de fabricar cerâmica,
belo trabalho de artesanato?
-- Mas atrasados, disse mamãe; você não
pode negar que os nossos pratos são mais bonitos que os deles.
-- No seu ponto de vista de pintora de
porcelana e de cerâmica nas horas vagas. Para um antropólogo, disse titio
brincando, até que trabalham bem. Um antropólogo, mana, não trocaria uma tigela
desbeiçada dos tapirapés por uma rica peça de Limoges.
-- Não falo só do ponto de vista
estético, mas penso se não seria bom, melhor para eles tão atrasados, a nossa
civilização!
-- Minha cara, o que você entende por
civilização? Temos nossa cultura e a cultura é tudo aquilo que recebemos do
passado e devemos legar ao futuro. Ora, nossa cultura é nossa cultura, a dos
índios é a deles mesmos.
-- Mas, argumentava mamãe, o processo,
ou seja, a marcha da civilização não é irreversível? A civilização caminha para
a frente abrindo estradas, aumentando seus meios de comunicações.
-- Sim, está certo, é mesmo
incontrolável, mas quero que você saiba distinguir entre civilização e cultura.
Preste atenção, Marco, isso é importante! Temos a comunidade e a cidade. Não
são estágios inferiores, são diferentes: a primeira é sempre simples, a segunda
complexa. Nunca a cultura de uma comunidade pode ser chamada de atrasada, na
medida em que satisfaça todas as necessidades do grupo. Ora, como você mesmo
disse, a civilização caminha através de espaços até a lua... e nada mais a
detém, gás poderoso que é em sua expansão. Então, como fazer, como proceder,
uma vez que a sociedade primitiva também tem seu equilíbrio dinâmico, isso é,
seu equilíbrio sempre para a frente?
Eu não perdia um “til”, nem respirava,
prestando atenção, com medo de não entender bem o que falavam.
-- Vou dar-lhe um exemplo fácil de se
entender. O contato entre índios e brancos, aqui no Brasil, tem sido feito na
base de interesse econômico. As frentes pioneiras até agora não passaram de grupos
de sertanejos, de estrangeiros, de classes dominadoras, que vieram com o fito
de escravizar os índios nos seringais, no plantio de cacau.
-- E, intrometeu-se papai, que voltava
das consultas e lavava as mãos para o almoço... os efeitos surgidos pela
relação entre os índios e brancos não são bons, para eles, têm consequências
muito acentuadas. Os índios veem nos brancos seres privilegiados, que possuem
mais conforto e bem-estar. Há uma grande competição e eles sentem-se vencidos.
Sabem o que primeiro eles adotam? O fósforo, para não mais produzirem fogo com
os métodos da raça. E, depois, quando falta fósforo?
-- Não sabem e nem podem fabricá-lo e
não querem mais o atrito dos paus, uns contra os outros...
-- Difícil, não?! O índio tem
desenvolvido em si grande sensibilidade para com a natureza. São gêmeos dela,
amam a liberdade, gostam de ir e vir sem relógios para marcar ponto e nós somos
escravos da hora. Naturalmente que na nossa civilização o relógio é necessário,
mas lá na tribo, não é...
Marco e os índios do
Araguaia. Odette de Barros Mott.
Fonte: Livro
– Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série – Marilda Prates – Ed.
Moderna, 2005 – p.170-3.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Antropófago: Que come carne humana.
· Antropólogo: Aquele que estuda as características biológicas e culturais
do homem.
·
Aplainar: Alisar com plaina.
·
Artesanato: Confecção de objetos artísticos.
·
Civilização: Estado de progresso e cultura social.
·
Cultura: Saber, costumes e tradições.
·
Fito: Objetivo.
·
Irreversível: Que não pode voltar ao estado anterior.
·
Legar: Transmitir.
·
Pioneiro: O primeiro.
·
Portador: Que conduz.
· Limoges: Cidade francesa onde se produz uma das principais porcelanas
do mundo.
02 – O que você entende por
dormir no assunto? Forme uma frase com a expressão.
Significa
refletir sobre algo.
03 – Explique, com suas
palavras, o que entendeu ao ler as frases:
a)
Estamos aqui como uma presença de
civilização.
Estamos aqui presentes, trazendo nossa cultura.
b)
A marcha da civilização é irreversível.
O desenvolvimento não pode voltar ao seu estado primitivo.
c)
Eu não perdia um til.
Eu estava muito atento para não perder nada.
04 – Reescreva as frases, no
seu caderno, substituindo as expressões destacadas por sinônimos
correspondentes ao texto.
a)
Não falo só do ponto de vista estético.
Artístico ou da harmonia das formas.
b)
Quero que você saiba distinguir entre civilização e cultura.
Diferençar.
c)
Temos a comunidade
e a cidade.
Sociedade (grupo social).
d)
Vieram com o fito de escravizar os índios nos seringais.
Oprimir.
05 – O texto apresenta duas
culturas diferentes. Qual das duas alternativas a seguir define melhor o tema?
Justifique sua escolha.
a)
As comunidades indígenas com suas estradas de
chão batido e o desenvolvimento dos grandes centros.
b)
A cultura indígena e a cultura dos
brancos.
06 – O texto faz alusão a
duas tribos indígenas diferentes. Quais são elas?
A aldeia dos
Gorotires e os Tapirapés da Ilha do Bananal.
07 – O fato ocorre num dia
apenas ou se estende a mais dias? Comprove com palavras do texto.
A conversa se
estende a mais dias. “No dia seguinte, a conversa foi somente sobre os
índios...”; “Você não ouviu ontem no avião nossa conversa a respeito?”.
08 – Cite alguns personagens
do texto.
Marco, Ney (o
tio), a mãe de Marco e o pai de Marco (médico).
09 – A personagem que narra
a história participa da viagem? Quem é ela?
Sim. É Marco.
10 – Com o que a personagem
narradora estava preocupada?
Em não perder um
“til” de toda a conversa sobre os índios.
11 – Copie, em seu caderno,
apenas os pensamentos corretos. A personagem narradora ficou preocupa:
a)
Porque nunca tinha visto índios.
b)
Porque tinha ideias diferentes
sobre os índios e seu tio estava revelando coisas extraordinárias.
c)
Porque queria ajudar os índios.
12 – “Pensava de um modo
diferente e até mesmo achava “ser bacana” o branco chegar, ensinar o que sabia
e conhecia, levando presentes úteis...”
a)
Marco achava que os índios deviam ser vistos
como crianças. Seria mais difícil vê-los como adultos? Por quê?
Porque a relação entre eles se tornaria de igual para igual. Teria
que aprender a respeitar outra cultura e até a questionar a sua maneira de
viver.
b)
A explicação que Ney deu à mãe de Marco fez
com que o menino refletisse sobre sua maneira de pensar. Por quê?
Porque percebeu que os índios não eram um povo a ser melhorado, mas
a ser respeitado.
13 – As classes dominadoras,
ou seja, os grupos que detêm o poder econômico, escravizaram os índios.
Escravizar pessoas de determinado grupo indica que esse grupo é considerado
inferior, menos do que humano. Que ideia presente no texto poderia ter levado
alguém a acreditar que índios podiam ser escravizados?
A ideia de que a
cultura do “homem branco” é mais adiantada, a certa, a correta.
14 – Que outro fator
apresentado pelo texto, além do indicado acima, levou à escravização dos
índios?
O interesse
econômico.
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