ROMANCE: Jeca
Tatu – Fragmento
Monteiro
Lobato
Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no
romance e feio na realidade!
Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca
filósofo...
Quando comparece às feiras, todo mundo
logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e
ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher (...) Nada mais.
Seu grande cuidado é espremer todas as
consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe.
Começa na morada. Sua casa de sapé e
lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura
biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri
posta sobre o chão batido.
Às vezes se dá ao luxo de um banquinho
de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil,
portando, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que
assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os
quais se sentam?
Nenhum talher. Não é a munheca um
talher completo – colher, garfo e faca a um tempo?
Seus remotos avós não gozaram maiores
comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se
bem sem isso.
Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras
na parede, Jeca não se move a repô-las. Ficam pelo resto da vida os buracos
abertos, a entremostrarem nesgas de céu.
Quando a palha do teto, apodrecida,
greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de remendar a tortura,
limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante...
Remendo... Para quê? Se uma casa dura
dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia
economiza reparos.
LOBATO, Monteiro. Urupês.
São Paulo, Brasiliense, 1948. p. 245-6.
Fonte: Livro-
Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 298-9.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Biboca: Casa humilde, com cobertura de palha.
·
Bosquímano: Indivíduo dos bosquímanos, povo sul-africano.
·
Espipar: Esticar, estender.
·
Peri
(ou piri): Espécie de jungo do qual se
fazem esteiras; piripiri.
·
Munheca: Mão.
·
Remoto: Antigo, distante.
·
Seteira: fresta.
·
Nesga: Pequeno espaço.
·
Gretar: Rasgar.
·
Gamela: Vasilha de madeira ou barro.
02 – O que podemos concluir
ao compararmos a personagem de Monteiro Lobato com o índio Peri, de José de
Alencar, e os bravos e orgulhosos caboclos dos romances regionalistas do mesmo
período?
Aquelas
personagens eram idealizadas, enquanto o Jeca, de Monteiro Lobato, é real.
03 – Em Jeca Tatu, Monteiro
Lobato investe contra a idealização do caboclo, apontando algumas das suas
características negativas. Qual delas é a mais criticada no texto?
A preguiça
(relacionada ao conformismo).
04 – Jeca mercador, Jeca
lavrador, Jeca filósofo...” Este parágrafo refere-se ao Jeca de Monteiro Lobato
ou aos caboclos dos romances românticos?
Aos caboclos dos
romances românticos.
05 – Você crê que Monteiro
Lobato queria chamar a atenção para uma realidade que deveria ser invertida ou
pretendeu apenas ridicularizar o caboclo? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: A intenção de Lobato de chamar a atenção de seus leitores
para aspectos importantes da realidade brasileira.
Obrigada
ResponderExcluir