Crônica: Qual destes é seu pai?
Moacyr Scliar
Lamento dizer, meu filho, mas não sou
nenhum desses.
Não sou, por exemplo, o Superman. Não
consigo sair por aí voando, embora muitas vezes tenha vontade de fazê-lo; tenho
de me mover no atrapalhado trânsito desta cidade num modesto Gol, com a
esperança de não chamar a atenção dos assaltantes nem de ficar na rua com o
pneu furado. Também não tenho, como o Superman, a visão de Raio-X; mal consigo
ler, com muita dificuldade e incredulidade, as notícias que aparecem
diariamente nos jornais e que nos falam de um mundo convulsionado e de um país
perplexo.
Não sou o Homem Invisível. Não consigo
passar despercebido; tenho que ocupar o meu lugar na sociedade, goste dele ou
não.
Não
sou o He-Man. Não tenho a Força; pelo menos não aquela força. Tenho uma pequena
força, o suficiente para garantir o pão nosso de cada dia, e mesmo alguma
manteiga, o que não é pouco, neste país em que muita gente morre de fome.
Não sou o Rambo; não tenho aquela
formidável musculatura, nem as armas incríveis, nem o feroz ódio contra os
inimigos (aliás, quem são os inimigos?). Não sou o Tio Patinhas, não sou um
Transformer, não sou o Príncipe Valente. Não sou o Rei Arthur, nem Merlin, o
Mago, nem Fred Astaire. O que sou então?
Sou o que são todos os pais. Homens
absolutamente comuns, a quem um filho transforma de repente (porque os pais são
criados pelos filhos, assim como os filhos são criados pelos pais: a criança é
o pai do homem). Homens comuns que levantam de manhã e vão trabalhar. Homens
que se angustiam com as prestações a pagar, com os preços do supermercado, com
as coisas que estão sempre estragando em casa. Homens que de vez em quando
jogam futebol, que às vezes fazem churrasco, que ocasionalmente vão a um teatro
ou a um concerto. Destes homens é que são feitos os pais.
Quando os filhos precisam, estes homens
se transformam. Se o filho está doente, se o filho está com fome, se o filho
precisa de roupa - estes homens adquirem a força do He-Man, a velocidade do
Superman, os poderes mágicos de Merlin. Mas a verdade é que isto não dura
sempre, e também nem sempre resolve. A inflação, por exemplo, nocauteia
qualquer pai.
Não, filhos, não somos os seres
poderosos que vocês gostariam que fôssemos. Mas somos os pais de vocês, que um
dia serão pais como nós. Os heróis são eternos. Os pais não. E é nisso que está
a sua força.
Moacyr Scliar. Um país chamado
infância. São Paulo: Ática, 1995. p. 76-7.
Fonte: Livro-
PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 6ª Série –
Atual Editora -2002 – p. 51-3.
Entendendo a crônica:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Incredulidade: descrença.
·
Perplexo: estupefato, admirado.
02 – Os estudiosos das
histórias em quadrinhos afirmam que a invenção dos heróis está relacionada com
as necessidades do ser humano em certas épocas. Sentindo-se fraco, deprimido,
impotente, ele cria na ficção um super-herói, capaz de realizar tudo aquilo que
deseja fazer. No texto, o narrador cita alguns dos super-heróis mais famosos;
veja o que distingue alguns deles:
·
Superman: o voo, a velocidade a visão de
raios X.
·
Homem Invisível: a invisibilidade.
·
He-Man: a força.
·
Rambo: a musculatura.
·
Merlin: os poderes mágicos.
a)
Como o narrador caracteriza a si mesmo e aos
outros pais?
Como homens absolutamente comuns, sem nenhum poder especial: jogam
futebol, fazem churrasco, eventualmente vão a teatros, etc.
b)
De que serviriam ao narrador, por exemplo, os
poderes do Superman?
Serviriam para muito pouco; talvez para fugir do trânsito, apenas.
c)
Os super-heróis, desde que são criados, já
apresentam poderes. Levando em conta esse dado, o que é mais difícil: ser um
super-herói ou um cidadão comum? Por quê?
É mais difícil ser um cidadão comum, porque ele precisa enfrentar os
problemas sem ter superpoderes.
03 – Muitos super-heróis têm
inimigos permanentes.
a)
Quais são os principais inimigos permanentes
dos pais?
O dia-a-dia, a inflação, o trânsito.
b)
Os poderes dos super-heróis serviriam para
combater esses inimigos?
Não ajudariam em quase nada, pois não serviriam para combater os
preços dos supermercados, por exemplo.
04 – Apesar de serem comuns
e apenas humanos, os pais podem eventualmente adquirir “a força do He-Man, a
velocidade do Superman, os poderes mágicos de Merlin”.
a)
Quando isso ocorre?
Quando os filhos precisam de comida, remédios e roupas.
b)
Esses poderes são duradouros?
Não.
05 – No 6° parágrafo, o
narrador afirma: “Os pais são criados pelos filhos, assim como os filhos são
criados pelos pais”.
a)
Explique essa afirmação.
Não existe pai sem filho, e vice-versa. Assim, ambos aprendem a
exercer seu papel conjuntamente.
b)
Dê dois sentidos possíveis a esta outra
frase: “A criança é o pai do homem”.
Toda criança será, amanhã, um adulto; portanto, o que o adulto será
depende do que a criança é hoje.
Os adultos aprendem com as crianças.
06 – “Os heróis são eternos.
Os pais não. E é nisso que está a sua força”. De acordo com essas frases, os
pais não são eternos, porque são mortais. Então como explicar essa força dos
pais?
A força dos pais
(de enfrentar o dia-a-dia, de defender os filhos com unhas e dentes), só eles a
têm. Cada pai, com seus pequenos recursos, tem de descobrir sozinho como
exercer bem seu papel – eis sua grandeza e sua força.
Me ajudou muito obrigado
ResponderExcluirMuito obrigada, me ajudou muito ♡︎
ResponderExcluirRuim
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