quarta-feira, 24 de junho de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): A RITA - CHICO BUARQUE - COM GABARITO

Música(Atividades): A Rita

                                         Chico Buarque

A Rita levou meu sorriso

No sorriso dela

Meu assunto

Levou junto com ela

O que me é de direito

E arrancou-me do peito

E tem mais

Levou seu retrato, seu trapo, seu prato

Que papel!

Uma imagem de São Francisco

E um bom disco de Noel

 

A Rita matou nosso amor de vingança

Nem herança deixou

Não levou um tostão

Porque não tinha não

Mas causou perdas e danos

Levou os meus planos

Meus pobres enganos

Os meus vinte anos

O meu coração

E além de tudo

Me deixou mudo

Um violão

                                               Composição: Chico Buarque

Entendendo a canção:

01 – Quem está falando nesse texto?

      Um homem que tinha um relacionamento com a Rita.

02 – Quem é Rita? A partir do título, imagine a personagem Rita.

      É a mulher a quem o personagem amava. Trabalhe com a imaginação dos alunos – Pergunte em sala de aula como eles imaginam a aparência a personalidade, entre outras características de Rita.

03 – O que o narrador sente por Rita? Sustente sua resposta usando elementos do texto.

      O narrador está triste porque ela o deixou e se vingou dele levando o pouco que eles tinham. A repetição do verbo “levar” enfatiza que ela tirou dele o que ele tinha. As expressões “levou meu sorriso” e “me deixou mudo o violão” mostram a tristeza dele, pois ele não vê mais motivos para sorrir nem para tocar.

04 – “A Rita levou meu sorriso / No sorriso dela”. Para você, o que isso quer dizer?

      Significa que ela foi embora feliz e deixou o moço triste. Ela levou a felicidade dele com ela, pois a felicidade dele se baseava em estar com ela.

05 – “Arrancou-me do peito”. A Rita o arrancou do peito de quem? O que significa isso?

      Essa expressão é muito ambígua, pois pode significar que a Rita arrancou o moço do peito dela (o que significaria que ela não o ama mais) ou que ela o arrancou do próprio peito dele (deixando-o sem amor). Se considerarmos o verso anterior como formando uma frase junto com esse verso (E o que me é de direito / Arrancou-me do peito), podemos dizer que A Rita arrancou do moço, o que seria dele por direito.

06 – “A Rita matou nosso amor / De vingança”. Vingança de que? Que motivos ela teria para querer se vingar dele?

      A palavra “vingança” parece ser a dica para entendermos porque Rita partiu. Se ela se vingou, é porque ele deve ter feito alguma coisa que a tenha magoado. Cabe ao leitor imaginar o que pode ter sido (uma traição, uma mentira, um mal-entendido) e julgar, a partir disso, se a Rita foi justa ou se foi muito severa com ele.

07 – Quem é “Noel”? Você conhece algum trabalho dele?

      O Noel mencionado na canção é o compositor carioca Noel Rosa que compôs muitas músicas famosas como “Fita Amarela”, “Palpite infeliz”, entre outras.

08 – “Levou os meus planos”. Que planos você acha que ele tinha?

      Resposta pessoal do aluno.

09 – “Meus pobres enganos”. Que enganos seriam esses?

      Os enganos podem estar relacionados ao motivo que Rita teria para vingar-se dele, ou quaisquer outros erros que ele pode ter cometido. Podem também se referir a ingenuidade dele ao acreditar em um futuro com ela e em seus outros sonhos.

10 – Como você entende os dois últimos versos do texto (“Me deixou mudo / Um violão”)?

      Significa que agora ele não tem mais motivos para tocar, ou compor, porque ele ficou muito triste com o fato de Rita tê-lo deixado.

11 – Por que o ponto de exclamação é usado na expressão “Que papel!”?

      Porque é uma expressão de surpresa, de desaprovação.

12 – Que elementos linguísticos poderiam ser usados para explicitar as relações entre os versos 7 a 10 da segunda estrofe?

      Existem várias possibilidades de resposta e uma sugestão é a seguinte: Levou os meus planos

                Assim como meus pobres enganos

                E também os meus vinte anos

                Junto com o meu coração.

      As frases foram justapostas e poderiam ser unidas com conjunções ou outros elementos linguísticos.

13 – Como era a situação socioeconômica desse casal? Que elementos do texto te levam a pensar isso?

      Parece ser um casal jovem, com poucos recursos (não deixou um tostão / porque não tinha não), com alguma religiosidade (uma imagem de São Francisco) e que gostava de música popular (e um bom disco de Noel).

14 – Se a Rita e seu companheiro fossem ricos, o que ela levaria?

      Bens que fazem parte da vida de pessoas ricas como carros, joias, quadros e aparelhos de jantar, por exemplo.

15 – Que traços de oralidade são possíveis de encontrar no texto? Por que foram usados?

      Há no texto expressões muito comuns na oralidade como: “Levou junto com ela”, e tem mais; “seu trapo”, “Que papel!”, porque não tinha não: Essas expressões podem ter sido usadas para dar um ar de informalidade ao texto, assim como para caracterizar o personagem por meio da linguagem que ele usa.

16 – “E tem mais / Levou seu retrato, seu trapo, seu prato / Que papel!” Como esses versos ficariam se fossem escritos num registro mais formal da língua portuguesa? Você acha que dessa nova forma eles se enquadrariam melhor no texto? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno.

      Uma possibilidade é: Além disso, posso dizer que ela levou seu retrato, bem como suas roupas e o aparelho de jantar: Foi muito deselegante da parte dela.

17 – Como você imagina a história da Rita e do moço? Quem eles eram? Onde eles se conheceram? Como era a personalidade e o caráter de cada um? Por que Rita saiu de casa? Conte para nós a sua versão da história.

      Resposta pessoal do aluno.

18 –Escolha uma situação:

a)   Você é o moço com quem Rita se relacionava. Escreva uma carta convencendo a Rita a voltar.

b)   Você é a Rita. Escreva uma carta para o moço pedindo a ele para aceitar você de volta.

Resposta pessoal do aluno.

                            (Material produzido pela Professora Carla Viana Coscarelli e pela equipe do Projeto Redigir – FALE/UFMG).

 

 

 

     


POEMA: ENCHENTE - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

Poema: ENCHENTE

             CECILIA MEIRELES

Chama o Alexandre!
Chama!

Olha a chuva que chega!
É a enchente.
Olha o chão que foge com a chuva...

Olha a chuva que encharca a gente.
Põe a chave na fechadura.
Fecha a porta por causa da chuva,
olha a rua como se enche!

Enquanto chove, bota a chaleira
no fogo: olha a chama! olha a chispa!
Olha a chuva nos feixes de lenha!

Vamos tomar chá, pois a chuva

é tanta que nem de galocha
se pode andar na rua cheia!

Chama o Alexandre!
Chama!"


Cecília Meireles.

Entendendo o poema:

01 – A preferência pelo ponto de exclamação nesse poema serve para realçar:

a)   Emoção em ver a chuva que chega.

b)   Entusiasmo pela quantidade de chuva que cai.

c)   O medo e a preocupação do eu lírico.

d)   Susto e o espanto de ter perdido a chave da porta.

02 – A palavra chama foi empregada duas vezes nesse poema. O significado é de respectivamente:

a)   Ardência e labareda.

b)   Chamada e entusiasmo.

c)   Verbo chamar e entusiasmo.

d)   Verbo chamar e língua de fogo.

03 – A preocupação central nesse poema é:

a)   A chuva.

b)   A enchente.

c)   O Alexandre.

d)   O chá.

04 – Todos os versos da terceira estrofe sugerem:

a)   Que a chuva é muito intensa.

b)   Que a porta está sem a chave.

c)   Que as pessoas estão molhadas.

d)   Que a chuva entra nas casas.

05 – Os versos “Vamos tomar chá, pois a chuva / é tanta que nem de galocha / se pode andar na rua cheia!” Sugerem:

a)   Que nada se pode fazer a não ser esperar pela estiagem.

b)   Que é costume tomar chá enquanto chove.

c)   Que o chá é um calmante para quem está com medo da chuva.

d)   Que estava na hora do lanche e por isso todas da família tomam chá.

06 – Na ordem dada pelo eu lírico: “Chama o Alexandre! / Chama!”, o uso do artigo o antes do nome Alexandre sugere que Alexandre:

a)   É alguém conhecido, íntimo.

b)   É alguém que calça as galochas.

c)   É alguém convidado para o chá.

d)   É alguém que vai fechar a porta.

07 – Possivelmente, nesse texto Alexandre é:

a)   Um amigo convidado para o chá.

b)   Um cozinheiro da família.

c)   Um filho que está na rua exposto ao perigo.

d)   Um empregado que cuida da casa.



 


POEMA: BASTA PENSAR EM SENTIR - FERNANDO PESSOA - COM GABARITO

Poema: Basta Pensar em Sentir

                                                             Fernando Pessoa

Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.
Viver é não conseguir.

Fernando pessoa. Poesias Inéditas (1930-1935). Lisboa: Ática. 1955. (imp. 1990). p. 73.

Entendendo o poema:

01 – O poema é um gênero textual do discurso literário. Quais são as características de linguagem que possibilitam a identificação de um poema?

      Organização em versos e estrofes; linguagem figurada; presença facultativa de rimas; maior grau de subjetividade e expressividade.

02 – Qual é a quantidade de estrofes? E de versos?

      Apenas uma estrofe, com nove versos.

03 – Há ocorrência de rimas em todos os versos?

      Sim.

04 – Como se caracterizam as rimas, quanto à classe gramatical e as terminações?

      As palavras que rimam são verbos da primeira e da terceira conjugação, isto é, terminados em –ar, e –ir.

05 – Observe a relação de sentido entre os versos: “Meu coração faz sorrir / Meu coração a chorar”. Há entre os versos uma oposição semântica, isto é, uma oposição de sentidos. Quais são as palavras que enfatizam essa oposição?

      A oposição de sentidos faz-se entre as palavras sorrir e chorar.

06 – Há outros versos e/ou expressões no poema que transmitem essa mesma ideia de oposição?

      Sim, também apresentam sentidos opostos as palavras ficar/ir e chegar/partir.

07 – Qual a figura de linguagem que consiste na utilização de palavras, expressões ou frases que se opõem quanto ao sentido?

      A figura de linguagem é “antítese”.

08 – Agora, observe os seguintes versos:

“Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir.”

        O poeta refere-se ao coração, atribuindo-lhe características humanas: “fazer sorrir”, “chorar”, “parar de andar”, “ficar” e “ir”. Trata-se de uma linguagem metafórica, figurada, mas há uma figura de linguagem específica para nomear a atribuição de aspectos humanos ao que não é humano. Qual é a figura?

      A figura é personificação ou prosopopeia.

09 – O último verso do poema ilustra a ocorrência de metáfora, figura de linguagem que evidencia duas características semânticas comuns entre dois conceitos ou ideias: “Viver é não conseguir”. Releia o poema e a conclusão contida no último verso. Procure interpretar qual é o sentido da vida para o enunciador. Agora, assinale a alternativa que melhor sintetiza a ideia apresentada no poema:

a)   A vida é bela, mesmo com todas as contradições.

b)   Não há um sentido definido para a vida.

c)   A vida é busca constante entre contradições.

d)   Viver é fácil, mesmo em caminhos difíceis.

 


POEMA: CARTÃO DE NATAL - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema:  Cartão de Natal

               João Cabral de Melo Neto

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens 
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno, 
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:

Que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas 
suas molas, 
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem 
o sim comer o não.

                                        Texto extraído do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra Completa", Editora Nova Aguilar, 1994.

Entendendo o poema:

01 – No poema, João Cabral:

a)   Critica o egoísmo, e manifesta o desejo de que na passagem do Natal as pessoas se tornem generosas e façam o sim comer o não.

b)   Demonstra a sua aversão às festividades natalinas, pois nestes dias a aventura parece em ponto de voo, mas depois a rotina segue como sempre.

c)   Critica a atração núbil para o dente daqueles que transformam o Natal em uma apologia ao consumo e se esquecem do seu caráter religioso.

d)   Observa com otimismo que o Natal é um momento de renovação em que os homens se transformam para melhor e fazem o ferro comer a ferrugem.

e)   Manifesta a esperança de que o Natal traga, de fato, uma transformação, e que, ao contrário de outros natais, seja possível começar novo caderno.

02 – É CORRETO perceber no poema uma equivalência entre:

a)   Ferrugem e aventura.

b)   Dente e entusiasmo.

c)   Caderno e vida.

d)   Sementes e pão do dia.

e)   Ferro e atração núbil.

03 – “Pois que reinaugurando essa criança...”. O segmento grifado acima pode ser substituído, no contexto, por:

a)   Mesmo que estejam.

b)   Apesar de estarem.

c)   Ainda que estejam.

d)   Como estão.

e)   Mas estão.

04 – “... que desta vez não perca esse caderno...”. Com a frase acima, o poeta:

a)   Alude a uma impossibilidade.

b)   Exprime um desejo.

c)   Demonstra estar confuso.

d)   Revela sua hesitação.

e)   Manifesta desconfiança.

 

 


CRÔNICA: A ARTE DE SER AVÓ - RACHEL DE QUEIROZ - COM GABARITO

Crônica: A arte de ser avó

          Rachel de Queiroz

        Quarenta anos, quarenta e cinco. Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as sua compensações – todos dizem isso, embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto – mas acredita.

        Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.

        Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas, que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres – não são mais aqueles que você recorda.

        E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo ou decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

        Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.

        Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avô, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto…

        No entanto! Nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do neto. Não importa que ela hipocritamente, ensine a criança a lhe dar beijos e a lhe chamar de “vovozinha” e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante nos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe banho, veste-o, embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

        Já a avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, “não ralha nunca”. Deixa lambuzar de pirulito. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso dos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café, mexer na louça, fazer trem com as cadeiras na sala, destruir revistas, derramar água no gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser – e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com lápis dizendo que foi sem querer – e ser acreditado!

        Fazer má-criação aos gritos e em vez de apanhar ir para os braços do avô, e lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna…

        Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós com seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!

        E quando você vai embalar o neto e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz “Vó”, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

        E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe castiga, e ele olha para você, sabendo que, se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade.

        Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menino – involuntariamente! – bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beicinho pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague.

Rachel de Queiroz, do livro “O homem e o tempo: 74 crônicas escolhidas”. 1976.

Entendendo a crônica:

01 – O título de um texto é sempre primeiro a levantar expectativas quanto ao seu conteúdo. A partir dele fazemos uma série de suposições iniciais que depois podem ser modificados ou confirmadas. Que emoções e ideias foram despertadas pela leitura dessa crônica? Comente.

      Que arte de ser avó é emocionante, pois se reconhece o direito de amar com extravagância.

02 – O narrador do texto é em:

a)   1ª pessoa (participa da história).

b)   3ª pessoa (observa a história de fora e conta).

c)   3ª pessoa (e, às vezes, permite certas intromissões narrado em 1ª pessoa).

03 – Em que trecho da crônica observa-se um humor sutil e a emoção de ser avó?

      “E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que se lhe é “devolvido”.

04 – Existe uma relação entre a situação vivida pela personagem da crônica e a de nosso dia-a-dia? Justifique.

      Sim. A arte de ser avó é presente de Deus. Difícil explicar, pura emoção.

05 – A crônica lida predomina a ação ou a reflexão? Comente.

      A reflexão de que se cumpre o seu papel biológico de preservação da espécie (família) que continuará a vida através do neto.

06 – A crônica é um gênero discursivo que mescla a tipologia narrativa com trechos refletivos e, em alguns casos, argumentativos. O que predomina nessa crônica?

      Predomina a argumentação, a descrição e também a narração.

 

 


CRÔNICA: VOU-ME EMBORA DESTA CASA! MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

Crônica: Vou-me embora desta casa!

              Moacyr Scliar

        Existe alguma coisa pior do que ter quatro anos e brigar com o pai?

        (Existe: é ser pai e brigar com o filho de quatro anos. Mas isto a criança só descobre depois de muitos anos.

        Para um garoto de quatro anos, brigar com o pai, ou com a mãe, significa romper com o mundo. Uma ruptura aliás frequente, porque há poucas coisas que um guri goste mais de fazer do que brigar. Ele briga porque quer comer e porque não quer comer; porque quer se vestir ou porque não quer se vestir; e porque não quer tomar banho, não quer dormir, não quer juntar as coisas que deixou espalhadas pelo chão. E porque quer uma lancha com pilhas, e uma bicicleta, e uma nave espacial – de verdade. Todas estas coisas geram bate-boca, ao final do qual o garoto diz, ultrajado:

        -- Ah, é? Pois então...

        Pois então o quê? Um país pode ameaçar outro com mísseis, ou com marines, ou com bloqueio; um adulto diz que vai quebrar a cara do inimigo; mas, um garoto, pode ameaçar com quê? Com o único trunfo que eles têm:

        -- Eu vou-me embora desta casa!

        Ao que, invariavelmente, os pais respondem: vai, vai de uma vez. Ué, mas não seria o caso deles suplicarem, não meu filho, não vai, não abandona teus velhos pais? Meio incrédulo, o guri repete:

        -- Olha que eu vou, hein?

        Vai, é a dura resposta. E aí o menino não tem outro jeito: para salvar sua honra (e como têm honra, os garotos de quatro anos!) ele tem de partir. Começa arrumando a mala: numa sacola de plástico, ele coloca os objetos mais necessários: um revólver de plástico, os homenzinhos do Playmobil (aos quatros anos, o Kit de sobrevivência e notavelmente restrito).

        Enquanto isto, os pais estão jantando, ou vendo TV, aparentemente indiferentes ao grande passo que vai ser dado. O que só reforça a disposição do filho pródigo em potencial: esses aí não me merecem, eu vou-me embora mesmo.

        Mas, para onde? para onde, José? Manuel Bandeira podia ir para Pasárgada, onde era amigo do rei; aos quatro anos, contudo, a relação com a realeza é muito remota. O guri abre a porta da rua (essas coisas são mais dramáticas em casa do que em apartamentos); olha para fora; está escuro, está frio, chove. Ele hesita; está agora em território de ninguém, tão diminuto quanto o é a sua independência. Ir ou não ir? Nem Hamlet viveu dilema tão cruel. Lá de dentro vem um grito:

        -- Fecha essa porta que está frio!

        Esta é a linha dura (pai ou mãe). Mas sempre há um mediador – pai ou mãe – que negocia um recuo honroso:

        -- Está bem, vem para dentro. Vamos esquecer tudo!

        O garoto resiste, com toda a bravura que ainda lhe resta. Por fim, ele volta, mas sob condições: quando o pai for ao Centro, ele trará um trem elétrico, desde que não seja muito caro, naturalmente. A paz enfim alcançada, o garoto volta para dentro. Até a próxima briga. Quando, então:

        -- Eu vou-me embora desta casa!

Moacyr Scliar.

Entendendo a crônica:

01 – “Existe alguma coisa pior do que ter quatro anos e brigar com o pai?...”. Neste trecho, encontramos o adjetivo grifado flexionado no grau:

a)   Comparativo de superioridade.

b)   Comparativo de inferioridade.

c)   Comparativo de igualdade.

d)   Superlativo relativo de superioridade.

e)   Superlativo relativo de inferioridade.

02 – Identifique a única causa NÃO enumerada, no terceira parágrafo, que leva um garoto de quatro anos a brigar com o pai ou a mãe:

a)   Não querer juntar as coisas que deixou espalhadas pelo chão.

b)   Não querer dormir.

c)   Querer tomar banho toda hora.

d)   Querer comer.

e)   Querer uma nave espacial de verdade.

03 – Identifique a fala que não representa uma ameaça, mas sim uma ordem:

a)   “— Ah é? Pois então...”

b)   “— Eu vou-me embora desta casa!”

c)   “— Olha que eu vou, hein?”

d)   “— Já estou quase indo!”

e)   “— Fecha essa porta que está frio!”

04 – Que tema é abordado na crônica?

      Os conflitos existentes dentro do âmbito familiar, mas especificamente na relação entre pais e filho, quando este ainda é criança.

05 – Numere os fatos na ordem dos acontecimentos, em seguida, marque a sequência correta.

(5) Um dos pais interrompe a partida, sugerindo a reconciliação entre o filho e eles.

(2) Os pais demonstram-se insensíveis à ameaça feita pelo filho, inclusive “apoiando-o” em sua decisão de partir.

(1) O garoto de quatro anos briga com os pais e ofendido ameaça ir embora de casa.

(3) Ferido em seus brios, o menino arruma sua restrita mala para, finalmente, concretizar sua ameaça.

(4) No momento de sair de casa, o filho pródigo sente-se indeciso se enfrenta ou não as dificuldades da rua.

a)   4 – 1 – 2 – 3 – 5.

b)   5 – 2 – 1 – 3 – 4.

c)   3 – 1 – 5 – 2 – 4.

d)   2 – 1 – 5 – 3 – 4.

e)   1 – 3 – 4 – 2 – 5.