segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: CULTURA BRASILEIRA E CULTURAS BRASILEIRAS - ALFREDO BOSI - COM GABARITO

 Artigo de opinião: CULTURA BRASILEIRA E CULTURAS BRASILEIRAS

                   Alfredo Bosi

        DO SINGULAR AO PLURAL

        Estamos acostumados a falar em cultura brasileira, assim, no singular, como se existisse uma unidade prévia que aglutinasse todas as manifestações materiais e espirituais do povo brasileiro. Mas é claro que uma tal unidade ou uniformidade parece não existir em sociedade moderna alguma e, menos ainda, em uma sociedade de classes. Talvez se possa falar em cultura bororo ou cultura nhambiquara tendo por referente a vida material e simbólica desses grupos antes de sofrerem a invasão e aculturação do branco. Mas depois, e na medida em que há frações do interior do grupo, a cultura tende também a rachar-se, a criar tensões, a perder a sua primitiva fisionomia que, ao menos para nós, parecia homogênea.

 
 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRBGk4xlvm5RLuwiprgI34KMzjvHYB9O1vWqewYBYK6ROK_cfZdIly6mI4FbHz9lON88eNT8GZ548CEjkwCk2Foo_8agalh4jsfwz9m4h-0yLTpduKvD_WYF7bV6AkrgZfNu9gr2ozMJ9n8S7vh0gOIx606OsA-xyQnIS43OFDex9h7p14BluSbyY_eW4/s320/BORORO.jpg



        A tradição da nossa Antropologia Cultural já fazia uma repartição do Brasil em culturas aplicando-lhes um critério racial: cultura indígena, cultura negra, cultura branca, culturas mestiças. Uma obra excelente, e ainda hoje útil como informação e método, a Introdução à antropologia brasileira, de Arthur Ramos, terminada em 1943, divide-se em capítulos sistemáticos sobre as culturas não européias (culturas indígenas, culturas negras, tudo no plural) e culturas européias (culturas portuguesa, italiana, alemã...), fechando-se pelo exame dos contatos raciais e culturais.

        Os critérios podem e devem mudar. Pode-se passar da raça para nação, e da nação para a classe social (cultura do rico, cultura do pobre, cultura burguesa, cultura operária), mas, de qualquer modo, o reconhecimento do plural é essencial.

        A proposta de compreensão que se faz aqui tem um alcance analítico inicial; e poderá ter (oxalá tenha) um horizonte dialético final.

        Se pelo termo cultura entendemos uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso, poderíamos falar em uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema educacional (e principalmente nas universidades), e uma cultura popular, basicamente iletrada, que corresponde aos mores materiais e simbólicos do homem rústico, sertanejo ou interiorano, e do homem pobre suburbano ainda não de todo assimilado pelas estruturas simbólicas da cidade moderna.

        A essas duas faixas extremas bem marcadas (no limite: Academia e Folclore) poderíamos acrescentar outras duas que o desenvolvimento da sociedade urbano-capitalista foi alargando. A cultura criadora individualizada de escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem dentro da Universidade, e que, agrupados ou não, formariam, para quem olha de fora, um sistema cultural alto, independentemente dos motivos ideológicos particulares que animam este ou aquele escritor, este ou aquele artista. Enfim, a cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura de consumo.

        Teríamos em registro analítico: cultura universitária, cultura criadora extra-universitária, indústria cultural e cultura popular. Do ponto de vista do sistema capitalista tecnoburocrático, um arranjo possível é colocar do lado das instituições a Universidade e os meios de comunicação de massa; e situar fora das instituições a cultura criadora individualizadas e a cultura popular. 

        É claro que esse esquema espacial de fora e dentro deve ser relativizado, pois enrijece o termo instituição, definindo-o sempre em termos de organização própria das classes dominantes. Na verdade, matizando a questão: um fenômeno típico de cultura popular como a procissão do Senhor Morto na Semana Santa é também uma instituição, em sentido paralelo ao da instituição do candomblé ou de um rito indígena. Ou, falando da cultura criadora personalizada, uma obra teatral é um gênero público instituído, queira ou não o seu autor. Mas, se usássemos desse critério sociológico, tudo viraria instituição, tudo codificação social coercitiva e borraríamos anti-historicamente a nossa primeira distinção: sistemas culturais organizados para funcionar sempre como instituições (a Escola, uma Empresa de Televisão, por exemplo) e manifestações mais rentes à vida subjetiva ou grupal: um poema; uma roda de samba; um mutirão...

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 308-310.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 507-508.

Entendendo o artigo:

01 – Qual é a principal questão que Alfredo Bosi levanta sobre a cultura brasileira?

      Bosi questiona a ideia de uma cultura brasileira singular e homogênea, argumentando que a diversidade e a pluralidade são características mais precisas da realidade cultural do país.

02 – Por que Bosi considera inadequado falar em "cultura brasileira" no singular?

      Bosi argumenta que a sociedade brasileira é complexa e dividida em classes, o que impede a existência de uma cultura única e uniforme. Ele propõe que a cultura seja entendida como um conjunto de manifestações plurais e multifacetadas.

03 – Quais são os critérios que Bosi aponta como relevantes para analisar a cultura brasileira?

      Bosi menciona critérios como raça, nação e classe social como importantes para entender as diferentes manifestações culturais no Brasil. Ele também destaca a importância de considerar a cultura tanto em sua dimensão material quanto simbólica.

04 – Quais são as quatro faixas culturais que Bosi identifica na sociedade brasileira?

      Bosi identifica quatro faixas culturais principais: a cultura erudita (ligada ao sistema educacional), a cultura popular (expressão do homem comum), a cultura criadora individualizada (de artistas e intelectuais) e a cultura de massas (indústria cultural).

05 – Como Bosi relaciona as faixas culturais com o sistema capitalista tecnoburocrático?

      Bosi sugere que a cultura universitária e a indústria cultural estão mais ligadas às instituições do sistema capitalista, enquanto a cultura criadora individualizada e a cultura popular se situam mais fora dessas instituições.

06 – Por que Bosi relativiza a distinção entre "dentro" e "fora" das instituições?

      Bosi reconhece que mesmo manifestações culturais como a procissão do Senhor Morto ou uma obra teatral podem ser consideradas instituições em um sentido mais amplo, pois carregam códigos sociais e são reconhecidas e compartilhadas por grupos.

07 – Qual é a proposta de Bosi para compreender a cultura brasileira?

      Bosi propõe uma abordagem analítica inicial que reconheça a pluralidade de culturas no Brasil, com a possibilidade de alcançar uma compreensão dialética que relacione as diversas manifestações culturais com seus contextos históricos e sociais.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário