Crônica: Arroz-Doce
Walcyr Carrasco
CERTOS SABORES FICAM guardados em um canto onde a lembrança se mistura com a emoção. Eu nunca vou me esquecer do arroz-doce com canela da minha mãe. Simplesmente arroz cozido no leite, polvilhado com canela em pó. Não era doce de festa. Mamãe tinha um bazarzinho no interior, e pouco tempo para a cozinha. Empregada, nem pensar, naqueles tempos difíceis.
Morávamos em uma casa atrás da loja, e a porta da cozinha dava justamente para
o balcão. Botava a panela no fogo e ficava com um olho na receita, outro na loja.
Às vezes chegava uma freguesa, desatava a conversar. Que lugar melhor para
saber as novidades do bairro, quem vai casar ou quem separou, do que o balcão
de um bazar de cidade pequena? O leite fervia, derramava. Muitas vezes, depois
do jantar, vinha o arroz doce passado do ponto, com um gostinho de açúcar
queimado. Meu pai se divertia.
—
Esqueceu no fogo?
Eu
gostava assim mesmo. Repetia.
O
pudim da minha avó paterna também está entre minhas recordações prediletas. E
uma receita antiga, espanhola. Pudim de leite com queijo parmesão assado no
banho-maria. Vovó era mestra na cozinha. Orgulhava-se. Quando vinha nos
visitar, mamãe avisava.
— Não
esqueça de pedir o pudim.
E não?
Era a primeira coisa que eu falava.
— Vovó, faz pudim?
Feliz
pelo reconhecimento, voava para a cozinha.
Muitas
anos depois, o pudim seria o tema de um ato de generosidade de minha mãe. Eu já
era adulto. Morava fora de casa. Vovó, velhinha. Fui visitar a família. Cumpri
o ritual. Pedi o pudim. Vovó foi para a cozinha. Passou horas; Mais tarde,
confessou, desanimada.
— Desandou.
Olhou
para as mãos, triste, sentindo que já não era a mesma. Dali a algum tempo,
mamãe apareceu orgulhosa com um pudim, ainda quentinho.
— Mas
não tinha desandado? — estranhei.
— A culpa era minha, que tirei antes do forno.
Botei para assar mais um pouco e ficou bom! — explicou ela.
Vovó
estranhou. Mas sorriu.
Mais
tarde, quando estávamos sozinhos, mamãe confessou.
— Fiz
outro escondido, para ela não ficar triste.
Já
começando a ficar doente, vovó precisava daquela pequena vitória.
Nunca mais pedi o pudim. Muito tempo depois,
consegui achar a receita, idêntica, em um antigo livro de cozinha. Também não
tive coragem de fazer, pois só de pensar nele lembro desse dia, do desencanto
de vovó, de seu sorriso e do gesto de mamãe. Sinto uma estranha emoção.
E ovos
fritos, com a gema mole? Quem não gosta? Quem não sente saudade, depois que o
colesterol começa a subir? Quando como ovos fritos, sempre me lembro da
infância. Para muitos amigos é assim. Pratos simples remetem a sensações do
dia-a-dia, quando a família toda sentava-se em torno da mesa. O jantar era,
simplesmente, o momento de estarem juntos. Uma amiga se lembra com emoção das
festinhas de aniversário. Cada ano a mãe escolhia uma cor. Uma vez rosa, outra
azul, verde... Bolo, docinhos, vestido, tudo do mesmo tom! Balas de coco em
cascata. Quem não tem as balas de coco guardadas na memória? Já vi senhores
comportados atirarem-se sobre bandejas de docinhos de brigadeiros. Quem sabe
revivendo a alegria dos tempos de infância!
É
fato. A lasanha ao forno, o frango assado, o prato feito do jeitinho que só a
mãe sabe, é inesquecível! Com a passagem dos anos, a vida muda, A gente se
distancia. Ou as pessoas se vão para sempre. Ou então, ela já se foi. O sabor
de uma receita, de um doce preferido, mexe com a gente. Dia das Mães. É uma
excelente data para eu fazer uma panela de arroz-doce. E trazer de volta a
sensação dos abraços, dos gestos de carinho, e de tudo que eu nunca perdi,
porque continua vivo dentro de mim.
Entendendo
o texto
01. Qual é o sabor que o autor nunca vai esquecer da
sua infância?
a)
Arroz-doce com canela.
b) Pudim de leite
com queijo parmesão.
c) Ovos fritos com
gema mole.
d) Lasanha ao forno.
02. Por que a mãe do autor nunca tinha
tempo para a cozinha?
a) Porque trabalhava como empregada.
b) Porque morava longe da cidade.
c) Porque tinha um bazar no interior.
d) Porque não gostava de cozinhar.
03. O que acontecia com o arroz-doce muitas
vezes, de acordo com o texto?
a) Ficava com um gosto de queijo
queimado.
b) Ficava sem açúcar.
c) Ficava passado do ponto, com um
gostinho de açúcar queimado.
d) Ficava com muito sal.
04. Qual era o tema do ato de generosidade
da mãe do autor para com a avó?
a) Fazer um bolo de aniversário.
b) Preparar um jantar especial.
c) Fazer um
pudim de leite.
d) Cozinhar ovos fritos.
05. Por que a avó do autor ficou triste
durante uma visita?
a) Porque não encontrou os
ingredientes.
b) Porque o pudim desandou.
c) Porque não tinha ninguém para
ajudá-la na cozinha.
d) Porque estava doente.
06. Como a mãe do autor conseguiu fazer a
avó ficar feliz novamente?
a) Fazendo um bolo de chocolate.
b) Fazendo outro pudim escondido.
c) Levando-a para passear.
d) Dando presentes.
07. Qual
foi a reação do autor depois de descobrir o gesto da mãe com a avó?
a) Ele decidiu nunca mais visitar a
avó.
b) Ele se
emocionou profundamente.
c) Ele ficou com raiva da mãe.
d) Ele decidiu aprender a fazer o
pudim.
08. O
que o autor sente quando pensa em fazer a receita do pudim?
a) Alegria.
b) Nostalgia.
c) Raiva.
d) Indiferença.
09. Qual é a sensação que pratos simples
remetem para muitas pessoas, de acordo com o texto?
a) Nostalgia e tristeza.
b) Alegria e saudade.
c) Frustração e desgosto.
d) Indiferença e cansaço.
10. Qual é a mensagem principal transmitida
pelo texto?
a) A
importância dos momentos em família.
b) A dificuldade de encontrar
ingredientes para receitas.
c) A necessidade de aprender a
cozinhar.
d) A preferência por pratos
elaborados.
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