quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

CRÔNICA: O AUTOMÓVEL - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: O Automóvel

                Walcyr Carrasco

QUANDO PAPAI COMPROU nosso primeiro carro, mamãe decidiu: 

     Vou tirar carta de motorista!

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0IHK8BT-tVybpg-WWjqdI0qN9WgcIjOyKW881Kz9q84b_WI2cgnsVsXlJfPChSFielWex_rtCM8tuAsg7RAwAJz5SNwz2AZv6YZkU62hV6SUznjk75bAjTtdXPiG9toWE8gGLTGZAk7ajjPmEXSoSzOtTuMSY_7Tc_eCiwUqeQQAhVUedyhE79FQ9_us/s1600/JIPE.png


Eu era criança. Não era comum que mulheres dirigissem. Mamãe tinha alma de pioneira. Por exemplo, trabalhava fora, enquanto suas amigas se conformavam em ser donas-de-casa. Morávamos em uma cidade do interior. A autoescola só tinha um jipe. Começaram as aulas. Comigo no banco de trás, as mãos presas agarradas na capota. O jipe dava solavancos e rodopiava pelas ruas. O instrutor aterrorizado.

— O breque, o breque! Aperte o breque!

Mamãe se confundia. Enfiava o pé no acelerador. Ela gritava. O instrutor gritava. Os pedestres corriam. Entre as façanhas, arrancou a porta de um Karmann Guia. Na última aula antes do exame arrasou a entrada do mercado municipal.

Repetiu duas vezes. Na terceira, o examinador tremia:

— Mais devagar! Assim a senhora enfia o carro em uma árvore.

Surpreendentemente, ganhou a carta. Talvez por terror dos examinadores. Seu idílio automobilístico não durou muito. Papai perdeu o pouco que tinha. Viemos para São Paulo com uma mão na frente e outra atrás. Carro? Nem pensar. Ficou mais de dez anos sem dirigir. A vida melhorou. Minha cunhada ofereceu o volante.

— Só para ter o gostinho.

 Entrou atrás de um caminhão parado.

Mais uma temporada de exílio. Papai se recuperou montando um estacionamento. Todas as manhãs, lá estava mamãe, gordinha, de chapéu de homem na cabeça, dando ordens aos manobristas.

— À direita! Vira... vai que dá, vai que dá!

Só havia uma condição. Não fazer manobras ela mesma. Seria impossível pagar os prejuízos. O incrível é que papai não gostava de dirigir. Desistiu de ter automóvel. Mamãe olhava os modelos. Sonhava. Mudaram-se para Santos. Tempos depois, papai faleceu. Para surpresa de toda a família, mamãe veio a arrumar um namorado, aos 64 anos. Perguntei, cauteloso, a idade do príncipe encantado.

— Sessenta e três.

- Suspirei, aliviado. Se fosse trinta, aí sim, eu ficaria bem preocupado.

Nunca se viu casal tão apaixonado. Era um senhor aposentado, de índole calma. Mamãe me contou:

— Sabe, ele está pensando em comprar um carro.

— Mãe, quem é doida por automóvel é você! Convenceu o velho?!

— Não tenho o direito? 

Tinha. Juntaram as economias. Vieram para São Paulo. Compraram um bom automóvel usado no sábado de manhã. Pegaram a serra. Na curva, havia óleo na pista. Derraparam de leve. Pararam. Um policial aproximou-se.

 — Deixem o carro aí, já vamos ver. Venham para cá, por causa da curva.

Mal se afastaram caminhando, outro carro veio voando na curva. Derrapou também. Voou em cima do automóvel. O que sobrou dava para levar em uma sacola.

Não tinha seguro. Perda total. Revoltada, mamãe não se conformava:

     Não ficamos mais de uma hora com o carro!

Tentei confortá-la.

— Mamãe, quem sabe seu destino não é ter automóvel.

— Que conversa é essa de destino? Eu não me conformo!

E vou ter!

Teve. Dali a meses comprou novo veículo em sociedade com o namorado. Eu e meus irmãos demos uma força. Que felicidade! Subiam a serra só para comer um filé. Só se tornou um pouco ressabiada.

—- Ele dirige muito bem — contou, referindo-se ao grisalho. — Às vezes tenho vontade de pegar a direção, mas não gosto da serra.

 Com a proximidade do Dia das Mães, sinto um aperto no coração. Ela partiu há dois anos, doente, e às vezes me dá uma imensa saudade. Sinto também uma sensação de alegria. Mamãe conseguiu seu carro. Felizmente, eu a ajudei a realizar seu sonho!  

Entendendo o texto 

01.  Qual foi a reação da mãe do narrador quando o pai comprou o primeiro carro da família?

a) Decidiu aprender a dirigir.

b) Recusou-se a aprender a dirigir.

c) Contratou um motorista particular.

d) Pediu para vender o carro.

   02. Onde a família morava quando a mãe decidiu aprender a dirigir?

         a) Na capital.

         b) Em uma cidade do interior.

         c) Na praia.

         d) Em outro país.

  03. Por que o instrutor de direção ficava aterrorizado durante as aulas com a mãe do narrador?

         a) Porque ela era muito calma.

         b) Porque ela dirigia muito devagar.

         c) Porque ela tinha dificuldade em controlar o carro.

         d) Porque ela era uma motorista experiente.

   04. O que aconteceu na última aula de direção da mãe antes do exame?

         a) Ela passou no exame de direção.

         b) Ela arrancou a porta de um carro estacionado.

         c) Ela desistiu de aprender a dirigir.

         d) Ela comprou um carro novo.

  05. Por quanto tempo o pai ficou sem dirigir após perder o pouco que tinha?

        a) Mais de dez anos.

        b) Um ano.

        c) Um mês.

        d) Uma semana.

  06. O que a mãe fazia todas as manhãs após o pai montar um estacionamento?

        a) Ia trabalhar como motorista de ônibus.

        b) Dava ordens aos manobristas.

        c) Ficava em casa sem fazer nada.

        d) Ia à autoescola aprender a dirigir novamente.

  07. O que aconteceu com o carro que a mãe e o namorado compraram em um sábado de manhã?

        a) Foi roubado.

        b) Sofreu um acidente grave.

        c) Foi vendido rapidamente.

        d) Ficou intacto por anos.

  08. Por que a mãe ficou revoltada após o acidente com o carro novo?

        a) Porque o carro estava muito velho.

        b) Porque o seguro não cobria o acidente.

        c) Porque o namorado não estava dirigindo com cuidado.

        d) Porque eles não tinham seguro para o carro.

  09. Qual era o sentimento do narrador em relação à mãe, dois anos após sua partida?

        a) Tristeza.

        b) Alegria.

        c) Raiva.

        d) Indiferença.

10. O que o narrador sente em relação ao fato de ter ajudado a mãe a realizar seu sonho de ter um carro?

        a) Remorso.

        b) Felicidade.

        c) Desgosto.

        d) Arrependimento.

 

 

 

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