Romance: O tempo e o vento I -
Fragmento
Erico Veríssimo
Muitos anos mais tarde, Ana Terra
costumava sentar-se na frente de sua casa para pensar no passado. E no seu
pensamento como que ouvia o vento de outros tempos e sentia o tempo passar,
escutava vozes, via caras e lembrava-se de coisas... O ano de 81 trouxera um
acontecimento triste para o velho Maneco: Horácio deixara a fazenda, a
contragosto do pai, e fora para o Rio Pardo, onde se casara com a filha de um
tanoeiro e se estabelecera com uma pequena venda. Em compensação, nesse mesmo
ano Antônio casou-se com Eulália Moura, filha dum colono açoriano dos arredores
de Rio Pardo, e trouxe a mulher para a estância, indo ambos viver no puxado
feito no rancho.
Em 85 uma nuvem de gafanhotos desceu
sobre a lavoura deitando a perder toda a colheita. Em 86, quando Pedrinho se
aproximava dos oito anos, uma peste atacou o gado e um raio matou um dos
escravos.
Foi em 86 mesmo ou no ano seguinte que
nasceu Rosa, a primeira filha de Antônio e Eulália? Bom. A verdade era que a
criança tinha nascido pouco mais de um ano após o casamento. Dona Henriqueta
cortara-lhe o cordão umbilical com a mesma tesoura de podar com que separara
Pedrinho da mãe.
E era assim que o tempo se arrastava, o
sol nascia e se sumia, a lua passava por todas as fases, as estações iam e
vinham, deixando sua marca nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas.
E havia períodos em que Ana perdia a
conta dos dias. Mas entre as cenas que nunca mais lhe saíram da memória estavam
as da tarde em que dona Henriqueta fora para a cama com uma dor aguda no lado
direito, ficara se retorcendo durante horas, vomitando tudo que engolia,
gemendo e suando frio. E quando Antônio terminou de encilhar o cavalo para ir
até o Rio Pardo buscar recursos, já era tarde demais. A mãe estava morta. Era
inverno e ventava.
VERISSIMO, Erico. O
tempo e o vento I: O continente. Porto Alegre, Globo, 1956. p. 185.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio –
Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 348-9.
Entendendo o romance:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Encilhar: arrear, aparelhar.
·
Tanoeiro: aquele que faz e ou conserta barris, tinas, etc.
02 – Percebe-se no texto o
embate de duas forças. Qual delas simboliza o que é permanência (memória) e
qual simboliza o que é passagem (destruição)?
O tempo
(passagem, destruição) e o vento (memória, permanência).
03 – Que forma verbal,
predominante no texto, dá-lhe caráter memorialístico?
O imperfeito do
indicativo.
04 – Na marcação do tempo,
um acontecimento positivo vem acompanhado de uma dúvida. Que acontecimento é
esse?
O nascimento de
Rosa.
05 – Segundo a epígrafe que
abre a obra, retirada do Eclesiastes, “Uma geração vai, e outra geração vem;
porém a terra para sempre permanece”, em que parágrafo do texto também está
presente essa visão cíclica, predominante no romance?
No 4° parágrafo.
06 – Que elemento deixa as
suas marcas nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas?
O tempo.
07 – Como pode ser dividida
a obra de Érico Veríssimo? Exemplifique.
Romance urbano (Clarissa, Caminhos
cruzados, etc.), romance histórico (O tempo e o vento) e romance político (O
senhor embaixador, etc.).
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