Texto: SUPERPOPULAÇÃO CARCERÁRIA
O lema “lugar de
bandido é na cadeia” é vazio e demagógico. Não temos prisões suficientes.
As fábricas de ladrões
e traficantes jogam mais profissionais no mercado do que sonha nossa vá
pretensão de aprisiona-los.
Levantamento produzido
pela folha, com base nos censos realizados nas 150 penitenciárias e nas 171
cadeias públicas e delegacias de polícia, mostra que o estado de São Paulo
precisaria construir imediatamente mais 93 penitenciárias, apenas para reduzir
a superlotação atual e retirar os presos detidos em delegacias e cadeias
impróprias para funcionar como presídios.
Para Lourival Gomes, o
atual secretário da Administração Penitenciária, cuja carreira acompanho desde
os tempos do Carandiru, profissional a quem não faltam credenciais técnicas e a
experiência que os anos trazem, o problema da falta de vagas não será resolvido
com a construção de prisões.
Tem razão, é guerra
perdida: no mês passado, o sistema prisional paulista recebeu a média diária de
121 novos detentos enquanto foram libertados apenas 100. Ficaram encarcerados
21 a mais todos os dias.
Como os presídios novos
têm capacidade para albergar 768 detentos, seria necessário construir mais um a
cada 36 dias, ou seja, 10 por ano.
Esse cálculo não leva
em conta o aprimoramento técnico da polícia. Segundo o mesmo levantamento, a
taxa de encarceramento, que há oito meses era de 413 pessoas para cada 100 mil
habitantes, aumentou para 444. Se a PM e a Polícia Civil conseguissem prender
marginais com a eficiência dos policiais americanos (743 para cada 100 mil
habitantes), seria preciso construir uma penitenciária a cada 21 dias.
Agora, analisemos as
despesas. A construção de uma cadeia consome R$ 37 milhões, o que dá perto de
R$ 48 mil por vaga. Para criar uma única vaga gastamos mais da metade do valor
de uma casa popular com sala, cozinha, banheiro e dois quartos, por meio da
qual é possível retirar uma família da favela.
Esse custo, no momento,
é irrisório quando comparado aos de manutenção. Quantos funcionários públicos
há que contratar para cumprir os três turnos diários? Quanto sai por mês
fornecer três refeições por dia? E as contas de luz, água, material de limpeza,
transporte, assistência médica, jurídica e os gastos envolvidos na
administração?
Não sejamos ridículos,
caro leitor. Se nossa polícia fosse bem paga, treinada e aparelhada de modo a
mandar para atrás das grades todos os bandidos que nos infernizam nas ruas,
estaríamos em maus lençóis. Os recursos para mantê-los viriam do aumento dos
impostos? Dos cortes nos orçamentos da educação e da saúde?
Então, o que fazer? É
preciso agir em duas frentes. A primeira é tornar a Justiça mais ágil, de modo
a aplicar penas alternativas e facilitar a progressão para o regime semiaberto,
no caso dos que não oferecem perigo à sociedade, e colocar em liberdade os que
já pagaram por seus crimes, mas que não têm recursos para contratar advogado.
A segunda, muito mais
trabalhosa, envolve a prevenção. Sem diminuir a produção das fábricas de
bandidos, jamais haverá paz nas ruas. Na periferia de nossas cidades, milhões
de crianças e adolescentes vivem em condições de risco para a violência. São
tantas que é de estranhar o pequeno número que envereda pelo crime.
Nossa única saída é
oferecer-lhes qualificação profissional e trabalho decente, antes que sejam
cooptados pelos marginais para trabalhar em regime de semiescravidão.
Há iniciativas
bem-sucedidas nessa área, mas o número é tímido diante das proporções da
tragédia social. É necessário um grande esforço nacional que envolva as
diversas esferas governamentais e mobilize a sociedade inteira.
Como parte dessa mobilização,
é fundamental levar o planejamento familiar para os estratos sociais mais
desfavorecidos. Negar-lhes o acesso à lei federal que lhes dá direito ao
controle da fertilidade é a violência mais torpe que a sociedade brasileira
comete contra a mulher pobre.
O lema “lugar de
bandido é na cadeia” é vazio e demagógico. Não temos nem teremos prisões
suficientes. Reduzir a população carcerária é imperativo urgente. Não cabe
discutir se estamos a favor ou contra, não existe alternativa. Empilhar homens
em espaços cada vez mais exíguos não é mera questão de direitos humanos, é um perigo
que ameaça todos nós. Um dia eles voltarão para as ruas.
VARELLA,
Drauzio. Superpopulação carcerária.
Folha de São Paulo: 25 fev. 2012.
ENTENDENDO O TEXTO
01 – Podemos afirmar que a linha-fina apresenta uma opinião sobre o tema
apresentado? Justifique sua resposta.
Sim. Pois na linha-fina o autor afirma que o lema “lugar de bandido é na
cadeia” é vazio e demagógica.
02 – Para comprovar que não adianta construir novos presídios, o autor
citou a opinião de Lourival Gomes, secretário da Administração Penitenciária.
a) De que maneira o autor do texto nos faz acreditar que a opinião
do secretário pode ser considerada confiável?
Segundo o autor, ele é um profissional a
quem não faltam credenciais técnicas e a experiência que os anos trazem.
b) Provavelmente, com que intensão o autor nos traz informações a
respeito do secretário?
É um recurso para que aceitamos o
argumento sem questionar. Professor, é um momento propício para falar sobre
citação de autoridade e sua qualidade argumentativa.
c) Que argumento foi utilizado para reforçar a opinião do
secretário?
Em janeiro de 2012, o sistema prisional
paulista recebeu a média diária de 121 novos detentos enquanto foram libertados
apenas 100, ou seja, ficaram encarcerados.
03 – De que maneira o aprimoramento da polícia complicaria o problema da
carceragem no estado de São Paulo?
A taxa de encarceramento aumentaria e isso acarretaria a necessidade de mais
presídios.
04 – Ao analisar as despesas geradas na construção de uma cadeia, qual é
a comparação estabelecida pelo autor?
“Para criar uma única vaga gastamos mais da metade do valor de uma casa popular
com sala, cozinha, banheiro e dois quartos, por meio da qual é possível retirar
uma família da favela”. Além disso, devem ser considerados também os custos com
a sua manutenção. Professor, comente com os alunos que, nesse caso, pode-se
dizer que o recurso utilizado foi o argumento por comparação.
05 – A conclusão desse texto desenvolve três soluções para o problema de
superlotação dos presídios. Explique, resumidamente, quais são elas.
A primeira é tornar a justiça mais ágil, facilitando a progressão para o regime
semiaberto, no caso dos que não oferecem perigo à sociedade, e colocando em
liberdade os que já pagaram por seus crimes. A segunda é a prevenção: oferecer
ao ex-carcerários qualificação profissional e trabalho decente, antes que sejam
cooptados pelos marginais. A terceira é educar as classes desfavorecidas para o
planejamento familiar.
06 – O que essas soluções apresentadas têm em comum?
Todas partem do princípio de que se deve reduzir a população carcerária e não
aumentar a quantidade de presídios.
07 – Por que, segundo o autor, o lema “lugar de ladrão é na cadeia” é
vazio e demagógico?
Porque não temos prisões suficientes, e se fossem suficientes, não teríamos
como mantê-las.
08 – Por que o fato de empilhar presidiários em espaços cada vez mais
exíguos é um perigo que ameaça a todos nós?
Porque mantê-los em espaços exíguas estimula sua agressividade que, um dia, se
voltará contra nós, quando eles estiverem fora das grades.
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