CONTO:
Muribeca Lixo?
E por que é que agora querem tirar
ele da gente? O que é que eu vou dizer pras crianças? Que não tem mais
brinquedo? Que acabou o calçado? Que não tem mais história, livro, desenho? E o
meu marido, o que vai fazer? Nada? Como ele vai viver sem as garrafas, sem as
latas, sem as caixas? Vai perambular pela rua, roubar pra comer? E o que eu vou
cozinhar agora? Onde vou procurar tomate, alho, cebola? Com que dinheiro vou
fazer sopa, vou fazer caldo, vou inventar farofa? Fale, fale. Explique o que é
que a gente vai fazer da vida? O que a gente vai fazer da vida? Não pense que é
fácil. Nem remédio pra dor de cabeça eu tenho. Como vou me curar quando me der
uma dor no estômago, uma coceira, uma caganeira? Vá, me fale, me diga, me
aconselhe. Onde vou encontrar tanto remédio bom? E esparadrapo e band-aid e
seringa?
O povo do governo devia pensar três vezes antes de fazer isso com chefe de
família. Vai ver que eles tão de olho nessa merda aqui. Nesse terreno. Vai ver
que eles perderam alguma coisa. É. Se perderam, a gente acha. A gente cata. A
gente encontra. Até bilhete de loteria, lembro, teve gente que achou. Vai ver
que é isso, coisa da Caixa Econômica. Vai ver que é isso, descobriram que lixo
dá lucro, que pode dar sorte, que é luxo, que lixo tem valor.
Por exemplo, onde a gente vai morar, é? Onde a gente vai morar? Aqueles
barracos, tudo ali em volta do lixão, quem é que vai levantar? Você, o
governador? Não. Esse negócio de prometer casa que a gente não pode pagar é
balela, é conversa pra boi morto. Eles jogam a gente é num esgoto. Pr'onde vão
os coitados desses urubus? A cachorra, o cachorro?
Isso tudo aqui é uma festa. Os meninos, as meninas naquele alvoroço,
pulando em cima de arroz, feijão. Ajudando a escolher. A gente já conhece o que
é bom de longe, só pela cara do caminhão. Tem uns que vêm direto de
supermercado, açougue. Que dia na vida a gente vai conseguir carne tão barato?
Bisteca, filé, chã-de-dentro - o moço tá servido? A moça? Os motoristas já
conhecem a gente. Têm uns que até guardam com eles a melhor parte. É coisa
muito boa, desperdiçada. Tanto povo que compra o que não gasta - roupa nova,
véu, grinalda. Minha filha já vestiu um vestido de noiva, até a aliança a gente
encontrou aqui, num corpo. É. Vem parar muito bicho morto. Muito homem, muito
criminoso.
A gente já tá acostumado. Até o camburão da polícia deixa seu lixo aqui,
depositado. Balas, revólver 38. A gente não tem medo, moço. A gente é só ficar
calado. Agora, o que deu na cabeça desse povo? A gente nunca deu trabalho.
A gente não quer nada deles que não esteja aqui jogado, rasgado, atirado.
A gente não quer outra coisa senão esse lixão pra viver. Esse lixão para
morrer, ser enterrado. Pra criar os nossos filhos, ensinar o nosso ofício, dar
de comer. Pra continuar na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não faltar
brinquedo, comida, trabalho. Não, eles nunca vão tirar a gente deste lixão.
Tenho fé em Deus, com a ajuda de Deus eles nunca vão tirar a gente deste lixo.
Eles dizem que sim, que vão. Mas não acredito. Eles nunca vão conseguir tirar a
gente deste paraíso.
FREIRE, Marcelino.
Muribeca. In:_____. Angu de sangue.
São Paulo: Ateliê, 2000.
p. 23-25.
01 – No conto
de Marcelino Freire, o tema central, que motiva o drama do
narrador-personagem, corresponde ao seguinte elemento da narrativa:
a) tempo.
b) espaço.
c)
protagonista.
d) foco
narrativo.
e)
narrador.
02 – Releia o início do
conto.
“Lixo?
Lixo serve pra tudo.”
Explique o estranhamento que
pode ser causado por essa frase.
Ela expressa uma ideia contrária ao senso
comum, pois em princípio se joga no lixo o que não temais utilidade, o que não
serve para nada (e não oque “serve pra tudo”).
03 – Releia:
I – “E por que é que agora
querem tirar ele da gente?”
II – “Agora, o que deu na
cabeça desse povo?”
Pela leitura dessas frases,
temos a indicação de que alguma medida quanto ao lixão está para ser tomada.
a)
Que medida você acha que é essa?
Provavelmente o lixão será desativado.
b)
O que deve tê-la motivado?
Os lixões a céu aberto poluem o ambiente, podem contaminar o solo e
os lençóis freáticos, prejudicando a qualidade da água e causando danos graves
e/ou irreversíveis ao ambiente e à saúde humana.
04 – A personagem mostra-se
distante do poder público.
a)
O que a personagem espera dele?
Ela espera que o poder público permita a permanência dos catadores
no lixão.
b)
Que medidas poderiam ser reivindicadas?
Por exemplo, poderiam ser reivindicadas uma atenção mais efetiva à
população de catadores, sua remoção para um ambiente saudável, medidas que
facilitassem aos catadores conseguir empregos não insalubres e com salário
digno, etc.
05 – Copie o trecho que
melhor ilustra o conteúdo de suas respostas à questão 4.
a)
“O que é que eu vou dizer pras crianças?”
b)
“O povo do governo deveria pensar
três vezes antes de fazer isso com chefe de família.”
c)
“É coisa muito boa, desperdiçada. Tanto povo
que compra o que não gasta [...].”
d)
“A gente não quer nada deles que não esteja
aqui jogado, rasgado, atirado.”
06 – O conto traduz o
sentimento da personagem e a visão que ela tem da situação em que vive.
Descreva como essa situação é encarada por ela e pelas outras pessoas que
residem próximo ao lixão.
Essas pessoas
veem o lixão como um “paraíso”, pois é dele que, não importa em que condições,
tiram seu sustento.
07 – Compare os dois trechos
destacados:
“Não, eles nunca vão tirar a gente desse lixão. Tenho fé em Deus,
com a ajuda de Deus, eles nunca vão
tirar a gente deste lixo.”
Qual o significado de lixão
no contexto? e de Lixo?
Lixão, é o depósito de
resíduos;
Lixo,
tem duplo sentido no contexto: pode ser entendido como sinônimo de lixão ou
como “miséria, degradação”.
08 – Em sua opinião, é justo
que essas pessoas sejam retiradas do lugar onde moram e de onde retiram o seu
sustento, ainda que esse lugar seja um lixão? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal
do aluno.
09 – Segundo o texto, muita
gente “compra o que não gasta”.
a)
O que leva as pessoas a comprar aquilo de que
não necessitam?
Por exemplo, o apelo da propaganda e a supervalorização da aparência
e da posse de bens materiais em nossa sociedade, que estimulam o consumo.
b)
Reflita sobre sua atitude: você costuma comprar
o que não gasta? Explique.
Resposta pessoal do aluno.
13. A visão que o leitor tem do lixão vai sendo
ResponderExcluirconstruída ao longo do depoimento feito pela
personagem. Em sua opinião, como o leitor encara
esse local após a leitura do texto?