Conto: A mãe perfeita
Lucinha Araújo
Mamãe,
tá certo, eu me dei mal na escola [...]
Pode
parar o jogo
Você
é a dona da bola [...]
Talvez o auge de minha obsessão por
fazer de meu filho um gênio da raça tenha sido a ideia fixa que me levou a
procurar o Colégio Santo Inácio, de padres jesuítas, em I963, quando Cazuza
tinha cinco anos. Se aquela era a melhor escola do Rio de Janeiro, era ali que
meu filho iria estudar. Mas para que meu sonho se realizasse era preciso que ele
passasse no exame de admissão, cuja exigência mínima era a de que o novo aluno
soubesse ler e escrever. Nos preparamos para este exame como se ele fosse fatal
para que eu continuasse viva. Estava tão nervosa no dia da prova que
protagonizei uma cena inesquecível. De pé, debaixo da janela da sala onde ele
fazia o exame, anotei uma a uma as vinte palavras do ditado nas costas de um
envelope, que guardo comigo até hoje. No táxi, de volta para casa, perguntei a
Cazuza como havia se saído:
-- Não sei, mamãe!!!

Tirei então o envelope da bolsa e fiz
com que ele escrevesse tudo novamente. Cazuza só errou uma palavra: escreveu
verdejante com a letra "g". Fiquei bastante apreensiva até o dia em
que o resultado foi divulgado. Cazuza havia conseguido! Entre mais de mil
candidatos, classificou-se em quinquagésimo lugar, com nota 9,5. Qualquer mãe
ficaria orgulhosa, mas não eu. Um 9,5 era pouco para mim, uma ex-estudante de
colégio de freiras cujo rendimento escolar havia sido exemplar. Não podia imaginar
quanto meu filho ainda iria se rebelar no futuro contra a rigidez e os métodos
do Santo Inácio.
A nossa rotina, a partir de então, era
controlada. Cazuza chegava da escola, eu pegava o diário de classe na mala e
organizava a sua vida de acordo com os deveres. No fim da tarde, enquanto não
terminasse os deveres escritos, não podia sair para brincar. Na manhã seguinte,
ele se dedicava às lições orais. Depois, eu lhe tomava os deveres. E como eu
era chata nesse papel!!! João, embora ausente, não concordava com meus métodos,
mesmo porque, para ele, ser um bom aluno na escola não significava muita coisa.
Citava exemplos de homens brilhantes que nunca haviam conseguido um dez no
boletim. Cazuza corria para ele nessa fase para se proteger de mim.
Felizmente
meu filho encontrou duas grandes válvulas de escape para suportar meu
temperamento autoritário enquanto era criança. Suas duas avós. Minha mãe,
Alice, representava para meu filho a liberdade desfrutada longe de casa. Tudo o
que era proibido conosco era permitido na casa de Vovó Lice. Para acompanhar
meu marido em seus incontáveis trabalhos noturnos, em sua trajetória como homem
da indústria fonográfica, muitas vezes deixei Cazuza com minha mãe. A seu lado,
Cazuza conheceu o reino dos céus. Tomava banho se quisesse, comia todas as
guloseimas desejadas e, pior ainda, assistia televisão, hábito proibido por
João. Às vezes, na volta para casa, ele comentava o filme da Sessão Coruja, o
que deixava o pai muito bravo. Mas a paixão de Cazuza por minha mãe não tinha
limites. Primeiro neto homem numa família de mulheres, Cazuza era o preferido
mesmo e se orgulhava disso. Adorava ouvir as histórias que minha mãe lhe
contava e, principalmente, retribuía a compreensão com que ela o tratava em
todas as circunstâncias. Depois que se tornou famoso, Cazuza confessou numa
entrevista que era com Vovó Lice que discutia as suas poesias, as rimas dos
versos que nunca me mostrou. Mesmo assim, muitas vezes, o temperamento
brincalhão e quase mórbido dessa fase de Cazuza não poupava nem mesmo a querida
Vovó Lice. Uma de suas brincadeiras assustadoras preferidas era simular um
desmaio no banheiro. Para dramatizar, ele colava aquele fiozinho vermelho que
encapava os maços de cigarro grudado no canto da boca, para simular sangue
escorrendo. Ele gritava, minha mãe corria para o banheiro e levava um susto
imenso. Invariavelmente, ela apelava aos santos:
-- Valha-me minha Santa Rita!
Cazuza gargalhava. Ele repetia a
encenação com alguma frequência e Vovó Lice não aprendia. Sempre se assustava.
A segunda válvula de escape de Cazuza
era dona Maria, sua avó paterna, em cuja casa de Vassouras ele passou as férias
dos três aos quinze anos. Também ali era tratado como um príncipe, cercado de
todos os mimos que uma avó sabe fazer, incluindo tirar as sementes de uva por
uva para que ele não engasgasse, além de outras mordomias. Muitas vezes eu e
João voltávamos tarde para casa depois de um baile de carnaval, ou outra festa,
e Cazuza acordava antes do que nós. Gritava lá de sua cama:
-- Vovó Maria, meu amor, vem me buscar!
E os dois passavam toda a manhã se
divertindo juntos. Mas nem ela escapava de seu apurado senso de humor. Quando
falava ao telefone com Vovó Maria e ela começava a se queixar e reclamar de
dormência nas mãos, Cazuza também não se continha:
-- É, vovó, mas também, o que você
quer? Você já está bem velhinha e não quer ter nada? Faz o seguinte vovó: corta
as mãos!!!
Em 2 de maio de 1997, Vovó Maria
completou 99 anos.
A paixão de Cazuza pelos animais
começou com um periquito perdido que apareceu no nosso quarto-e-sala. O
apartamento térreo tinha um pequeno quintal ao ar livre e ali ele colecionava
seus animaizinhos de estimação. Tempos depois comprei uma fêmea e um viveiro e
os periquitos se multiplicaram em 33 e acabaram todos na casa de minha mãe em
Vassouras, para onde foram também um coelho e um aquário bastante habitado. Aos
cinco anos, ganhou seu primeiro cachorro, uma cadela que batizou de Sunny. Tinha
o pelo dourado que brilhava ao sol, mas seis meses depois foi atropelada, para
total desespero de Cazuza. Enquanto o veterinário tentava, em vão, salvá-la,
Cazuza, bastante nervoso, rasgou com as mãos as pernas da bermuda jeans que
estava usando. Como presente de uma vizinha, a jornalista Sandra Moreyra, na
época uma menina, ganhou outra cadela logo depois. Infelizmente, ela também
ficou doente e morreu em uma semana.
Mas meu filho não desistiu. Depois de
um fim de semana em Friburgo, com tia Maryse, Paulinho e Márcia Muller, ele
voltou para casa com outra cadela que, embora preta e feia, cismou em também
lhe chamar de Sunny. A Sunny ll, que sobreviveu e ficou oito anos em casa – dos
treze que viveu –, até mudarmos para o Leblon, quando o seu destino foi o mesmo
dos outros – a casa de Vovó Lice em Vassouras. Cazuza escolheu o mais bonito
filhote da última ninhada de Sunny ll. Seu nome era Wanderley Cardoso, em
homenagem aos olhos verdes, parecidos aos do cantor. Cazuza carregava Wanderley
para toda parte, principalmente à praia, onde meu filho ficou conhecido como o
dono de Wanderley, que se parecia a um rusk siberiano, embora fosse um
vira-lata de primeira. Certo dia, num carnaval, Cazuza saiu com Wanderley para
brincar na Banda de Ipanema. Lá pelas oito da noite, meu filho chegou em casa
sem o cachorro. Mas cadê o Wanderley:
-- Não sei, mãe, ele sumiu. Procurei,
procurei e não acho.
-- Cazuza, você é um irresponsável!
Zeca Neves guardou na memória outra
história de Wanderley na praia do Arpoador. Cazuza, com dentista marcado para
as três da tarde, ficou furioso quando Wanderley se engatou com uma cadela e
não havia meio de separá-los. Às duas horas, cansado e apressado, gritava com
seu cão:
-- Logo agora você faz isso comigo!!!
Nossa cozinheira, Cida, que era louca
pelo cachorro, já organizara uma expedição de resgate quando o programa
Fantástico começou a exibir uma reportagem sobre a Banda. E lá estava ele, todo
fantasiado, trançando entre as pernas dos foliões. Embora a matéria tenha sido
gravada de tarde, saímos, Cida e eu, à procura de Wanderley, seguindo o
itinerário da Banda. Finalmente o encontramos na Praça da Paz, todo fantasiado,
andando de um lado para o outro, à procura de seu dono. Cazuza nem deu bola.
Nos seus dois últimos anos de vida, meu filho ganhou outro cachorro, o Mané, um
weimaraner. Um cão sem a menor identidade. Conviveu muito pouco com seu dono.
Cazuza viveu outras várias fases de
interesses quando menino. Em sua prodigiosa imaginação para criar histórias,
ele preencheu vários cadernos com suas histórias: criava famílias inteiras e um
destino para cada um de seus personagens – desquites, traições, mortes,
bigamias. Quase ao mesmo tempo surgiu o interesse por geografia. Desde os sete
anos, Cazuza saciava a curiosidade, consultando com sofreguidão a Enciclopédia
Barsa. Alguns amigos de João do futebol se reuniam todos os sábados depois do
jogo em São Conrado, só pelo prazer de sabatiná-lo.
-- Cazuza, qual a capital do Zaire? E a
renda per capita?
Ele acertava todas. Impressionante.
Cazuza acabou realmente se tornando um
expert no assunto, a ponto de seus colegas de escola – e outros amigos –
ligarem lá para casa para tirar suas dúvidas sobre geografia, populações,
capitais, culturas dos países. Ele deitava-se no chão de seu quarto com o
mapa-múndi aberto e se concentrava inteiramente. Passava grande parte de seu
tempo trancado no quarto, no seu mundinho particular. João, nessa fase,
brincava com ele:
-- Você vai ser o quê? Professor de
geografia? Isso não dá dinheiro.
Mais tarde, costumava ler romances com
o atlas ao lado, para entender direitinho onde se passava a ti ama. Ele devia ter
uns oito anos quando recebemos em casa, para um jantar quase cerimonioso, o
venezuelano Manoel Guevara, casado com uma prima minha e que naquele momento
exercia o cargo de ministro dos Transportes em seu país. O apartamento estava
perfeito, e nós três, muito bem vestidos. Cazuza usou um de seus modelos da
Bebê Conforto, a última palavra em roupas infantis no Rio de Janeiro dos anos
60. Antes da chegada das visitas, preocupado com a irreverência latente do
filho, João chamou Cazuza num canto com recomendações:
-- Olha, meu filho, eu sei que você não
tem a menor cerimônia com as pessoas. Mas hoje, por favor, não faça perguntas,
não diga bobagens.
Durante o jantar, duas ou três, vezes,
João cutucou Cazuza por debaixo da mesa. Como se não estivesse entendendo nada
e exibindo um ar inocente, denunciou João:
-- O que foi, pai?
Até que o ministro começou a contar
sobre um túnel que havia construído em sua terra, um túnel de trem subterrâneo.
E afirmava que aquele túnel que tinha uma determinada extensão era o maior da
América Latina. Cazuza retrucou no ato:
-- Não é, não!
Levantou da mesa e saiu correndo para o
quarto. Quando voltou, trazia um livro nas mãos provando não só que a extensão
do túnel alardeada pelo ministro estava errada como também que aquele não era,
definitivamente, o maior da América Latina. O ministro ficou encantado. No dia
seguinte mandou de presente para Cazuza um sofisticado atlas inglês.
Tempos depois, Cazuza se apaixonou por
arquitetura e urbanismo. Criava cidades com madeiras e caixas de fósforos e
também todo o seu funcionamento. Na casa de minha mãe em Vassouras – que nessa
época havia se mudado definitivamente com papai, já aposentado, para a cidade –,
Cazuza passava horas no quintal armando suas metrópoles imaginárias, todas elas
com população definida, além de renda per capita e seu cotidiano. Sempre pensei
que meu filho acabaria se tornando um engenheiro, um arquiteto, um urbanista,
tal a dedicação e empenho com que mergulhava compenetrado nesses assuntos.
Apesar disso, o rendimento escolar de Cazuza era péssimo. Suas notas, eu
pensava, eram inadmissíveis para um garoto inteligente e esperto como ele. E,
invariavelmente, eram motivo de castigo para meu filho. Já com os esportes,
Cazuza foi uma tragédia, para desespero do pai. Todos os sábados, meu marido
frequentava um clube de futebol formado por trinta homens com mais de trinta
anos, com uma exceção aberta a João, que foi admitido aos 24. Era o chamado
Clube dos 30, em São Conrado. João sempre teve amigos mais velhos e ali
conviveu com Paulo Mendes Campos, Luís Carlos Barreto, Thiago de Mello, Armando
Nogueira, que também levavam seus filhos ao futebol de todos os sábados. Além
disso, em toda a sua vida, meu marido foi um esportista que praticou tênis,
vôlei e futebol. Ele queria muito que o filho seguisse seu exemplo, como conta:
"Sempre desejei que Cazuza se interessasse por esportes, mas quando eu o
levava ao Clube dos 30, Cazuza não demonstrava a menor vontade de jogar futebol.
Às vezes até brincava com a bola, mas rapidamente se desinteressava. O que o
empolgava mesmo era pegar meu carro e dirigir em volta do loteamento."
A frustração de João com o total
desinteresse do filho por seu esporte favorito foi motivo de uma crônica do
jornalista Armando Nogueira, publicada no Jornal do Brasil, em sua coluna
"A Grande Área", em 1968:
Cazuza, dez anos, chegou
da escola, participando ao pai uma novidade:
-- Papai, estou jogando futebol, lá no
colégio.
O pai, que sempre bateu sua bolinha
razoavelmente, ficou na maior alegria: nunca tinha confessado, mas o
desinteresse do filho por futebol era uma das pequenas tristezas de sua vida.
Há alguns anos ele andou tentando despertar no garoto o gosto pela pelada: no
clube em que joga um racha semanal, chegou mesmo a levar Cazuza para o campo,
ficava no gol e só para estimular papava frangos tremendos nos chutes de
Cazuza.
Nos últimos tempos, porém, Cazuza
abandonou na garagem a bola e as chuteiras e nunca mais falava de futebol. Daí
a felicidade do pai ao ouvir do menino que estava jogando bola, agora
oficialmente, no time do colégio.
-- É no time do colégio, Cazuza?
-- É, sim senhor.
-- No primeiro time, Cazuza?
--
Não.
-- Ah, é no segundo time, meu filho?
-- Também não, papai.
-- Não vai me dizer que te puseram no
terceiro time. Terceiro time nem deve existir lá no colégio.
-- Existe, sim, mas eu não jogo no
terceiro time também, não. Sou do Fusa.
-- Fusa? Que diabo é isso, Cazuza?
-- Fusa é o seguinte, papai: tem o
primeiro time, o segundo e o terceiro times. Aí eles pegaram a turma que sobrou
e misturaram todo mundo. Isso é que é Fusa.
-- E você joga de quê, nesse tal de
Fusa? – perguntou o pai, já inteiramente desanimado com o herdeiro de suas
virtudes futebolísticas...
-- Eu sou reserva do Fusa, papai.
Em sua carreira, João fez de tudo na
indústria do disco. Começou na gravadora Copacabana e, depois, passou pela
Odeon, Mocambo, Festa e Sinter, que foi comprada pela Philips. Naquela
gravadora, João produziu discos de Elis Regina, Jair Rodrigues, Gilberto Gil,
Jorge Ben. Praticamente lançou Caetano Veloso e Gal Costa no disco Domingo, o
primeiro da carreira de ambos. Lançou, também, o primeiro LP dos Novos Baianos.
Considero João o homem de disco mais importante do Brasil, pois conheceu a
fundo o seu ofício ao trabalhar em todos os cargos dentro da indústria - foi
divulgador de rádio, de imprensa, produtor de estúdio, até fundar a Som Livre,
em dezembro de 1969.
Por isso, desde pequenininho, meu filho
teve sua atenção naturalmente desperta para o mundo da música. Eu e João
gostávamos de música, desde o namoro. Na época, eu estudava violão e, em nossos
encontros, nos distraíamos em tocar e cantar. Para Cazuza, aconteceu ainda de
conhecer de perto os artistas que frequentavam nossa casa. Desde garoto, a
paixão de Cazuza por Rita Lee era avassaladora. Não perdia nenhum de seus shows.
Silvinha Teles foi minha colega de colégio e acompanhou Cazuza desde o seu
nascimento. Elis Regina o viu crescer, assim como Jair Rodrigues, Os Novos
Baianos, Caetano, Gil, Gal. Meu filho dizia que não tinha mitos, pois conviveu
com todos eles.
Nos
tempos do Santo Inácio, Cazuza tinha dois grandes amigos: Ricardo Quintana e
Pedro Bial, hoje jornalista e poeta. Com Pedro, aliás, ele já havia repartido a
sala de aula no Colégio Chapeuzinho Vermelho. Com meu filho, Pedro frequentou o
Clube dos 30, fez viagens em excursão do colégio e entrevistou o poeta Vinícius
de Morais para um trabalho escolar sobre diplomatas que abandonaram a carreira.
As recordações de Pedro Bial sobre a infância e adolescência de ambos:
"Cazuza não era nada esportivo,
não gostava de esportes. Era tímido e fechado. Não se socializava com o resto
da turma. Nunca teve muita paciência para o social. Era inteligente e desenhava
muito bem. Fazia desenhos de mapas e cidades, superorganizado. O resultado era
muito bem-feito e, para cada um dos lugares, ele inventava nomes de fantasia.
Na época do Santo Inácio, ele teve uma relação forte com Ricardo Quintana e,
juntos, inventavam histórias, um espaço meio mitológico, um mundo só deles.
Minha grande luta era a de ser aceito na brincadeira. A grande sensação da
escola eram as mulheres nuas que Cazuza desenhava: todos os alunos pagariam uma
nota para ter um desenho dele – mulheres eróticas, sexies, vamps, lindas,
personagens marcantes. Cazuza não era do tipo popular e nem de ficar desafiando
professores. Quieto, ficava no seu canto conversando com o Ricardo ou comigo.
Aos treze anos - tínhamos a mesma idade –, o pai de Cazuza conseguiu marcar uma
entrevista nossa com o Vinícius de Morais. Ficamos encantados com aquele
líquido amarelinho que ele tomava. Achamos muito bacana aquele negócio do
uísque."
A vida escolar de Cazuza, na verdade,
nunca me deixou tranquila. Ele passou a desafiar minha autoridade à medida que
crescia: passou a esconder o diário de classe e a rasgar boletins com notas
baixas. A primeira vez em que ficou de recuperação na escola, no final do
primeiro ano ginasial, em três matérias, não teve coragem de voltar para casa.
Da escola, rumou direto para o escritório de João, na Som Livre, e só voltou
debaixo das asas do pai. Quando entraram, João me chamou no quarto e alertou:
-- Cazuza ficou de recuperação e está
apavorado com você. Veja lá o que vai fazer. Esses escândalos não resolvem
nada!!!
Mas, no dia seguinte, quando meu marido
saiu para o trabalho, tive um duplo acesso de loucura. Primeiro, porque não me
conformava com a traição de Cazuza. Como eu, que me julgava a dona do pedaço,
tinha sido a última a saber? Meu ciúme era doentio. E depois veio a bronca monumental
pela recuperação no Santo Inácio. Os catorze anos de Cazuza foram como uma
marca de luta cega pela liberdade. Suas reações diante de minha autoridade já
não eram mais de choro e quarto fechado. Ele me enfrentava, respondia e
desafiava. Cada vez com mais intensidade. E eu comecei a lutar contra a dura
realidade que, dali em diante, seria obrigada a enfrentar: conviver e perdoar
as atitudes extremas de meu filho, até entender que ele não era mais o meu
garotinho.
Lucinha Araújo.
Fonte: Letra e Vida. Programa
de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 –
CENP – São Paulo – 2005. p. 87-92.
Entendendo o conto:
01 – Qual era o principal
objetivo de Lucinha Araújo em relação à educação de Cazuza no início do conto?
O principal
objetivo de Lucinha Araújo era fazer de Cazuza "um gênio da raça",
buscando para ele a melhor educação possível, como o Colégio Santo Inácio.
02 – Como Cazuza se saiu no
exame de admissão para o Colégio Santo Inácio e qual foi a reação de sua mãe?
Cazuza se
classificou em quinquagésimo lugar, com nota 9,5, entre mais de mil candidatos.
Lucinha Araújo, no entanto, não ficou orgulhosa, achando que um 9,5 era
"pouco" para um filho seu.
03 – Quais eram as duas
principais "válvulas de escape" de Cazuza para suportar o
temperamento autoritário de sua mãe?
As duas
principais válvulas de escape de Cazuza eram suas duas avós: Alice (Vovó Lice),
mãe de Lucinha, e dona Maria, avó paterna.
04 – Descreva a relação de
Cazuza com Vovó Lice.
Cazuza tinha uma
paixão ilimitada por Vovó Lice, que representava a liberdade. Na casa dela, ele
podia fazer o que era proibido em casa, como comer guloseimas e assistir
televisão. Ele se sentia compreendido por ela e até discutia suas poesias com a
avó.
05 – Cite um exemplo do senso
de humor de Cazuza com Vovó Lice.
Cazuza gostava de
simular desmaios no banheiro, usando um fio vermelho para simular sangue, e
gritava para assustar Vovó Lice, que sempre se assustava e apelava aos santos.
06 – Como João, pai de Cazuza,
via a questão do rendimento escolar e quais eram suas discordâncias com
Lucinha?
João não
concordava com os métodos rígidos de Lucinha, pois para ele, ser um bom aluno
não significava muito. Ele citava exemplos de homens brilhantes que nunca
haviam conseguido um dez no boletim.
07 – Além da música, quais
outros interesses Cazuza demonstrou ter durante a infância, que surpreendiam
pela sua dedicação?
Cazuza demonstrou
grande interesse por geografia, tornando-se um expert, e também por arquitetura
e urbanismo, criando cidades imaginárias com detalhes de população e
funcionamento.
08 – Qual foi o episódio que
demonstrou o conhecimento de Cazuza em geografia e como ele impressionou o
ministro venezuelano?
Durante um jantar,
Cazuza corrigiu o ministro venezuelano sobre a extensão e o título de
"maior da América Latina" de um túnel. Ele foi ao quarto buscar um
livro e provou seu ponto, o que encantou o ministro.
09 – Como o pai de Cazuza
reagiu ao desinteresse do filho por esportes, e qual anedota é contada sobre o
futebol?
João ficava
frustrado com o desinteresse de Cazuza por esportes, especialmente futebol. Uma
crônica de Armando Nogueira relata que Cazuza dizia jogar no "Fusa",
que era a turma "que sobrou" após a formação dos três times oficiais
do colégio.
10 – Qual foi a mudança na
relação de Lucinha com Cazuza a partir dos quatorze anos de idade dele?
A partir dos
quatorze anos, Cazuza passou a desafiar a autoridade de Lucinha, escondendo o
diário de classe e rasgando boletins. Ele a enfrentava e respondia, e Lucinha
percebeu que precisaria conviver e perdoar as atitudes extremas do filho,
entendendo que ele não era mais seu "garotinho".
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