Artigo de opinião: Pela culatra
Hélio Schwartsman
SÃO PAULO – Meu masoquismo não vai além
dos debates eleitorais. Já faz alguns pleitos que parei de acompanhar com lupa
a propaganda dos candidatos no rádio e na TV. É possível, porém, passar
completamente alheio ao fenômeno, e o que me chamou a atenção este ano foi o
grande de inserções que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) coloca na
programação.
Algumas das peças, que, aliás, já
saíram do ar, até que traziam informações relevantes, como os procedimentos
necessários para o voto em trânsito, mas o grosso delas tenta incutir espírito
cívico no eleitor e incentivá-lo a comparecer no dia da votação. Considerando
que o sufrágio é obrigatório no país, tais campanhas me parecem, no mínimo, um
grande desperdício. Seria p equivalente de a Receita Federal gastar preciosos
recursos públicos com anúncios publicitários que tentem convencer o
contribuinte de que ele deve ficar feliz ao pagar seus impostos.
Eu não seria tão contra esse tipo de
campanha se o voto fosse facultativo, como ocorre nas democracias civilizadas.
Mas ele é compulsório. Ironicamente, por sutilezas lógicas que examinaremos a
seguir, isso faz com que a própria mensagem cívica que o TSE tenta transmitir
se esfacele.
Tomemos o caso da esmola ou do ato de
bravura. Ora, para que esses gestos tenham significado, é necessário que o
indivíduo tenha a opção de não fazê-los. Se se tornam obrigatórios, a esmola se
converte em tributo, e o heroísmo, em dever. Com isso, o valor que tinham é
subvertido.
Penso que com o voto é a mesma coisa.
Se somos compelidos a apertar os botões da urna, nossas escolhas se tornam
menos livres, o que rouba um pouco de seu significado e, pior, impede que o
eleitor se constitua como um sujeito verdadeiramente autônomo, se é lícito
empregar aqui o vocabulário kantiano.
De minha parte, cada vez que ouço as
edificantes peças do TSE, fico com vontade de viajar no dia da eleição.
SCHWARTSMAN, Hélio.
Pela culatra. Folha de S. Paulo, 19 set. 2014. Opinião, p. A2.
Entendendo o artigo de opinião:
01 – Qual é a opinião de Hélio Schwartsman sobre as
campanhas do TSE para incentivar a participação nas eleições?
Schwartsman
considera essas campanhas um grande desperdício, pois o voto é obrigatório no
Brasil, tornando desnecessária a tentativa de incutir espírito cívico nos
eleitores.
02
– Por que Schwartsman acha que o voto obrigatório diminui o valor das escolhas
dos eleitores?
Ele argumenta
que, quando somos compelidos a votar, nossas escolhas se tornam menos livres, o
que rouba um pouco do seu significado e impede que o eleitor se constitua como
um sujeito verdadeiramente autônomo.
03
– Qual é a comparação feita por Schwartsman entre o voto obrigatório e atos
como esmola ou bravura?
Schwartsman
compara o voto obrigatório à esmola e ao heroísmo, dizendo que, para que esses
gestos tenham significado, é necessário que o indivíduo tenha a opção de não
realizá-los. Se tornam obrigatórios, perdem o valor.
04
– Qual é a posição de Schwartsman sobre o voto facultativo em relação ao voto
obrigatório?
Ele seria a favor
das campanhas do TSE se o voto fosse facultativo, como ocorre nas democracias
civilizadas, pois isso daria mais significado ao ato de votar.
05
– O que Schwartsman sente quando ouve as campanhas do TSE?
Ele sente vontade
de viajar no dia da eleição, indicando sua resistência às campanhas que
consideram inúteis devido à obrigatoriedade do voto.
06
– Quais informações Schwartsman considera úteis nas campanhas do TSE?
Ele menciona que
algumas campanhas trazem informações relevantes, como os procedimentos
necessários para o voto em trânsito, mas considera isso uma exceção.
07
– Como Schwartsman compara a propaganda eleitoral à propaganda da Receita
Federal?
Ele compara o
esforço do TSE em incentivar o voto obrigatório à hipotética situação de a
Receita Federal gastar recursos públicos tentando convencer os contribuintes a
ficarem felizes ao pagar impostos, considerando ambos um desperdício de
recursos.
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