segunda-feira, 4 de setembro de 2023

POEMA: VERSOS À BOCA DA NOITE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 POEMA: VERSOS À BOCA DA NOITE

                Carlos Drummond de Andrade

 

Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva.
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.

 
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgeY6k-xBeoSdarQctVfx4EfNLq0QscDu3XcV-Q4KyyIAEMl9S0HGdXZIXNWBxtne7bz9FKcgXUf76oyRz97LkD7U3LuUDOIh53JpMTI8fC09d9JYHjtShed4Msg9WoYOcyEQvBQQOO-_05hxGxEf90TaavNVZD7BwlmKy67eihZtJDGvHzXOKquO72yLg/s320/boca-da-noite.jpg

Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? Sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?

Há muito suspeitei o velho em mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.

Mas se eu pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração,
meu grito, minha fome. Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.

Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação de minha vida,
como os objetos perdidos na rua.

As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,

E tanta indecisão entre dois mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,

E fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)

Mas vêm o tempo e a ideia de passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.

E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sonho e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.

E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.

Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre? na Argentina? Em ti?
Que palavra escutaste, e onde, quando?
Seria indiferente ou solidária?

Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-Riso e em tua ama preta.

Que confusão de coisas ao crepúsculo!
Que riqueza! Sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:

uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,

Mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo

comprada em sal, em rugas e cabelo.

ENTENDENDO O POEMA

01. Nos versos de Carlos Drummond de Andrade pode-se inferir que o eu lírico trata do (as)

a) inquietações da juventude.

b) traquinagens da infância.

c) descobertas da adolescência.

d) transição da fase adulta para a velhice.

e) passagem da infância para a juventude.

 

02. Na frase “Sinto que o tempo sobre mim abate sua mão pesada” encontra-se a figura de linguagem

a) eufemismo.

b) animismo.

c) hipérbole.

d) catacrese.

e) sinestesia.

 

03. Como o poeta descreveu sua relação com o tempo no início do poema?

     O poeta descreveu que o tempo diminui sobre ele sua mão pesada, causando rugas, dentes e calva.

04. Qual é o sentimento do poeta em relação à sua maturidade na segunda estrofe?

      O poeta expressa uma facilidade maior de tudo em relação à sua maturidade, mas também revela o medo de novas descobertas.

05. O poeta planeja escrever sonetos dessa fase da vida?

      O poeta planeja escrever sonetos de maturidade.

06. O que o poeta questiona sobre si mesmo na terceira estrofe?

      O poeta questiona se ele será sempre louco, sempre mentiroso, se acreditará em mitos e zombará do mundo.

07. Qual é a sensação do poeta em relação à passagem do tempo e ao envelhecimento em "Há muito suspeito o velho em mim"?

       O poeta sente uma suspeita de envelhecimento desde a infância, e agora, na solidão, reflete sobre essa transformação.

08. O que o poeta deseja poder fazer novamente em relação ao seu passado?

      O poeta deseja poder recomeçar o dia e usar novamente sua inspiração, grito e fome.

09. Como o poeta descreve suas experiências ao longo da vida?

     O poeta descreveu suas experiências como multiplicadas, incluindo viagens, furtos, solidões, desespero, melancolia e indecisões.

10. O que o tempo traz consigo na segunda metade do poema?

      O tempo traz consigo a gravação e memórias que perseguem o poeta, até que ele se recusa a reconhecê-las como parte de sua vida.

11. Qual é o desejo final do poeta em relação às experiências e memórias da vida?

      O desejo final do poeta é capturar todas as experiências e memórias e compô-las em um todo sábio, uma ordem, uma luz, uma alegria que desça sobre seu peito despojado.

 

 

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